Talvez o leitor se recorde de uma moda não muito longínqua que pegou em vários locais do país, na qual se colocava, nas montras de cafés, por exemplo, uma lista dos caloteiros dos mesmos. Com uma lógica similar, um website indiano está a exortar os cidadãos a contarem as suas histórias de suborno que, na Índia, fazem literalmente parte do quotidiano. A iniciativa está a ser um sucesso e são já vários os países que a estão a replicar. Uma boa ideia para Portugal? Um dos sinais da penetração da corrupção na Índia é espelhado pela seguinte estatística: 54% dos indianos pagaram um suborno ao longo do ano passado, de acordo com um estudo da Transparency International. “A corrupção diária está a minar completamente a capacidade das pessoas terem uma vida normal na Índia”, afirma Ramesh Ramanathan, co-fundador da organização sem fins lucrativos Jannagraha [que significa, literalmente, poder para as pessoas], a um jornal universitário interno da Universidade de Yale. De acordo com o activista, o pagamento de subornos de todas as espécies e feitios tornou-se uma prática tão corrente na Índia que é quase possível dizer que toda a gente, de uma forma ou outra, é ou um perpetrador, uma vítima ou um beneficiário. Assim, a Jannagraha decidiu lançar um website, com o simples nome de I paid a bribe (IPAB) incitando as pessoas, anonimamente, a descreverem as suas experiências de suborno e a partilharem informações sobre a mesma temática com cidadãos de todo o país. E ao imprimir esta possibilidade de transparência no mercado ilícito da corrupção em grande escala, o website já permitiu um mapeamento de quais as cidades, departamentos e outros organismos que mais corruptos são. O website, lançado em Setembro de 2010, recebeu até terça-feira [altura em que este artigo foi escrito), 625,524 hits e, até agora, mais de 10 mil “confissões” provenientes de 416 cidades e de 19 departamentos governamentais. E, de acordo com Ramanathan, “já começámos a registar algumas vitórias em alguns departamentos governamentais”. É o caso da Organização dos Transportes e Estradas, o organismo que emite as cartas de condução e os registos de veículos, que ocupava o segundo lugar no ranking de maior número de incidentes relacionados com pagamento de subornos em Bangalore. E tal foi a vergonha que o próprio responsável do mesmo escreveu à organização afirmando que se sentia extremamente perturbado por o organismo que dirige ter uma reputação tão ignóbil. Por seu turno, a Jannagraha reuniu-se com o departamento no sentido de melhorar as suas normas processuais e, em muitos organismos do Estado, é possível ver-se, colados nas paredes, uns enormes posters com os 10 Mandamentos Contra o Suborno e que incluem informações sobre como reportar um acto desta natureza. Há muito que a Índia que é conhecida por elevados níveis de corrupção. No relatório anual publicado pela Transparency International referente a 2010, a segunda nação mais populosa do mundo ocupava o 87º lugar numa lista de 178 países. E, mais uma vez, esta acção faz parte de uma tendência alargada de esforços de activistas de todo o mundo que lutam pela transparência e contra corrupção e que arranjam formas dinâmicas e interactivas, através da Internet, para colocarem holofotes em cima de uma variedade de problemas que os governos não podem resolver. Desta forma, o objectivo do IPAB é tentar capturar e redireccionar a frustração crescente de uma população que não consegue dar um passo sem ter de pagar a alguém para conseguir seguir em frenre. Como afirma Ramanathan, “aquilo que se apelida de corrupção em geral acontece em todos os países. Mas, na maioria das vezes, não está directamente ligada ao quotidiano das pessoas, mas sim a instâncias sobre as quais não existe controlo”. O problema é que, na Índia, “estas transacções diárias tornaram-se quase estruturais e a corrupção está a destruir a fibra moral da nossa sociedade e, caso consigamos inverter a tendência, esperemos que os [bons] comportamentos se contagiem”. T.R. Raghunandan, o outro fundador da Jannagraha foi, durante 26 anos, funcionário público indiano e conhece bem os meandros da “economia por debaixo da mesa”. Em declarações à BBC, explica que, essencialmente, o IPAB recolhe três tipos de informação: “Eu paguei um suborno”, “EU não paguei um suborno” e “Eu não tive de pagar um suborno”. E, para além de exortar os cidadãos a contar as suas próprias histórias, o website ajuda-os igualmente a resistirem às inúmeras tentativas de corrupção de que são vítimas diariamente. Inicialmente, esta “montra” de relatos de corrupção só era visível online. Mas e consequentemente, gerou um enorme interesse por parte dos vários meios de comunicação, televisão incluída. E, como conta Raghunandan, “cidadãos de várias partes do país e mesmo outros que vivem fora das nossas fronteiras, têm-nos escrito. Para além de serem vários os países que já nos pediram permissão para replicar a ideia”, sublinha. Na verdade e segundo dados do mesmo, o site já foi visitado por pessoas de 190 países. E será que esta ideia poder-se-á tornar um modelo para minorar a corrupção em todo o mundo? Talvez, mas seguramente não em todo o lado. Websites desta natureza são ilegais… na China Apesar das estatísticas oficiais governamentais sobre a corrupção serem praticamente inexistentes, em 2007, um relatório publicado pela Carnegie Endowment for International Peace alertava para o facto de a corrupção estar a ameaçar seriamente o futuro da China e de estimular as suas desigualdades socioeconómicas. Assim, e poucos dias depois da notícia publicada sobre o I Paid a Bribe pelo jornal chinês, várias iniciativas similares começaram a explodir na Internet. Os cibernautas aderiram de imediato e centenas de “dicas” do estilo “… funcionários locais estão a comprar casa de luxo a uma pequena fracção do preço de mercado” começaram a “poluir”, para as autoridades chinesas, a Web. Ou seja, bastou uma semana para que outro jornal estatal, o Jinghua Times, ter reportado que o governo chinês tinha declarado os “websites de cidadãos anti-corrupção” como ilegais. A medida, previsível, foi de imediato comentada pelo crítico de media chinês, Wei Yingjie, num editorial publicado em vários outros jornais chineses com presença online. Como transcreveu a CNN, “as pessoas partilham estes websites entre si para verem quanto tempo é que duram antes de serem fechados ou bloqueados”, escreveu o crítico. “E as suas atitudes pessimistas têm toda a razão de ser pois, na verdade e até agora, não tem havido escassez de canais que visam combater a corrupção. Mas, quando existe esta exposição, os posts são apagados; as pessoas que denunciam os casos perpetrados por funcionários com altos cargos são mandadas embora e os que dão as ‘dicas’ sobre a corrupção são imediatamente enviados para outras províncias”, acrescentava ainda. Ou acrescentou pois, dias depois, também o seu editorial já tinha sido eliminado. A boa e inesperada notícia foi o facto de uma coligação, no mínimo surpreendente, ter-se insurgido contra a posição governamental: os activistas chineses que lutam pela liberdade na Internet e o jornal Global News, apoiado pelo Partido Comunista, publicaram, neste último, um editorial que se opunha à “liquidação” destes sites. “Em vez de se encerrarem estes websites devido a questões legais, o governo devia agarrar esta oportunidade para trabalhar com aqueles que genuinamente querem ajudar, para que seja possível complementar o trabalho dos organismos oficiais que lutam contra a corrupção”, podia ler-se no editorial. Um dos programadores que faz parte desta aliança e é igualmente membro do Partido Comunista Chinês, e que mantém o anonimato designando-se Peater Q, afirma que o seu site – wohuilule.com (e que significa também “Eu paguei um suborno” em chinês) tem a bênção das autoridades chinesas. Mas a verdade é que não revela o seu nome com medo de represálias. E quando o VER tentou aceder ao dito website, não funcionou. Chinesices? |
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Editora Executiva