Um ano e meio depois da carta do Papa Francisco a desafiar-nos para pensarmos e sonharmos uma economia mais humana, depois de termos participado nos módulos de preparação promovidos pela ACEGE Next, e no meio de uma pandemia que nos tocou a todos, eis que chegou finalmente o evento The Economy of Francesco. Neste primeiro dia, ficámos com a certeza, e fazendo eco das palavras proferidas pelo economista Stefano Zamagni, “de que a tarefa que temos pela frente parece impossível, mas temos que agir como se não fosse”
POR RITA SACRAMENTO MONTEIRO
O entusiasmo era grande, e apenas o facto de ser possível um evento virtual com 2.500 participantes e milhares de pessoas a assistir, revelou-se em si um sinal! Um sinal de esperança nestes tempos de incerteza, e um sinal de alegria por estarmos, finalmente, juntos!
Ali estávamos nós a começar esta grande oportunidade com um dos principais textos do Santo que inspira este desafio – São Francisco de Assis – a ser lido pelo Bispo de Assis. O Cântico das Criaturas deu o tom para os dias de reflexão: começar pelo que é bom e belo, pelo que merece ser louvado, bendito. Este aspecto não é só simbólico. É, na verdade, requisito para ser possível alargar perspectivas e construir em conjunto.
Ao longo da tarde fomos convidados a reflectir sobre realidades como a da pobreza e a das empresas, mas a partir de um novo olhar.
Hoje os mais frágeis batem-nos à porta do coração. O que vamos responder?
Nas intervenções de abertura, houve uma que me tocou particularmente. Francesca Di Maolo, Presidente do Instituto Serafico de Assis, organização que promove a inclusão de crianças e jovens adultos portadores de deficiência, lembrava que o vírus atual ataca os mais frágeis e deixou ecoar a pergunta: Hoje os mais frágeis batem-nos à porta do coração. O que vamos responder?
Fomos convidados a olhar para a resposta dada por São Francisco no seu encontro transformador com o leproso, e colocaram-se perante nós mais perguntas: há alguma coisa que nos aproxime da pobreza ou também fugimos de olhar para ela como os burgueses de Assis? Como podemos combater as desigualdades e cuidar dos mais frágeis, se não os ouvirmos? Se não nos aproximarmos?
O pobre é sinal vivo e real de que a atual economia deixa pessoas para trás. Respeitar a dignidade dos mais frágeis, pobres e marginalizados, sem nos pormos em posições de superioridade, passa por conhecer e envolver as pessoas que vivem as situações concretas e, com elas, trabalhar por soluções novas. E ainda que não haja respostas fáceis, é por aqui que temos que começar. Mais, a pressa por respostas não se coaduna com aquilo a que nos propomos. E isso é muitas vezes desconcertante. Mas ao longo deste percurso, tenho percebido que as respostas vêm sob a forma de novas perguntas, perguntas mais bem feitas porque mais sustentadas, perguntas novas que podem permitir desbravar caminhos diferentes.
Ninguém pode ser reduzido a um instrumento pois cada um põe em prática os talentos que tem
Depois da família, o maior número de organizações humanas tem o seu expoente nas empresas. O Cardeal Peter Turkson, do Dicastério para o Serviço Desenvolvimento Humano Integral, lembra que a empresa é uma comunidade de pessoas que se juntam para trabalhar por um objectivo comum. Hoje falamos muito de propósito, exactamente porque as empresas percebem a importância e o valor de ter claro para as pessoas aquilo que as move. Aquilo que é finalidade mas não fim em si mesmo. Aquilo para o qual é preciso trabalhar em conjunto. Nesta comunidade, o Cardeal lembra que todos os papéis têm que ser dignificados: quem lidera, quem gere, quem organiza, quem limpa. Ninguém pode ser reduzido a um instrumento pois cada um põe em prática os talentos que tem. E isso tem um grande valor! A riqueza de que precisamos é aquela que gera bem para todos. A palavra “bem” desafia-nos a pensar nos serviços e produtos, na riqueza que uma empresa promove, não na óptica de autoconsumo, mas na perspectiva do serviço a todos os envolvidos.
A Economia deve servir as pessoas e não o contrário. E pudemos ouvir vários exemplos de empresas que, colocando a dignidade da pessoa no centro da tomada de decisões, são rentáveis e geram negócio. É preciso continuar a transformar a empresa no sentido de esta ser espaço de encontro, de fraternidade, para que seja possível transformar a sociedade.
A Economia de Francisco não é um movimento só de jovens, nem só de economistas ou de empreendedores. É, sim, um movimento para todos aqueles que já estão a pôr em prática ou querem trabalhar por uma economia cujo sentido não asfixie, nem promova mais desigualdades, mas sim que permita florescer e dignificar todos os seres criados e a nossa Casa Comum.
Este é um movimento liderado pela geração que hoje já está a ser chamada a tomar decisões e que amanhã será exemplo para as gerações mais novas. Foi bonito, refrescante e sinal de que o trabalho intergeracional é possível e necessário, ver os participantes a apresentarem as suas propostas, e grandes pensadores, como o Jeffrey Sachs, entre tantos outros, a comentar e a disponibilizar-se para trabalhar em conjunto.
Como dizia Stefano Zamagni, economista e presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, a tarefa que temos pela frente parece impossível, mas temos que agir como se não fosse. E para isso, precisamos de esperança, pois só a esperança abre sentido de possibilidade e nos desafia a olhar o mundo pela primeira vez.
Mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica. Trabalhou em comunicação, gestão de stakeholders, e nos últimos anos na gestão de projectos de voluntariado e projectos sociais. Faz parte da equipa de coordenação do hub português da Economia de Francisco.