A propósito do centenário do ISEG e do lançamento da 1ª edição de uma Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade, o VER conversou com a Professora Helena Martins Gonçalves, directora e coordenadora cientifica da mesma. Para a especialista em marketing e estratégia, é necessário alertar para esta temática e transmitir conhecimento para que seja possível “gerir para a sustentabilidade”.
POR HELENA OLIVEIRA
No ano em que o ISEG assinala o seu centenário, o que poderemos esperar desta aposta clara da instituição na temática da sustentabilidade?
O ISEG, enquanto escola de referência em gestão, marca uma clara posição no avanço do conhecimento e da formação nas temáticas de grande actualidade, apresentando a 1ª edição da Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade. Pretendemos assim responder aos desafios que os gestores enfrentam na definição, planeamento e implementação de uma estratégia de sustentabilidade empresarial. No ISEG temos vindo e continuaremos a incentivar a investigação nesta área, com vista ao desenvolvimento de um maior conhecimento teórico e aplicado, nomeadamente no contexto português. As questões ligadas à sustentabilidade e à responsabilidade social deverão estar cada vez mais integradas no desenvolvimento curricular aos vários níveis de formação, como acontece já em várias disciplinas.
De uma forma geral, que principais desafios encerra a temática da sustentabilidade para a gestão – tema da vossa conferência assim intitulada [a ter lugar no próximo dia 19] – para as empresas portuguesas na actualidade?
Compatibilizar as expectativas das várias partes interessadas na empresa, com a necessidade de ter resultados positivos de forma continuada. Gerir as questões ligadas às dimensões económica, ambiental e social, centradas no mercado, tendo em atenção as necessidades e desejos dos vários stakeholders. Isto implica converter os recursos em capacidades e, estas, por sua vez, em vantagem competitiva sustentável, esperando obter uma performance superior.
Existem já variadíssimas pós-graduações e mestrados que versam sobre a “Sustentabilidade na Gestão”. Apesar de sabermos que esta é, finalmente, uma questão que já integra a estratégia de inúmeras empresas, que novidades nos traz a Pós-Graduação em “Gestão da Sustentabilidade”?
A Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade do IDEFE/ISEG diferencia-se das demais, fundamentalmente por ser uma pós-graduação em gestão, por abordar a temática da sustentabilidade de uma forma transversal a todas as áreas da empresa, desde a gestão financeira, ao marketing e comunicação, à qualidade e recursos humanos, passando pelas operações, pelo desenvolvimento de produtos e pela estratégia empresarial. São ainda leccionadas disciplinas sobre métricas e reporte da sustentabilidade, fundamentais para a boa gestão da sustentabilidade. Inclui também disciplinas de enquadramento económico, ambiental e de responsabilidade social e ética. A maior parte da formação nesta área, em Portugal e internacionalmente, assenta fundamentalmente em temas como o desenvolvimento sustentável, a economia do ambiente e as questões energéticas. São questões importantes, mas insuficientes para a gestão eficaz de uma organização.
A grande questão a que esta pós-graduação vem dar resposta é: ”Como se define e avalia uma estratégia de sustentabilidade e como é que cada área da empresa pode contribuir para essa estratégia?”
A Pós-Graduação em causa está a ser procurada por alunos de que áreas?
A nova Pós-Graduação em Gestão da Sustentabilidade do IDEFE/ISEG está neste momento a fazer o seu lançamento, para ter início em Setembro de 2011. Dirige-se a titulares de graus académicos nas áreas da Gestão, Economia, Marketing, Comunicação, Ambiente, Engenharia e outras áreas afins. Tem como principais destinatários: Directores gerais de empresas, responsáveis das diferentes áreas; Profissionais ligados à publicidade; Jornalistas; Membros de ONGs; Consultores; Jovens licenciados e investigadores visando carreiras nas áreas da consultoria especializada de gestão da sustentabilidade e que pretendam alcançar níveis superiores de conhecimento.
Que ferramentas práticas têm ao seu dispor os alunos desta PG?
As ferramentas práticas que os alunos irão ter ao seu dispor advêm, entre outras, dos modelos, métodos, processos e métricas usadas em cada área departamental, que irão ser apresentados e aplicados.
A monitorização, a par das métricas que avaliam as práticas de sustentabilidade, ainda não está suficientemente enraizada nas empresas portuguesas. O que é necessário para que estas percebam a sua utilidade, nomeadamente no impacto que estas têm no que respeita aos seus próprios lucros?
Em primeiro lugar é preciso que os gestores ou outros utilizadores conheçam a sua existência: o processo e os indicadores associados. Depois, que tenham informação sobre as suas características, a sua utilidade e condicionantes de aplicação, bem como sobre exemplos práticos do seu funcionamento. Só então terão consciência da sua utilidade e importância na implementação de uma estratégia de sustentabilidade.
Há uma avaliação que se faz em termos absolutos, mas, é também muito importante, aquela que se faz termos comparativos. Por isso mesmo, os resultados das métricas de sustentabilidade poderão ser uma demonstração de vantagem competitiva da empresa, que importa comunicar ao mercado. A EDP, líder do índice Dow Jones Sustainability é um caso paradigmático.
São muitos os analistas que defendem que estamos a viver o início de uma terceira revolução e de como o “pensamento verde” consiste na estratégia económica mais eficaz para se vingar no século XXI. Qual o seu comentário a esta tese?
Acho muito interessante, e com a qual concordo. Considero que o “pensamento verde” irá, cada vez mais, enraizar-se em cada um de nós, enquanto consumidor, gestor, professor . . . em cada um dos papéis que desempenhamos ao longo da vida na sociedade. Assim como no inicio do século XX, houve grande preocupação em estudar e aplicar os conhecimentos desenvolvidos, por exemplo, por Taylor, Fayol e Ford, com vista a uma maior eficiência e produtividade do trabalho, agora, no século XXI, a questão que se coloca e à qual tem de se dar resposta é: “Como produzir, bens e serviços, satisfazendo as necessidades de diferentes stakeholders, sendo amigo do ambiente?” O grande desafio para o gestor é de natureza económica, ambiental e social.
A sustentabilidade é, neste momento, uma temática inevitável que irá transformar todos os negócios, aumentando os lucros, motivando os colaboradores, desafiando processos de negócios, para além de constituir um imperativo de liderança: em termos sumários, conceber uma estratégia de negócios sustentável. Considera que os gestores portugueses estão suficientemente alertados para esta urgência?
O sentido de urgência desta estratégia varia consoante o sector de actividade. Temos, por exemplo, o caso dos sectores energético e do papel, em que os gestores portugueses estão não só suficientemente alertados para esta urgência, como, desde há muito, desenvolvem uma estratégia proactiva. No entanto, isto não acontece na generalidade das empresas. Desenvolver formação nesta área é pois muito importante: alerta para esta temática e transmite conhecimento para gerir para a sustentabilidade.
Foi orientadora da tese de mestrado “O consumidor verde português: Perfil e comportamento de compra” que deu origem ao livro Green Target. Em que medida é que o despertar da consciência ambiental está a influenciar o comportamento de compra e as preferências de consumo?
Os dados de que dispomos indicam que tem existido um aumento da consciência ambiental do consumidor Português. Estes, por sua vez, demonstram um comportamento de compra com maiores preocupações de sustentabilidade. Contudo, o ritmo de aumento da consciência ecológica é superior à alteração do comportamento final do consumidor. O aumento da consciência ecológica é uma tendência que se irá manter nos próximos anos e que provavelmente irá ter cada vez maior repercussão nas decisões de compra dos consumidores.
É possível identificar, com clareza, as características desta “nova” classe de consumidores que valorizam e consomem produtos ecologicamente correctos?
Actualmente, há indícios que as características sócio demográficas do consumidor Português ecologicamente consciente não são explicativas do seu comportamento de compra. São as características psicográficas, como sejam a eficácia percebida e o altruísmo, aquelas que explicam este comportamento. Analisando em conjunto o poder explicativo das variáveis sócio demográficas e psicográficas, do comportamento de compra deste tipo de consumidor, confirma-se serem estas últimas as que produzem os melhores resultados. Há ainda indícios de que os consumidores com maior consciência ecológica são os que têm maior intenção de compra destes produtos. No entanto, é necessário desenvolver um estudo mais alargado e continuado para ter um retrato mais exacto e actual deste tipo de consumidores. Aliás, ir-se-ão certamente identificar diferentes segmentos de consumidores, atendendo ao grau de adopção/envolvimento na compra de “produtos/serviços verdes”. E, a cada um destes segmentos, irá corresponder um perfil de cliente diferente.
Em Portugal existe sensibilidade para questões como, por exemplo, o comércio justo?
Tenho acompanhado investigação em que se trata esta questão. De uma forma geral, o que se verifica é um grande desconhecimento por parte da população do próprio conceito “comércio justo”. Há muito trabalho a fazer por parte das empresas e das organizações não governamentais na divulgação e sensibilização para este tipo de práticas.
Que desafios e oportunidades podem os profissionais de marketing esperar face a esta nova tendência?
É mais uma área onde possíveis vantagens competitivas poderão ser construídas pelas empresas. Empresas orientadas para a sustentabilidade apresentam uma oportunidade para a segmentação do mercado e entrega de valor aos clientes (e outros stakeholders) de forma diferenciada.
Os profissionais de marketing poderão e deverão dar um contributo importante no desenvolvimento da estratégia de marketing, do plano de marketing e respectiva implementação.
A seu ver, a presente situação económica poderá constituir uma crise ou uma oportunidade para o “consumidor verde português’?
As duas faces da moeda coexistem. Por um lado, certos “produtos verdes” podem ter um preço de compra mais elevado comparativamente com outros bens substitutos, o que poderá ser um factor dissuasor de compra. No entanto, é de referir que, no médio e longo prazo, o custo total para o consumidor poderá ser menor. Mas, por outro lado, esta maior dificuldade económica está a levar o consumidor a ser mais poupado nos seus consumos, por exemplo, energéticos, seja na electricidade ou no combustível; no consumo de água; na utilização/reutilização de sacos de plástico. Aumentou o número de hortas pessoais e comunitárias e consequentemente o desenvolvimento da produção agrícola e/ou biológica, para consumo próprio e não só. Aposto claramente, na presente situação, como uma oportunidade para o consumidor português – cada vez, com maior consciência ecológica – ter comportamentos de compra mais responsáveis. |