Agir de acordo com as normas éticas mínimas é já um enorme passo em frente. Se toda a gente cumprisse com estas normas éticas mínimas e se abstivesse de mentir, enganar e de cometer fraudes, o mundo seria certamente um local melhor. Mas é isto? É a ética apenas isto?
POR JOAN FONTRODONA
Na leitura de textos, mesmo os que são escritos por pessoas bem-intencionadas, fico sempre com a sensação de que a ética é geralmente confinada a um espaço muito limitado. É como se a ética fosse apenas sobre evitar fazer mal e nada mais. Assim que nos asseguramos que não vamos fazer nada de “mau”, podemos continuar a nossa vida e cuidar dos nossos assuntos. Vista desta forma, a ética teria assim, e como única função, a de estabelecer limites que não deveriam ser ultrapassados. E isso colocaria um ponto final no assunto. A ética seria então um guarda fronteiriço: um velho homem com dor de cotovelo a repreender alguém por mau comportamento ou por ter invadido certos limites. Esta abordagem da ética, contudo, não inspira ninguém.
Na academia, o artigo clássico de Milton Friedman “A Responsabilidade Social das Empresas é a de aumentar os seus lucros”, publicado no The New York Times em Setembro de 1970 (talvez o mais lido dos artigos de um jornal de Domingo) expressa esta visão. Friedman conclui o seu artigo citando o seu livro Capitalism and Freedom:
“Existe uma – e uma só – responsabilidade social da empresa: usar os seus recursos e desenvolver actividades visando aumentar os seus lucros, desde que permaneça dentro das regras do jogo, ou seja, em competição aberta e livre e sem engano ou fraude”.
Friedman foi bastante claro no artigo ao afirmar que a empresa deveria agir dentro dos limites da lei e dos costumes próprios dos tempos e da sociedade nos quais existe. Não tem a ver com enriquecer a qualquer custo; existem limites que não podem ser ultrapassados: não enganar, não defraudar, etc..
Agir de acordo com estas normas é já um enorme passo em frente. Se toda a gente cumprisse com estas normas éticas mínimas e se abstivesse de mentir, enganar e de cometer uma fraude, o mundo seria certamente um local melhor. Mas é isto? É a ética apenas isto?
De acordo com Friedman e os seguidores da sua filosofia, a ética não tem qualquer outro papel para além destas normas éticas mínimas. É como se as empresas respondessem: “Ok, já ouvimos e portámo-nos bem. Agora deixem-nos em paz. Temos coisas muito mais importantes com que nos preocupar”. Para estas, a ética é apenas uma nota de pé de página ou uma exoneração que lhes permite protegerem-se contra acusações ou acções de responsabilidade.
Todavia, a ética é muito mais do que isso. No centro da ética figura o princípio de fazer o bem. E evitar agir erradamente é a consequência deste princípio básico. Assim, o que é realmente importante é fazer o bem e não evitar fazer o mal.
A ética não será, assim, um polícia que controla a nossa actividade, mas antes um treinador pessoal que nos encoraja a empenharmo-nos no sentido de fazermos melhor uma e outra vez. A ética não está interessada em discutir sobre o que é certo e o que é errado (apesar de ser isto que a maior parte das pessoas julga), mas sim entre o que é bom e o que pode ser feito melhor.
Ao considerarmos a ética desta forma, a sua beleza e significado tornam-se muito mais aparentes, já para não mencionar a sua relevância prática. Pois a ética não é uma nota de pé de página nem uma consideração a posteriori; e não é um disclaimer, estando ao invés no centro do discurso, ancorando o nosso raciocínio. Desta forma, a ética não restringe a acção, mas promove a criatividade, estimulando que perguntemos a nós mesmos.“O que mais podemos fazer que seja melhor ou que nos ajude a melhorar?”.
Alain de Button publicou um artigo no Financial Times no qual propunha a ideia de os filósofos terem assento nos conselhos de administração das empresas, utilizando argumentos similares ao acima mencionado. A questão filosófica sobre o que faz uma vida ser boa não é assim tão diferente de se perguntar o que é que satisfaz as necessidades das pessoas. A ética, percebida a partir deste ponto de vista, ajuda a focar nos problemas utilizando uma nova perspectiva:
“Com uma perspectiva filosófica adequada sobre as necessidades dos clientes, as empresas podem começar a ver novas oportunidades de mercado, em vez de serem deixadas em segundo plano com margens, remunerações e logística”.
Agora que começou um novo ano, vamos elevar a fasquia. Não nos limitemos a cumprir os objectivos mínimos. Não limitemos a nossa luta ao que é certo e errado, ao que é legal ou ilegal. Consideremos estes standards mínimos como adquiridos e dediquemos a nossa energia ao esforço de fazer as coisas bem e, acima de tudo, a fazer coisas melhores.
Joan Fontrodona é professor e director do Departamento de Ética nos Negócios da IESE Business School