Construir a Esperança na crise não é passar ao lado das dificuldades do tempo presente, mas tomá-las como oportunidades para construir um mundo melhor. Não é um optimismo vago – do “isto vai correr bem” – mas uma esperança que é performativa pois prova-se e comprova-se no caminho, aperfeiçoando-se e procurando retirar o melhor de cada situação
POR JOÃO PEDRO TAVARES

Quando no final do ano 2019 desejávamos “Feliz Ano Novo”, projectávamos planos, sonhos, desejos, ninguém poderia imaginar o que estaria para vir, com a pandemia Covid-19 e todos os impactos daí decorrentes (muitos ainda desconhecidos). No meio da celebração sobre a chegada de um novo ano, ninguém deu a relevância ao que já se passava “do outro lado do mundo”, nomeadamente, na China…

Este ano 2020 está longe de ser um ano perdido. Pelo contrário, pode ser dos anos mais importantes que estamos a viver pois trouxe realidades novas, transformadoras, muito sofrimento, mas também uma maior consciencialização sobre questões que nos tocam sobremaneira: afinal quem somos? Do que somos capazes? O que nos pode alterar o rumo? Afinal, “onde há crise, há esperança” (P. Vasco Pinto de Magalhães) e por isso temos sempre a oportunidade de “Construir a Esperança a partir da crise”.

Foi nesse sentido que a ACEGE lançou o ciclo de conferências com este nome e webinares onde envolveu líderes nas suas diferentes áreas, do trabalho, do governo, da academia ou da Igreja, em conferências mais gerais e outras mais direccionadas a realidades locais ou a gerações específicas. Sabemos que o mundo enfrenta uma crise em geral, originada por “uma força exterior”, um vírus, que afectará os países, as empresas e as famílias de formas distintas. A forma como se procurou conter o alastrar do vírus provocou um enormíssimo impacto na área da saúde, mas, sobretudo, a nível económico e social (pessoal ou familiar, psicológico ou espiritual), cuja dimensão ainda não se consegue escrutinar.

Numa primeira fase, de elevada incerteza (e surpresa), os esforços centraram-se em proteger ao máximo e começar a reagir perante a incerteza, em particular na activação de cuidados de saúde. O Estado procurou desempenhar um papel de maior solidariedade e de subsidiariedade, acudindo a empresas e famílias, mas também os empresários e gestores assumiram um papel determinante procurando, na medida do possível, reduzir a incerteza para os seus colaboradores e famílias, indo para lá das obrigações contratuais de base.

Deixou de se actuar com medidas gerais e passou a adequar as decisões à realidade familiar dos colaboradores, em particular quando estes tinham de atender a descendentes ou a ascendentes. Noutros casos, intervieram no sentido de proteger a cadeia de valor, antecipando pagamentos ou renovando contratos com fornecedores. Mais adiante desenharam novas formas de servir os clientes em segurança, reinventando-se em alguns casos. Passaram a buscar soluções integradas, recorrendo à tecnologia como suporte e trabalhando de forma conjunta com outras empresas. Rapidamente se entendeu que a situação anterior não regressaria mais e que, por isso, se teria de caminhar em direcção a um “novo normal”, em tudo diferente e, por isso mesmo, um “novo diferente”. Reconhece-se a importância de uma actuação ecológica, mas que tem o homem e as suas necessidades mais básicas no centro, contribuindo para uma ecologia do serviço, do amor e da verdade no combate à pobreza crescente.

Comprova-se que o modelo económico e social da economia do Bem Comum (assente no respeito e dignidade das pessoas, na solidariedade e na subsidiariedade, na defesa da casa-comum) é o mais virtuoso e o que, a prazo, conduz a resultados mais plenos e que perduram no tempo. Viver o Amor e a Verdade como critérios de Gestão complementa e completa a visão da Liderança enquanto serviço.

Esta é a ética do tempo presente – porque ganha uma nova relevância e um novo sentido – e que é, afinal, a que sempre perdurou e promovemos. Uma ética que nasce na responsabilidade pessoal e só depois na responsabilidade empresarial, que é una em todas as circunstâncias (e que não varia com elas) e que promove a criação e justa distribuição de valor defendendo a dignidade da pessoa. O lucro é um meio importante para a sustentabilidade, mas, sobretudo, um meio para um fim maior que é o propósito último das organizações. Uma ética alicerçada em valores, mas também comprovada com acções e numa actuação que seja consequente.

Construir a Esperança na crise não é passar ao lado das dificuldades do tempo presente, mas tomá-las como oportunidades para construir um mundo melhor. Não é um optimismo vago – do “isto vai correr bem” – mas uma esperança que é performativa pois prova-se e comprova-se no caminho, aperfeiçoando-se e procurando retirar o melhor de cada situação.

O pior que poderia acontecer era “voltar ao mesmo” e não se retirarem lições transformadoras para um mundo futuro que seja mais próspero, mais justo e mais distributivo. Se assim fosse, o vírus teria vindo em vão, o que seria uma pena. Aproveitemos para nos tornarmos mais íntegros e plenos. Centrando-nos no Bem Comum, no que fica, no que perdura no tempo para lá do espaço.

Presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores