Não existem dúvidas de que nos encontramos em pleno processo de transformação da sociedade, da economia e da política. São mudanças estruturais profundas que, como tal, demoram o seu tempo, têm o seu ritmo e, por isso mesmo, 2023 será mais um ano de transição. É verdade que há muitos acontecimentos que, ao longo do ano, vão acontecendo sem a nossa influência. Mas é igualmente verdade que, cada ano, depende muito do que soubermos fazer, do que quisermos fazer e do que chegarmos a fazer, individual e colectivamente
POR MARIA DE FÁTIMA CARIOCA

Começo 2023 grata pelas pessoas que me rodeiam, desde logo a família e a AESE, e por tudo o que, em conjunto, vivemos e construímos. Pode dizer-se que o ano de 2022 foi desafiante, mas 2023 promete não lhe ficar atrás. Na realidade, não existem dúvidas de que nos encontramos em pleno processo de transformação da sociedade, da economia e da política. São mudanças estruturais profundas que, como tal, demoram o seu tempo, têm o seu ritmo e, por isso mesmo, 2023 será mais um ano de transição. São mudanças impulsionadas por tendências que correspondem a novas prioridades cuja conjugação desconhecemos e, nesse sentido, 2023 apresenta-se como um ano em branco, pronto a ser descoberto e desenhado.

De entre estas tendências a acompanhar em 2023, destaco, em primeiro lugar, o processo de absorção do aprendido com a pandemia. Desenvolvemos coletiva e politicamente, uma agilidade de convivência adaptativa perante o desconhecido, seja ele uma pandemia ou uma nova realidade geopolítica, como a determinada pela invasão da Ucrânia. Exemplo disso mesmo é o ajustamento entre a globalização, anteriormente inquestionável, e a promoção da adequada localização. De facto, depois dos conhecidos problemas nas cadeias de abastecimento, a segurança na produção e o fornecimento das populações voltaram a ser prioritários e equacionados. Assistimos, assim, a fenómenos de relocalização de indústrias e de ativação do comércio internacional de proximidade. Este fenómeno é ainda agravado pela guerra comercial entre blocos, nomeadamente EUA vs China. Em 2023, manter-se-á o desafio de encontrar o desenho mais equilibrado nas relações nacionais ou internacionais, num contexto instável e incerto.

Em segundo lugar, saliento a transição para uma economia mais sustentável. Mesmo que a guerra termine amanhã, nada voltará a ser como antes: não mais se admitem níveis de dependência tão elevados de uma fonte fóssil (gás) e de uma única geografia (Rússia). E se a segurança e independência energética são uma prioridade concreta, a tendência para fontes de energia mais limpas e sustentáveis, que garantam a descarbonização da economia e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, traduz um novo paradigma energético. Em 2023, seguiremos nessa direção, aumentando a utilização eficiente de energias renováveis e buscando novas fontes de energia (ex. fusão nuclear). É um caminho ainda longo, mas não pode deixar de ser percorrido.

A par do tema energético, a sustentabilidade da economia é também uma questão de produtividade e eficiência, exigindo uma abordagem que integre a inovação, a explosão da inteligência artificial e a evolução tecnológica e científica. A transição para uma economia de base digital, com produtos e serviços de maior valor acrescentado é incontornável, mas implicará o redesenho de muitos modelos de negócio, dos processos, do talento, da liderança e das próprias organizações. Se tal acontecer, 2023 pode muito bem ser (porque não?) o ano do desejado salto para muitas das empresas portuguesas.

Em terceiro lugar, a reorganização da sociedade, tendo em conta o envelhecimento da população e as gerações de jovens com maior preparação académica e cívica. Num mundo sem fronteiras e com escassez de talento adequado à transformação nas empresas, resta às empresas reinventar a gestão das pessoas, das que tem e das que necessitará. Mas, sobretudo, há que redescobrir o espaço e o tempo para a convivência social que gera raízes e sentido de pertença, há que redescobrir formas de acolhimento, desenvolvimento e apoio para que a sociedade seja justa e inclusiva. É esta transformação que se vem vivendo, muitas vezes com grande sentido de urgência e responsabilidade, e que certamente continuará em 2023, a bem de todos.

Poderia também comentar a inflação e os juros elevados, um cenário provavelmente mais persistente do que o desejado e esperado. Em 2023, assim será e também aqui se trata de uma mudança face aos últimos anos. Contudo, confio que a economia responda com o devido ajustamento, evitando que este cenário se torne crónico e a mudança se torne estrutural.

Por tudo isto, pela resposta ao contexto instável, pela aposta numa economia mais saudável e pela atenção colocada na construção da sociedade, 2023 será mais um ano desafiante para as pessoas, as famílias e as empresas. Mas traz também duas grandes oportunidades dinamizadoras da economia e da sociedade: a chegada dos Fundos Europeus e a realização das Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa. Qualquer uma a não perder!

Por último, resta a grande questão: que poderá o novo ano esperar de cada um de nós? Cada ano que chega, não chega pré-determinado. É verdade que há muitos acontecimentos que, ao longo do ano, vão acontecendo sem a nossa influência. Mas é igualmente verdade que, cada ano, depende muito do que soubermos fazer, do que quisermos fazer e do que chegarmos a fazer, individual e coletivamente. Como ultrapassámos a pandemia? Porque não chegamos à Paz na Ucrânia? Assim também acontecerá com 2023.

Qual queremos que seja a nossa contribuição para que o novo ano seja mesmo muito bom? Vale a pena pensar grande! Para inspiração, recordo Bento XVI, o Papa emérito recentemente falecido, e as suas palavras ao terminar o encontro com o mundo da cultura, em Lisboa, no CCB, em 2010: “fazei coisas belas, mas essencialmente fazei das vossas vidas lugares de beleza”.

Faço votos que tenhamos a generosidade e audácia de fazer da nossa vida, nos lugares que habitamos, em cada dia do ano, lugares de beleza. Assim, quaisquer que sejam as circunstâncias, 2023 será sempre um excelente ano.

Publicado originalmente no Jornal de Negócios. Republicado com permissão

Professora de Factor Humano na Organização e Dean da AESE Business School