Embora o trabalho à distância ofereça inúmeras vantagens, a crescente hesitação das empresas em adoptá-lo definitivamente tem origem em preocupações relacionadas com a produtividade, a colaboração, o envolvimento dos funcionários, a segurança dos dados e a manutenção da cultura da empresa. Apesar das estatísticas convincentes que demonstram o sucesso do trabalho remoto, estes desafios continuam a influenciar as decisões das empresas e o teletrabalho está em declínio. A verdade é que as empresas estão cada vez mais relutantes em aceitá-lo
POR HELENA OLIVEIRA
No universo em rápida evolução do local de trabalho moderno, há um tema controverso que parece suscitar debates apaixonados tanto nas salas de reuniões como junto das máquinas de café existentes no escritório: o trabalho a partir de casa.
Reunir toda a gente debaixo do mesmo tecto é relativamente fácil. As empresas fazem-no há décadas. Com uma força de trabalho muito dispersa, é mais difícil. Adicionar um modelo à distância, ou mesmo híbrido, acrescenta outro nível de complicações logísticas.
Os gestores terão de manter o controlo de todos. Terão de despender muito tempo, esforço, programação e empatia para que tudo corra bem. Se não for bem executado, há um grande risco de os trabalhadores remotos se sentirem excluídos e se tornarem cidadãos de segunda classe, uma vez que estão “longe da vista e do coração”. Por seu turno, nas empresas, as preocupações com a produtividade – muitas vezes por falta de confiança nos trabalhadores -, e com a possível erosão da cultura organizacional, estão a fazer com que estas obriguem a um regresso ao escritório e mesmo o modelo híbrido, que muitos reconhecem como o melhor de dois mundos, está a ser alvo de inquietações várias.
Um estudo recente realizado pela Society for Human Resource Management revelou que os supervisores não estão satisfeitos com o teletrabalho e os resultados do inquérito revelaram que os supervisores também não têm os trabalhadores remotos em grande consideração. Os líderes empresariais relataram “percepções negativas” inerentes à tendência do trabalho a partir de casa.
Na verdade, os gestores foram brutalmente honestos. Cerca de 70% responderam que os trabalhadores remotos são “mais facilmente substituíveis do que os trabalhadores no local”. Cerca de 67% dos inquiridos afirmaram que passam mais tempo a supervisionar os trabalhadores à distância do que os trabalhadores no local. Cerca de 43% dos supervisores dizem que por vezes esquecem-se dos trabalhadores remotos quando atribuem tarefas e 72% dizem que preferiam que todos os seus subordinados estivessem a trabalhar no escritório.
Mais uma vez, mesmo que seja do interesse dos funcionários continuar a trabalhar remotamente, há motivos em jogo que estão a fazer recuar esta tendência. Há muitas empresas que têm medo da mudança e do trabalho árduo que lhe está associado. Preferem voltar ao passado. São as pessoas que dizem “sempre fizemos isto desta forma” e não há necessidade de fazer alterações.
Ou seja, a verdade é que embora o trabalho à distância ofereça inúmeras vantagens, a hesitação das empresas em adoptá-lo total ou até parcialmente é cada vez maior e tem origem em preocupações relacionadas com a produtividade, a colaboração, o envolvimento dos funcionários, a segurança dos dados e a manutenção da cultura da empresa. Apesar das estatísticas convincentes que demonstram os benefícios do trabalho remoto, estes desafios continuam a influenciar as decisões das empresas e são cada vez mais as que duvidam deste aparente sucesso.
À medida que os profissionais de todo o mundo experimentaram a mudança sem precedentes para o trabalho remoto, tem vindo a tornar-se evidente que este modelo de trabalho transformador não está isento de críticas. Mesmo quando é tão vantajoso para os trabalhadores e permite atrair os melhores talentos, os empregadores desprezam-no. Mas porque é que são cada vez mais os empregadores que resistem ao trabalho a partir de casa, mesmo quando este pode ajudar as suas empresas?
Para ajudar a compreender este volte-face – durante e após a pandemia a continuação do teletrabalho parecia ser uma certeza bem-vinda – é necessário calçarmos os sapatos dos líderes empresariais e reflectir sobre os motivos que os levam, de forma crescente, a desejar um regresso ao passado, mesmo sendo certo que o trabalho e a percepção dos trabalhadores face ao mesmo se alterou profundamente e para sempre.
Seguem-se algumas razões que explicam esta crescente aversão por parte dos empregadores no que respeita ao trabalho remoto.
A falta de controlo e monitorização é um dos principais motivos que levam os empregadores a desconfiarem cada vez mais da performance de um trabalhador a partir de casa, com estes a estarem preocupados com o facto de não terem o mesmo nível de supervisão e controlo sobre o trabalho dos seus empregados quando os mesmos não estão fisicamente presentes no escritório. Entre as maiores preocupações, contam-se os níveis de produtividade, a gestão do tempo e a dificuldade em acompanhar o progresso dos projectos em curso.
A relutância em relação ao trabalho remoto e flexível sempre teve origem em atitudes e crenças, mais do que em aspectos práticos ou tecnologias. Muitos empregadores estão habituados a preferir o status quo, acreditando em simultâneo que as suas próprias experiências e percepções são a verdade objetiva. Para muitos gestores, esta verdade objetiva é que o escritório é o melhor ambiente para se trabalhar e que o trabalho flexível é um risco.
O desejo de monitorizar os trabalhadores tem origem nesta mesma relutância. Demasiadas vezes, os líderes querem monitorizar os seus empregados remotos porque não confiam que eles não se aproveitem desta “benesse” e porque acreditam que estes não são tão produtivos como deveriam.
Um outro desafio comum identificado pelos empregadores reside no problema da comunicação. Uma comunicação eficaz é crucial para o sucesso de qualquer empresa. E muitos empregadores pensam agora que o trabalho a partir de casa dificulta a colaboração em tempo real e a partilha espontânea de ideias, levando a atrasos na tomada de decisões e a potenciais falhas de comunicação entre os membros da equipa. A verdade é que quando os membros da equipa estão fisicamente separados, é fácil que surjam desalinhamentos e mal-entendidos. A falta de comunicação consistente entre os membros da equipa pode resultar em diferentes interpretações das instruções, causando confusão e erros. Para além de provocar o não cumprimento de prazos, a falta de comunicação pode também levar à duplicação de trabalho e a uma diminuição da produtividade global. Por outro lado, um dos grandes inconvenientes do trabalho à distância é a falta de interação pessoal. Em ambientes de escritório convencionais, os membros da equipa têm a facilidade de colaborar sem esforço, gerando ideias inovadoras e promovendo relações significativas. No entanto, quando se trabalha à distância, a ausência de proximidade física pode impedir a colaboração e o desenvolvimento de fortes ligações entre a equipa.
E é por isso que a coesão da equipa e a cultura organizacional constituem outras das preocupações dos empregadores face a este modelo de trabalho. Como sabemos, a proximidade física num ambiente de escritório tradicional pode promover um forte sentido de união da equipa e da cultura da empresa. Os empregadores podem recear que o trabalho a partir de casa possa levar a um sentimento de isolamento entre os funcionários, dificultando a manutenção de uma equipa unida e motivada. Como sabemos, a cultura da empresa está relacionada com os valores, objectivos, crenças e formas de comportamento partilhados que caracterizam uma organização. É importante porque ajuda a moldar a forma como os empregados se comportam, como interagem uns com os outros e como abordam o seu trabalho. Pode influenciar as atitudes e a motivação dos empregados, o que pode ter um impacto significativo no grau de satisfação dos empregados com o seu trabalho e, em última análise, na sua produtividade. E o trabalho remoto realmente pode gerar uma dinâmica diferente.
As preocupações com a tecnologia e a segurança constam também da lista de preocupações por parte dos empregadores face aos seus trabalhadores remotos, na medida em que existe o medo da ocorrência de potenciais problemas técnicos e vulnerabilidades de segurança. O receio de violações de dados ou de acesso não autorizado a informações sensíveis pode desencorajá-los a aceitar o trabalho a partir de casa. Todavia, existem boas ferramentas disponíveis para trabalhar remotamente, que facilitam o trabalho, permitem a colaboração e a entrega de trabalho de qualidade.
Por outro lado, os empregadores podem considerar mais difícil avaliar o desempenho dos trabalhadores remotos do que o daqueles que trabalham num ambiente de escritório. Podem preocupar-se com a forma de medir a produtividade de forma justa e exacta, especialmente se as funções envolverem resultados menos tangíveis.
É essencial reconhecer que nem todos os empregadores partilham destas preocupações e que muitos adoptaram com sucesso acordos de trabalho virtual com resultados positivos tanto para os empregados como para a empresa. A chave é abordar estas preocupações através da implementação de ferramentas de comunicação adequadas, definindo expectativas claras e estabelecendo confiança entre empregadores e empregados.
A clareza dos objectivos é essencial para uma gestão remota do desempenho bem-sucedida. Quando os colaboradores compreendem os objectivos da empresa, podem imaginar o papel que desempenham para ajudar a organização a executar a sua estratégia. Este facto gera um maior sentido de propósito e liga os colaboradores à empresa e aos seus colegas. Os gestores devem aprovar os objectivos, mas devem desenvolvê-los em colaboração com os seus subordinados, sem nunca esquecer os trabalhadores remotos. Em conjunto, podem definir metas individuais que se alinham com os objectivos de nível superior da empresa.
Os dois principais problemas: cultura da empresa e confiança
Como sabemos, na era moderna do trabalho, o aumento do trabalho a partir de casa apresentou uma oportunidade sem precedentes para os empregados se libertarem dos limites dos escritórios tradicionais e abraçarem um estilo de vida mais flexível e equilibrado.
No entanto, apesar das inúmeras vantagens que o trabalho remoto oferece e como já enunciado anteriormente, muitos empregadores continuam hesitantes e outros tantos inflexíveis em adoptá-lo ou voltar a adoptá-lo face à resistência dos trabalhadores em voltar ao “antigo normal”, e a verdadeira razão por detrás da sua relutância não é tão simples como pode parecer. O cerne da questão reside em dois pilares fundamentais que formam a base de qualquer organização de sucesso: a cultura da empresa e a confiança.
Desde os níveis superiores de gestão, a cultura e a confiança da empresa devem ser adequadas para que o trabalho a partir de casa prospere. Por conseguinte, não são apenas as razões comerciais que devem ser tidas em conta para determinar se as oportunidades de trabalho à distância são apropriadas para a organização. Qualquer empresa com pessoas é afectada pela sua cultura.
No modelo de trabalho remoto, as interacções cara a cara são substituídas por reuniões virtuais, emails e mensagens de chat. Embora a tecnologia tenha permitido uma comunicação sem falhas, não pode reproduzir inteiramente as trocas espontâneas e as sessões de brainstorming improvisadas que ocorrem num escritório físico. A falta destes encontros casuais pode levar a uma erosão gradual da camaradagem e a um sentimento de desconexão entre os membros da equipa.
Além disso, o elemento confiança desempenha um papel fundamental na relação empregador-empregado. Quando os empregados trabalham remotamente, pode haver preocupações sobre se estão realmente a dedicar-se às suas tarefas ou se estão a sucumbir a distracções. As entidades patronais podem preocupar-se com a falta de visibilidade das actividades diárias dos trabalhadores virtuais, o que pode suscitar dúvidas quanto à produtividade e à responsabilidade.
Num escritório tradicional, a confiança é frequentemente construída através da observação directa da ética de trabalho e do desempenho de um empregado. A administração tem uma visão e um controlo directos do desempenho do trabalhador. No entanto, num ambiente de trabalho a partir de casa, esta confiança deve ser cultivada através de outros meios. Quando os empregadores não conseguem confiar plenamente nas suas equipas remotas, isso pode levar a uma microgestão, a controlos desnecessários e a uma atmosfera tóxica de desconfiança que sufoca a criatividade e a inovação.
Mas será que isso significa que o teletrabalho está condenado ao fracasso na promoção de uma cultura saudável e de uma forte confiança entre empregadores e empregados? Não necessariamente. As empresas que adoptam com sucesso este modelo investem frequentemente na construção de uma cultura favorável ao trabalho remoto de forma intencional. Dão prioridade a uma comunicação clara, a actividades regulares de formação de equipas virtuais e a oportunidades de diálogo aberto. A confiança é cultivada através da definição de expectativas claras, da oferta de flexibilidade e da atribuição de poderes aos empregados para se apropriarem do seu trabalho.
Em conclusão, a verdadeira razão pela qual alguns empregadores têm reservas em relação ao trabalho a partir de casa resume-se à preocupação de manter uma cultura empresarial dinâmica e de promover um elevado nível de confiança. No entanto, com esforços conscientes, estratégias adaptáveis e uma vontade de aceitar a mudança, o trabalho a partir de casa pode prosperar e tanto os empregadores como os empregados podem colher os benefícios desta revolução do trabalho moderno. Não é necessário que os empregadores resistam ao trabalho remoto se este puder funcionar para a sua empresa. Mas a verdade é que o estão a fazer.
Imagem: © Chris Montgomery/Unsplash.com
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