Ou o nosso modelo de geração de riqueza é sustentável ou o nosso futuro não será brilhante – e, para tal, é necessário convocar Estados, empresas, sociedade civil e cidadãos. Às empresas, cabe assegurar um equilíbrio responsável entre o lucro e o modo de o obter, ou seja, entre o negócio, o seu modelo de governance e os seus impactos sociais e ambientais
POR JOÃO WENGOROVIUS MENESES

Assegurar a sustentabilidade dos negócios é não só uma excelente forma de gerir riscos e obrigações legais, mas também de diferenciação, em contextos competitivos e perante consumidores cada vez mais exigentes. Globalmente, as empresas estão sob um escrutínio cada vez maior, esperando-se que sejam capazes de gerar valor social e ambiental e não apenas dividendos para os seus accionistas.

Para 2019, o BCSD Portugal prevê um conjunto tendências que irão impactar a actividade empresarial, algumas das quais transitam de 2018. Vejamos:

Descarbonização

Em 2018, os riscos ambientais foram considerados como o principal risco para os negócios pelo World Economic Forum e o número de empresas a comprometerem-se com o cumprimento do Acordo de Paris e a adoptar science-based targets cresceu significativamente. Assim, é expectável que o mercado das tecnologias que ajudam a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa continue a crescer – de que são exemplo as soluções para poupança, captura e armazenamento de energia, para a microgeração e para a mobilidade verde. O custo de obtenção de energia a partir de fontes renováveis deverá continuar a diminuir, bem como o preço das baterias íon-lítio, cuja capacidade de armazenamento é cada vez maior. Várias empresas, tal como a Shell, anunciaram recentemente investimentos de milhares de milhões de euros em energias renováveis, ao longo dos próximos anos e, no sector automóvel, empresas como a Volkswagen, a Ford e a Tesla anunciaram investimentos colossais no desenvolvimento de carros eléctricos, condução autónoma e novos serviços de mobilidade. A nível mundial, a venda de carros eléctricos aumentou 70% em 2018, tendo sido vendidos quase 1 milhão. Na Alemanha, abre em breve a maior estação do mundo para carregamento de veículos eléctricos (com capacidade para carregar 4 mil carros por dia) e, em Londres, duplicaram as estações de carregamento, em 2018, de 750 para 1.500. Ao nível da mobilidade, aos carros juntam-se, também, autocarros,scooterse trotinetes eléctricas. A descarbonização está em curso.

Afirmação do(s) mercado(s) de carbono

Os mecanismos de incentivo à transição para a neutralidade carbónica, nomeadamente, fiscalidade verde e mercado(s) de carbono, serão cada vez mais comuns. Em 2018, o valor do mercado global de carbono atingiu os 1,26 mil milhões de dólares, tendo o seu preço mais do que duplicado desde 2010. Em 2019, deverá aumentar o número de países a adoptar mercados locais de carbono e na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2019, a COP 25, deverá decidir-se a regulamentação do mercado mundial de carbono. 

Expansão da Economia Circular

São 3,5 milhões de toneladas de lixo que são produzidas diariamente a nível mundial e a estimativa é que este valor duplique até 2025. Impedir que os produtos cheguem a lixo, reintroduzindo-os no ciclo de produção como matérias primas secundárias e, assim, proteger o ambiente e tornar as empresas mais eficientes, será cada vez mais comum. O fim às importações de lixo por parte da China, em 2018, terá um impacto importante na indústria da reciclagem dos países que eram exportadores, nomeadamente, Estados Unidos e Europa.

Desplastificação

Diariamente usamos 1.000 milhões de palhinhas de plástico e 721 milhões de garrafas descartáveis. Se continuarmos a este ritmo, em 2050 haverá mais plástico do que peixe no mar. Acresce que, tal como concluiu recentemente um estudo da Fundação Ellen MacArthur, a maioria das embalagens de plástico só é usada uma vez, num valor anual de 80-120 mil milhões de dólares. As limitações ao uso de plásticos serão cada vez maiores, bem como alternativas recicláveis ou biodegradáveis.

Expansão da Sociedade 5.0

As inúmeras tecnologias emergentes que caracterizam a denominada “Indústria 4.0”, nomeadamente, inteligência artificial, internet das coisas, nanotecnologia, quantum computing, VR/AR, drones, impressão 3D, blockchain, entre outras, terão usos cada vez mais centrados na sustentabilidade (i.e. nas pessoas, no ambiente e nos processos de governance).

Transição justa

A maioria das tendências resulta em novos empregos, mas algumas irão provocar desemprego em fases de transição. Será uma preocupação, cada vez maior, encontrar soluções para mitigar as situações de desemprego – por exemplo, apoiando a requalificação profissional e a aquisição de novas competências. As recentes manifestações, em Paris, dos Coletes Amarelos são uma evidência clara de que há desafios relacionados com a transição que não podem ser ignorados.

Crescente relevância do governance

Várias empresas globais têm vindo a ser acusadas de racismo, sexismo, situações de assédio e desigualdades salariais entre homens e mulheres. Em 2016, após o escândalo Panama Papers, a UE publicou uma lista negra de paraísos fiscais; em 2017, após o #MeToo, mais de 500 empresas multinacionais assinaram a “CEO Action for Diversity & Inclusion”; e, em 2018, após diversos escândalos relacionados com fake news, a UE lançou legislação sobre a protecção de dados – o RGPD. Ou seja, a pressão será cada vez maior para que as empresas adoptem boas práticas de governance.

Finanças sustentáveis

Áreas tradicionalmente com menos escrutínio serão cada vez mais escrutinadas. Por exemplo, a pressão para que o capital investido através da banca, dos mercados de valores mobiliários e dos fundos de investimento adopte critérios de sustentabilidade será cada vez maior. Paralelamente, os riscos ESG serão cada vez mais incorporados nas decisões de investimento, o mercado dos fundos de investimento sustentáveis continuará a crescer, e surgirão novos mecanismos de financiamento (como as Green Bonds) e novas plataformas de crowdfunding (como a Kickstarter) focados na sustentabilidade.

Expansão do consumo ético

Os consumidores serão cada vez mais exigentes no que respeita aos impactos das suas escolhas, preferindo produtos mais sustentáveis.O número de produtos, marcas, apps, sites e lojas com soluções de consumo éticas e saudáveis continuará a crescer em 2019, bem como oprocurement público sustentável.

A par destas tendências, há uma tendência política populista, de sentido contrário, em países como os EUA e o Brasil, que esperamos ser passageira.

Mais temíveis serão a indiferença e o relativismo. Um relativista nega as alterações climáticas, os seus impactos, ou a origem humana. Nesse grupo encontram-se alguns conservadores, que consideram a sustentabilidade uma preocupação frívola ou materialista, um culto pagão sustentado por uma visão apocalíptica herege.

Na verdade, não precisamos de estar de acordo em tudo. Basta acreditarmos na relevância de um dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas ou num dos parágrafos dos relatórios do IPPC sobre as alterações climáticas, para termos o dever de agir. Por exemplo, ainda que os gases com efeito de estufa pudessem não provocar aquecimento global, provocam seguramente poluição – que tem um impacto altamente negativo na saúde humana e na biosfera.

Quem já mergulhou num recife de coral percebe bem a importância de agirmos, e de quão frívolo é gastar energia a encontrar argumentos para não agir. No BCSD Portugal, daremos tudo em 2019. Afinal de contas, como escreveu Dostoiévski, “todos somos responsáveis por tudo, perante todos.”

Secretário-Geral do BCSD Portugal