A discussão do processo de reforço da capacidade financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) para intervir em problemas sistémicos, como é o caso da crise das dívidas soberanas na zona Europa, esteve em cima da mesa à roda da qual se reuniram os poderosos das maiores economias do mundo. Mas e depois de muita conversa, as decisões foram adiadas para…Fevereiro
POR JORGE NASCIMENTO RODRIGUES*

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Acto I: FMI quer blindar zona euro
Os ministros das Finanças do G20 estiveram a discutir em Cannes um processo de reforço da capacidade financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) para intervir em problemas sistémicos, como é o caso da crise das dívidas soberanas na zona euro. Itália e Espanha – duas grandes economias mundiais sob observação dos mercados financeiros – estão na mira.

Um trust fund (uma veículo separado, mas administrado pelo FMI) ou outras opções ligadas aos direitos de saque especiais (a unidade de conta do FMI) estão em estudo, segundo adiantou Van Rompuy, o presidente do Conselho Europeu, na conferência de imprensa realizada ao final da manhã do dia 04 de Novembro, ainda antes da conclusão da cimeira dos 20.

FMI “sistémico”, mas decisões só… em Fevereiro
O comunicado do próprio FMI, na sequência desta cimeira, sublinha que o fundo irá reforçar o seu “kit de ferramentas” de ajuda aos seus membros que sofram “choques sistémicos”, mas que tenham “políticas e fundamentais fortes”. Um dos instrumentos será uma nova linha de liquidez de curto prazo (conhecida pela designação de Precautionary Liquidiy Line – PLL), que, em vez de exigir um mínimo de um ano, fique disponível por um período de seis meses.

Por seu lado, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, saudou este papel “sistémico” do FMI na cena mundial, um aspecto que foi reforçado pela directora-geral do Fundo, Christine Lagarde.

Contudo, do ponto de vista prático – o que conta para os investidores internacionais -, o presidente francês Nicolas Sarkozy, o anfitrião da cimeira do G20 em Cannes, logo veio anunciar que o reforço do FMI terá de ser decidido na próxima cimeira do grupo em Fevereiro…

Acto II – conclusões e sinais da cimeira: uma mão cheia de parágrafos
O presidente norte-americano considerou a cimeira do G20 como “produtiva”, os BRICS reuniram-se à mesma mesa uma vez mais, Christine Lagarde, directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) viu o papel geopolítico da sua organização crescer e Durão Barroso e Van Rompuy multiplicaram-se a dizer que a União Europeia “desempenha um papel essencial na agenda internacional”.

A cimeira colocou cá fora um “Plano de Acção de Cannes para o Crescimento e o Emprego” com medidas “para assegurar a retoma”, mas, na realidade, esteve refém da crise política grega (que teve uma noite longa com a votação da moção de confiança ao governo) e do stresse em relação à Itália.

Sinal 1: Ronda de Doha praticamente liquidada
Aos países com contas públicas “relativamente fortes” – China, Brasil, Canadá, Austrália, Alemanha e Coreia do Sul – apelou a que ponham os “estabilizadores automáticos” a funcionar para impedir que a economia mundial se afunde e saudou a China pela sua “determinação em ampliar a flexibilidade da taxa de câmbio”, mas os assuntos do comércio mundial continuam num impasse e os apelos a evitar uma vaga de proteccionismo continuam.

A Europa repetiu o seu apelo para que a Rússia seja aceite na Organização Mundial do Comércio, mas aos media passou ao lado o facto da Ronda de Doha estar praticamente liquidada, como nos sublinhou Constantin Gurdgiev, um economista russo professor no Trinity College en Dublin.

Sinal 2: Chineses saem antes de cimeira terminar
A cimeira aprovou um reforço do FMI para cumprir com as suas “responsabilidades sistémicas”, mas, na realidade, quanto aos mecanismos concretos – com diversas opções discutidas – adiou a decisão para a cimeira seguinte, em Fevereiro, segundo informou o presidente francês, anfitrião da cimeira.

De concreto, Berlusconi, o primeiro-ministro italiano, levou para Roma, a contragosto, a supervisão trimestral das contas de Itália já a partir desta semana (ainda que sob a capa de verificar a “credibilidade” das medidas referidas pelo governo italiano na carta de 15 páginas enviada aos seus parceiros europeus), e o G20 conseguiu acalmar George Papandreou, o primeiro-ministro grego, na sua intenção de referendar o segundo pacote de resgate (com os capítulos a seguirem-se…)

Sintomático dos tempos que correm, a delegação chinesa, chefiada pelo presidente Hu Jintao, saiu antes mesmo de a cimeira terminar, sublinha Fabrizio Goria em Linkiesta. “Logo que terminaram as reuniões bilaterais que os chineses tinham previsto, correram para o aeroporto”, reporta Goria.

Sinal 3: Palavras claras de Dilma Rousseff – e em português
“Eu não tenho a menor intenção de fazer nenhuma contribuição directa para o Fundo de Estabilização Financeira Europeu. Por que eu teria se nem eles (os europeus) têm?”, disse Dilma Rousseff, a presidente do Brasil, numa entrevista no final da cimeira.

Palavras claras: “O dinheiro brasileiro de reserva é dinheiro que você protege, que foi tirado com o suor do nosso povo. Não pode ser usado de qualquer jeito”, rematou.

As potências emergentes têm insistido que a sua intervenção deverá ser feita via FMI.
A reacção dos mercados financeiros a uma mão cheia de parágrafos e aos sinais dados pelas potências emergentes não poderia ser outra – desilusão e desconfiança. A Markit comenta que, face a este panorama, mais “volatilidade” pode ser esperada nas próximas semanas.

Sinal 4: Mas Wall Street escapa a uma derrocada
No último dia da cimeira, as bolsas europeias e Wall Street entraram no vermelho, invertendo a tendência que se verificara na Ásia, que fechara no positivo.

A Europa fechou com perdas – o índice EuroStoxx 50 caiu 2,41% e o Bloomberg European 500 quase 1%. Três das principais bolsas europeias fecharam com quebras superiores a 2% – assim o revelam os índices DAX alemão, Cac 40 francês e MIB italiano. Wall Street acabou por fechar no negativo, mas abaixo de 1% de quebra – o índice Dow Jones desceu 0,51% e o S&P 500 caiu um pouco mais, 0,63%.

Como a Ásia fechara no positivo e Wall Street teve quebras abaixo de 1%, o índice mundial de bolsas caiu muito ligeiramente, apenas 0,059%. O sector financeiro caiu um pouco mais, 0,169%. Uma diferença colossal, no entanto, em relação às derrocadas do início da semana em causa.

Sinal 5: Juros italianos em máximo histórico
Os juros da dívida italiana e espanhola a 10 anos voltaram a subir – com as yields (juros implícitos) dos títulos do Tesouro italiano (BTP) a fechar em 6,37% (máximo histórico em valor de fecho) e as relativas às obrigações espanholas a fechar em 5,58%.

As yields dos BTP estiveram a negociar hoje de novo em 6,4%, um máximo histórico alcançado durante o dia que precedeu a reunião do Banco Central Europeu. Assistiu-se a um disparo nas yields dos BTP a 2, 3 e 5 anos, com os níveis a atingir valores recorde acima de 6% nas duas últimas maturidades.

As yields dos BTP a 5 anos fecharam em 6,23% num patamar já próximo do nível atingido pelos juros a 10 anos, o que dá uma clara ideia da deterioração da situação de crédito italiana esta tarde.

Contrastando com a subida dos juros nos “periféricos” e inclusive nos títulos belgas e austríacos, as yields dos Bunds – os títulos alemães – baixaram, e muito significativamente nas maturidades a 5 e 10 anos.

Sinal 6: “Clube da bancarrota” (de novo) com os 5 “periféricos”
No mercado dos credit default swaps (cds, seguros contra o risco de incumprimento), o custo de segurar a dívida italiana voltou a aproximar-se dos 500 pontos base (uma linha de alarme, já ultrapassada na semana passada algumas vezes) e as probabilidades de default de Portugal, Irlanda, Itália, Espanha, Bélgica, Áustria e França, ainda que em patamares distintos, voltaram às subidas.

Segundo dados da CMA DataVision, o risco português aumentou para 58,57%, o Irlandês para 46%, o italiano para 34,85% e o espanhol para 28,73%. Com a Grécia (que lidera) formam o pelotão da zona euro que é membro do “clube da bancarrota” (TOP 10 dos países com maior risco de incumprimento das suas dívidas soberanas).

A Espanha que havia saído, por umas horas, do “clube da bancarrota” regressou ao 10º lugar, desalojando a Croácia.

*Jorge Nascimento Rodrigues é editor de www.gurusonline.tv, www.janelanaweb.com e geoscopio.tv. É igualmente Editor Executivo da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão e colaborador do semanário Expresso.

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