POR HELENA OLIVEIRA
“Ao nível puramente macro, o maior desafio que se coloca à humanidade é a completa inexistência de um sistema de governança global. Instituições como o G20, o Banco Mundial ou o FMI já não a representam. O Banco Mundial e o FMI foram desenhados nos anos de 1940 e não nos podemos esquecer que o equilíbrio de poder pende agora para outros países. Estamos a tomar consciência de que não conseguimos resolver muitos dos problemas que nos afligem: nem na Ucrânia, nem na Europa, nem na Síria. O mundo está mais polarizado do que nunca, o que aumenta a complexidade de resolução dos seus problemas”. As palavras são de Paul Polman, CEO da Unilever (v. Caixa), a propósito de uma nova iniciativa global – a Leadership Vanguard – que visa reinventar o modelo de crescimento actual e também a própria liderança.
Promovida pela Xyntéo’s, uma consultora – com presença física em Londres e em Oslo – que trabalha com empresas globais no desenvolvimento de projectos que dêem origem a um “novo” crescimento que melhor se coadune com as realidades que caracterizam o século XXI – como a escassez de recursos, as alterações climáticas ou a demografia – esta nova iniciativa global e colaborativa visa juntar líderes de vários quadrantes da sociedade, com vista a uma reinvenção do modelo “ocidental” de crescimento e à preparação dos líderes do futuro.
A Leadership Vanguard, em conjunto com seis parceiros iniciais [Unilever, DNV GL, Woodside, Keppel, Atlantic Lloyd, Outotec], pretende unir um vasto grupo de empresas, líderes, pensadores, empreendedores sociais e disruptores – numa “química de interacção” – para participarem na transição para um novo modelo de crescimento mais inclusivo e sustentável.
Apesar de esta “vontade” parecer estar na moda – sendo várias as iniciativas que apelam para esta mudança e necessidade – a Leadership Vanguard tem algumas características específicas que lhe conferem uma adequada credibilidade. No seu centro, a já referida “química de interacção” entre quatro grupos por excelência: os futuros líderes pertencentes às seis organizações que inicialmente abraçaram o projecto (os catalisadores), os CEOs e líderes seniores das mesmas (mentores), pensadores de referência (“faróis” inovadores) e potenciais disruptores com ideias transformadoras, mas que têm ainda que atrair as atenções do mundo (desbravadores/pioneiros). A ideia é incubar projectos ou ideias pensados exclusivamente para este “novo” crescimento – numa lógica de intra-colaboração entre os quatro grupos – e formar um núcleo de líderes que não só se consigam adaptar às mudanças que estão a “varrer” o mundo, mas também a moldá-las, de forma activa, para melhor.
Entre os líderes “pioneiros” que se juntaram já à Leadership Vanguard destacam-se personalidades como Peter Bakker, presidente do WBCSD, Christian Busch, director associado do Innovation Lab da London School of Economics, Bawa Jain, secretário-geral e fundador do World Council of Religious Leaders, o já referido CEO da Unilever, Paul Polman, entre vários outros. Vejamos, então, de que forma é que esta nova plataforma pretende reinventar o crescimento e a liderança.
Corrigir os três eixos de tensão no modelo actual de crescimento
Não existem dúvidas que o crescimento – tal como o conhecemos – trouxe ganhos inimagináveis para a humanidade ao longo dos últimos séculos, expandindo o conhecimento, erradicando doenças e oferecendo melhorias significativas em termos de qualidade de vida. Em especial, ao longo das últimas décadas, mais de mil milhões de pessoas deixaram de carregar o estatuto de pobreza extrema, a esperança média de vida mais do que duplicou nos últimos 20 anos e foi criada mais riqueza nos últimos 100 anos do que nos 100 mil que os antecederam.
Todavia, este modelo foi construído para uma época já passada, na qual os recursos eram abundantes e, por isso mesmo, mais baratos, os níveis de interdependência menores, bem como os níveis de inter-relação entre as pessoas.
Assim, basta olhar à nossa volta para vermos de que forma é que este crescimento está ultrapassado, e tremendamente mal equipado para lidar com as realidades demográficas, climáticas e de recursos do século XXI.
Os sinais são claros e estão por todo o lado. Por um lado, os níveis perigosos de alterações climáticas, o acesso, cada vez mais “condicionado” aos recursos naturais e as quantidades escandalosas de desperdício; por outro, os persistentes e elevados níveis de desemprego, o aprofundar das desigualdades e os níveis devastadores de insatisfação com as instituições. Para os criadores desta iniciativa, estes dados conferem a evidência de que o nosso modelo de crescimento favorece a exclusão, é endemicamente ineficiente e tem como base uma apreciação errada do que é o valor, a qual está profundamente desconectada das necessidades actuais e prementes da humanidade.
E se é verdade que já existem sinais de que o crescimento está em mudança, terá ainda de mudar muito mais. O mercado de trabalho continua a tentar erguer-se da última crise financeira – com cerca de 26 milhões de europeus ainda no desemprego; deitamos fora cerca de um terço da nossa comida apesar de mil milhões de pessoas comerem muito pouco (enquanto 1,6 mil milhões comem demais); os eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e severos, colocando uma pressão crescente na infraestrutura da qual as nossas economias e a sociedade dependem, tanto nos países ricos como nos pobres. E o rol de inadequações poderia continuar. A Xyntéo’s identifica assim três eixos por excelência que mais tensões provocam no modelo actual de crescimento:
- Humanos/natureza: o crescimento tem de trabalhar com a natureza e não contra ela – não existe absolutamente nenhuma razão para afirmar que a prosperidade significa uma acumulação de lixo/desperdício no ambiente que nos sustenta.
- Poucos/muitos: o crescimento deverá gerar valor para muitos e não para uma pequena elite. Crescimento saudável significa também crescimento inclusivo e acessível a todos aqueles que, tradicionalmente, são excluídos.
- Curto prazo/longo prazo: o crescimento deverá conferir o poder necessário à geração actual para que esta floresça sem sacrificar a qualidade de vida das gerações futuras.
Todos os dias somos “ensinados” a aceitar estas realidades como verdades imutáveis e inevitáveis. Mas não tem de ser assim.
Como reinventar o crescimento?
De acordo com esta iniciativa para um crescimento diferente, posicionamo-nos num ponto de inflexão, onde velhos pressupostos nos cegam perante a mudança necessária. A convicção geral diz-nos que para crescer precisamos de sacrificar o ambiente, comprometer o bem-estar das gerações futuras e excluir amplas camadas populacionais do sistema. E o objectivo da Leadership Vanguard é desafiar estes pressupostos. A título de exemplo, a iniciativa recusa-se a aceitar que a desigualdade e a pobreza são inevitáveis, ou o argumento de que a transição para um novo modelo energético – o qual ajudaria 1,3 mil milhões de pessoas que não têm acesso à electricidade sem sobrecarregar o clima – seja impossível. “Nas impossibilidades residem muitas possibilidades”, acreditam.
Para reinventar o crescimento é necessário que se coloque um ponto final nos trade-offs que nos habituámos a aceitar no modelo actual. Tal como já foi anteriormente referido, este novo modelo de crescimento terá de trabalhar em conjunto com as forças da natureza, gerar valor para todos e não só para alguns e posicioná-lo em termos de longo prazo e não de acordo com ganhos imediatistas de curto prazo. Mas para que estas alterações sejam possíveis, a própria noção de liderança tem também de mudar.
Enquanto uma iniciativa para um novo crescimento, a Leadership Vanguard trabalhará com empresas (e líderes) globais com vista a encontrar novas formas de crescimento, que possam ser competitivas num mundo definido por problemas complexos como as alterações climáticas, a escassez de recursos e a desigualdade. À medida que estas organizações forem testando e rentabilizando estas novas oportunidades de crescimento, estarão também a contribuir, de acordo com os mentores desta iniciativa, para a criação de um mundo melhor.
Todavia, todos estão igualmente de acordo de que não deverão ser somente as empresas a arcar com toda esta “responsabilidade”. Esta reinvenção do crescimento consiste num desafio aos sistemas que defendem as abordagens “em silos”. Os novos líderes têm de se expor a novas, e muitas vezes desconfortáveis, perspectivas e a aprender a colaborar eficazmente com novos parceiros. E é por isso que a “química de interacção” é tão preciosa para este movimento.
Todavia, e apesar de existirem benefícios de desenvolvimento óbvios, e pese embora o nome da própria iniciativa, a Leadership Vanguard não é um movimento para desenvolver líderes (as empresas que apoiam a iniciativa já têm este tipo de programas), mas sim uma forma de oferecer um mecanismo que exponha os líderes futuros a pensadores e fazedores “provocadores” numa perspectiva que vá bem além dos negócios em que estão envolvidos.
Ao mesmo tempo, o programa tem também como objectivo proporcionar um espaço no qual os líderes possam testar e fazer avançar novas capacidades para os novos modelos de crescimento, as quais serão crescentemente importantes no mundo actual e cada vez menos previsível.
Jovens têm “fome de mudança”
Enquanto promotor da Leadership Vanguard, Paul Polman – o primeiro CEO “top-level” do mundo a abolir a apresentação trimestral de resultados – afirma estarmos ainda demasiadamente “programados” para vivermos de acordo com o modelo de crescimento “ocidental”. Numa entrevista de “apresentação” desta plataforma inovadora, o CEO da Unilever fala dos maiores desafios que antevê tanto para a redefinição do valor – elemento central na reinvenção do modelo de crescimento – como para a criação de uma estrutura mais “harmoniosa” que permita que os líderes trabalhem em conjunto. Vejamos o essencial do discurso de Polman.
O CEO da Unilever identifica três grandes desafios no que respeita a definir o valor para que este se adeqúe a um novo modelo de crescimento económico. O primeiro diz respeito à necessidade de um novo sistema financeiro, em conjunto com os incentivos inerentes ao mesmo, que seja orientado para o longo prazo. “Precisamos de um sistema que recompense os investidores dispostos a renunciar ao retorno imediato, substituindo-o por retornos mais compensadores ainda que a longo prazo”, afirma, acrescentando ainda que todo o sistema de incentivos precisa de mudanças. Em segundo lugar, Polman alerta para a necessidade de se contabilizar mais do que a mera performance financeira, mas também o capital natural e o capital social. “Precisamos de uma medida mais ampla para avaliarmos o ‘sucesso’”, defende ainda, questionando como é possível colocarmos um preço em coisas que prezamos ou que destruímos. “Um preço no carbono, por exemplo”, diz. Em terceiro lugar, Polman refere o desafio da própria liderança. Na medida em que os mandatos dos CEOs [nos Estados Unidos] são de quatro anos e meio, Polman confessa que estes têm como norma “ficar de cócoras”, tendo dificuldade em estimular a mudança a um nível global. Assim, um tipo específico de liderança será cada vez mais urgente.
A boa notícia para esta necessária reinvenção do crescimento reside nos jovens. Afirmando que estes parecem ser universalmente movidos pelo propósito, Polman assegura ainda que, nas inúmeras viagens que faz um pouco por todo o mundo, é visível esta “fome de mudança” por parte das gerações mais jovens. Sendo tecnologicamente dotados, trabalham de forma diferente em conjunto e têm uma visão alargada das mudanças necessárias para um mundo melhor. E todos parecem estar em consonância face a uma evolução natural do capitalismo e para a criação de uma forma mais equitativa e sustentável de crescimento.
Editora Executiva