A guerra, que sempre foi um «mal comum», tornou-se cada vez mais absurda e intolerável com o aumento da eficácia destruidora das armas e dos custos humanos e económicos que impõe a toda a comunidade internacional, independentemente dos povos directamente envolvidos no conflito.
POR FRANCISCO PIEDADE VAZ

É com estupefacção, angústia e muita tristeza que de forma algo inesperada assistimos a actos de barbárie bem no coração da Europa que nos remetem para um passado, não muito longínquo, onde a iniquidade e o mal foram tratados como coisas banais. Nunca como no século XX tinha a humanidade sido submetida a tamanha demonstração do poder do mal, mal ético-político, incarnado em pessoas cujo objetivo era apenas o do engrandecimento próprio à custa do sofrimento alheio.

A fé vê na violência, mesmo naquela que é aparentemente mais racional, uma negação do projecto de Deus para a humanidade, e, portanto, um mal que não é apenas um «mal físico», mas sim uma soma incalculável de sofrimento humano, portanto um «mal espiritual» na medida em que a interrupção brusca de muitos sonhos e projectos e as vidas aniquiladas representam o fracasso da própria humanidade.

Na sua etiologia, a guerra é sobretudo um «mal teológico», pois constitui uma ruptura do diálogo entre Deus e o Homem e, em certo sentido, um mal que atinge o próprio Deus no seu amor pela humanidade. O projecto de Deus para a humanidade é, na verdade, um projecto de comunhão: dos homens com Deus, mas também dos homens entre si. Mesmo no furor da violência a necessidade de paz sentida na interioridade ética do ser humano e a solidariedade objectiva, que une todos os Homens num mesmo destino e os torna responsáveis uns pelos outros, são o sinal dessa vocação para a comunhão.

Se a problemática da guerra entre nações assenta em pressupostos geoestratégicos, a decisão de a fazer é da exclusiva responsabilidade pessoal de quem detém o poder, supostamente em nome do povo. O acto de guerra, exercido colectiva ou individualmente, representa sempre um atentado à vida de terceiros, configurando indubitavelmente um «mal comum», e, como tal, um mal infinitamente mais gravoso do que os eventuais resultados aportados aos vencedores.

Por outro lado, a paz assenta sempre no acto de amor que se traduz no carácter pacífico e não violento das relações entre pessoas e que exprime uma das necessidades e aspirações primárias de todos os povos. Sintetizou bem esta ideia João Paulo II num discurso aos elementos do corpo diplomático acreditado na Santa Sé em 2003: «a guerra nunca é uma fatalidade e é sempre uma derrota da humanidade. O direito internacional, o diálogo leal, a solidariedade entre Estados, o tão nobre exercício da diplomacia, são os meios dignos do Homem e das nações».

De facto, a negatividade da guerra produz não só sofrimento, perda de vidas e de bens de subsistência, mas também deixa um rasto de ódio, de desconfiança recíproca e de insegurança coletiva. A guerra, que sempre foi um «mal comum», tornou-se cada vez mais absurda e intolerável com o aumento da eficácia destruidora das armas e dos custos humanos e económicos que impõe a toda a comunidade internacional, independentemente dos povos directamente envolvidos no conflito.

Mas, o que tem a ver a guerra e a paz com a sinodalidade? Tenho para mim que a prática da sinodalidade no mundo, à semelhaça da sinodalidade na Igreja, pode ser comparada ao caminhar da família humana, o que pressupõe um clima de diálogo que permita que as relações se desenvolvam num ambiente de confiança recíproca. Se queremos que o século XXI não seja novamente um tempo desumano de grandes destruições, devemos envidar esforços para evitar opções que recorram ao uso da violência para dirimir diferentes interesses e educar para o respeito e amor pelo outro. Só assim será possível edificar a polis onde o bem de cada um é alcançado através do bem de todos.

A opção pela guerra é um jogo de sorte e azar com consequências imprevisíveis, mas sempre trágicas. Aceitemos, por isso, o convite à reflexão que o Papa Francisco nos endossa na sua mensagem do Dia Mundial da Paz deste ano: «Quero propor, aqui, três caminhos para a construção duma paz duradoura. Primeiro, o diálogo entre as gerações como base para a realização de projectos partilhados. Depois, a educação, como factor de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento. E, por fim, o trabalho, para uma plena realização da dignidade humana. São três elementos imprescindíveis para tornar possível a criação dum pacto social, sem o qual se revela inconsistente todo o projecto de paz».

Nota: Artigo originalmente publicado na revista Mensageiro de Santo António – Edição abril 2022, cuja leitura aconselhamos vivamente. Pode igualmente visitar o site que alberga a revista e que conta com um conjunto de colaboradores provenientes predominantemente da Universidade Católica de Lisboa, da Universidade Católica do Porto, da área cultural de Coimbra, da rede “Cuidar da Casa Comum” e da família franciscana.

Francisco Piedade Vaz

Licenciado em Ciências Militares Navais pela Escola Naval e Mestre em Estudos da Religião, Área de Ética Teológica, pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.