Os consumidores de produtos de comércio justo convertem o que ‘sentem’ sobre as deficiências dos mecanismos do mercado naquilo que ‘compram’. Seguindo essa ideia, descobriu-se que o que mais caracteriza as pessoas que compram no comércio justo é que valorizam pouco o poder e dão muita importância a valores como a preservação do meio ambiente, a igualdade, a justiça e a protecção para todas as pessoas e a aceitação e compreensão daqueles que são diferentes de si
POR ANA MACHADO

No dia 11 – segundo sábado de Maio – é o dia mundial do comércio justo. Este ano, o tema é ‘o comércio justo inova’. Como diz o guia proposto para as celebrações pela World Fair Trade Organization, “praticamos inovação em tudo que fazemos – desde relações de produção e comércio até marketing e design de produtos”.

Em Portugal, há um aspecto importante em que o comércio justo precisa de inovar: a comunicação. Cecília Fonseca, da Loja do Comércio Justo, explica que, para além de ser um universo pequeno e heterogéneo, nos últimos anos o comércio justo tem tido um forte decrescimento, o que torna o desafio simultaneamente mais urgente e difícil.

As conclusões de um estudo de 2009, levado a cabo por Caroline Doran (“The role of personal values in fair trade consumption”, Journal of Business Ethics, 2009) podem orientar e rentabilizar consideravelmente o investimento nessa área.

Há dez anos, apesar do forte crescimento do comércio justo nos Estados Unidos, havia poucos estudos empíricos sobre ‘quem’ eram os clientes e quais eram as suas características mais comuns. Havia uma sensação difusa de que seriam maioritariamente jovens, mulheres, solteiras, com estudos universitários, caucasianas. Mas Doran constatou que “ao contrário das hipóteses testadas, os não consumidores de comércio justo não eram mais velhos que os consumidores, e não havia diferenças entre consumidores e não-consumidores em termos de género ou estado civil. Os consumidores de comércio justo não tinham um nível de educação superior ao dos não-consumidores, e os consumidores de comércio justo não eram mais propensos a ser caucasianos. Além disso, quando os dados demográficos foram inseridos num modelo de regressão para determinar o seu poder preditivo, este não foi considerado significativo”. Embora tenha a validez geográfica da amostra (os Estados Unidos), uma das principais conclusões deste estudo é que o marketing baseado nas características demográficas do consumidor é inútil.

Pensando que o que faz quem compra produtos de comércio justo é “converter o que sente sobre deficiências de mercado naquilo que compra”, Caroline Doran testou seis hipóteses sobre o impacto de valores humanos na compra de produtos de comércio justo, além das cinco hipóteses relativas ao impacto das variáveis demográficas.

Trabalhando as respostas a um questionário adaptado do ‘Schwartz Value Survey’, houve dois tipos de valores humanos universais que destacaram. Os valores de poder eram os mais negativamente correlacionados com o consumo de comércio justo, com capacidade para explicar 12% da variabilidade nos padrões de consumo do comércio justo. No extremo oposto, encontrava-se uma forte correlação positiva entre a compra de produtos de comércio justo e os valores de universalismo, explicando 20% da variabilidade deste comportamento.

Ou seja, as pessoas com mais apetência para comprar produtos de comércio justo tipicamente valorizam pouco o poder e dão muita importância a valores como a preservação do meio ambiente, o compromisso com a igualdade, a justiça e a protecção para todas as pessoas e a aceitação e compreensão daqueles que são diferentes de si. E é bem diferente construir a mensagem sabendo que é com ‘esses’ que se quer principalmente comunicar.

Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP

1 COMENTÁRIO

  1. Óptimo artigo.
    Subscrevo inteiramente. Em primeiro lugar estão as pessoas, e há que salvaguardar valores como a justiça e a dignidade, nas suas vidas laborais e pessoais.

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