POR MÁRIA POMBO
Nos últimos anos, tem-se vindo a assistir a uma “verdadeira dinâmica de rutura” das temáticas que figuram nos programas escolares, essencialmente ao nível do ensino da Língua Materna e da Literatura, em Portugal. Quem o afirma são os professores José Cardoso Bernardes e Rui Afonso Mateus, no estudo “Literatura e Ensino do Português” apresentado recentemente pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.Com este documento, e assumindo uma orientação interventiva, os investigadores pretendem não só expor os problemas, mas também apresentar algumas soluções para que o ensino de textos literários seja feito de forma inclusiva, útil e adequada às necessidades dos alunos em escolas de todo o País.
No centro da discussão dos conteúdos programáticos de Língua Portuguesa e de Literatura têm estado duas linhas de pensamento opostas: a que defende a permanência de textos literários nas escolas e a que apela à sua supressão.
As correntes canónicas, que são a favor da permanência das obras literárias nas escolas, usam argumentos como o facto de estas contribuírem para a coesão entre gerações, de modelarem a identidade colectiva e de ajudarem os alunos a resistir a comportamentos “ditados pelo imediatismo da imagem, em favor do raciocínio ponderado e da curiosidade por tudo o que não se presta à exibição e ao aplauso automático e acrítico”.
Contra estes argumentos, existe o da “inutilidade cultural” destas obras, defendido por aqueles que propõem o seu afastamento, quer das escolas, quer da esfera pública, em geral.
O motivo para tamanha discórdia e discussão é, em última instância, o facto de os estudantes não conseguirem ler nem interpretar os textos propostos, que são quase sempre densos e de difícil leitura. Existe, então, uma inadequação dos textos ou da forma como os mesmos são dados a conhecer aos alunos?
Considerando que o verdadeiro problema poderá não ser o de estas obras estarem presentes nos programas escolares, mas antes o de não serem apresentadas de forma apropriada aos alunos, os autores do estudo propõem a seguinte solução: “em vez de uma exploração exaustiva (muitas vezes exclusivamente centrada nos aspectos formais), deveria cultivar-se o modelo de leitura selectiva e menos demorada, (…) encorajando contactos futuros (…) para além da escola e das obrigações de avaliação”.
Para além de permitir a inclusão de um maior número de textos nos programas escolares, esta solução permite que mais alunos tenham contacto com esses textos, os entendam e interpretem, cultivando o gosto pela leitura e tirando dela um melhor proveito. Ao contrário desta abordagem, o modelo de exposição intensiva que existe actualmente “esmaga” com relativa facilidade – segundo os autores do estudo – a curiosidade dos alunos, quer sobre as obras, quer sobre aspectos histórico-culturais relacionados com as mesmas.
Interessante é o aspecto que está na base da argumentação utilizada por aqueles que defendem a diminuição do número de textos literários nas escolas, mas também pelos que criticam essa mesma diminuição: ambos reclamam “uma escola inclusiva que garanta a todos as mesmas oportunidades”. Para os primeiros, a literatura afasta os alunos do sucesso escolar; para os segundos, a sua “extinção” das escolas impede “uma das mais elevadas realizações de espírito humano”.
Uma nova “cultura literária”
A verdade é que nenhuma das correntes tem procurado soluções “reais” que respondam aos desafios que o ensino de “textos difíceis” enfrenta actualmente. Ao considerarem que a literatura é, em Portugal, um dos grandes símbolos nacionais, extravasando a mera importância “decorativa”, os autores do documento defendem que esta tem que ser entendida até por quem não é profissional desta área, tornando-se prazerosa para todos.
Os responsáveis por este estudo entendem que se deve “ensinar mais a partir de textos literários”. Ou seja, que aos alunos devem ser dadas ferramentas de compreensão que lhes permitam expressar-se relativamente aos mesmos textos, descobrindo “o que não é visível” e experimentando outras sensações através do mundo que é relatado nas obras estudadas.
Os aspectos formais podem, assim, ter menos peso (uma vez que têm ocupado um lugar de destaque nos programas escolares e nos critérios de avaliação), dando espaço a outros aspectos (de interpretação, expressão e aplicação prática) muito mais adequados à realidade e aos estudantes de hoje.
Os autores salientam que não procuram o caminho da facilidade, mas antes aquele que poderá voltar a valorizar a literatura, adequando-a aos tempos “modernos” e ao ensino que se pratica, hoje em dia, nas escolas. José Cardoso Bernardes e Rui Afonso Mateus defendem, desta forma, a existência de uma Escola onde existam “oportunidades globais de conhecimento e de valorização pessoal e cívica”.
É necessário então, senão urgente, que passe a vigorar uma nova “cultura literária”, caracterizada por ser a “soma de conhecimentos, compromissos e afectos normalmente capitalizados a partir do convívio com os livros e do seu enquadramento histórico-cultural” – definição adoptada por Alain Viala, no seu livro La Culture Littéraire.
Esta cultura pressupõe a produção de resultados na sala de aula, segundo a qual o professor procura dar mais destaque ao conteúdo dos textos (às questões ideológicas e culturais, por exemplo), não se limitando a “debitar” aspectos formais e recursos estilísticos presentes nos mesmos. Em última instância, espera-se, segundo a opinião dos dois docentes, que “o professor seja capaz de proporcionar aos alunos o tempo e a oportunidade real de expressão”. Para que isto seja possível, o docente deve “aprofundar a sua cultura literária”, de forma a estar o mais aberto e receptivo possível às interpretações dos alunos, suscitando a curiosidade destes em saber mais.
As soluções apresentadas pelos autores do estudo em análise permitem assim, e como foi já referido, que os textos literários possam continuar a ser abordados nas escolas nacionais, potenciando o sucesso escolar de muitos alunos que se têm vindo a desinteressar destas obras, vistas muitas vezes como “os monstros” da disciplina de Língua Portuguesa.
“Assegurar uma oportunidade real de leitura”
[su_youtube url=”http://www.youtube.com/watch?v=ilxL06uJYQw ” width=”350″ height=”240″]No mês em que a Fundação Francisco Manuel dos Santos dedica uma atenção especial e uma proposta de reflexão sobre a Educação em Portugal, surge, de forma coincidente, uma outra iniciativa que pretende tornar acessíveis a todos os livros de “leitura difícil” (e não só): a Luso Reads, uma editora que surgiu recentemente em Portugal e que é especializada em livros de leitura fácil. Os livros são adaptações de obras literárias, concebidos a pensar em pessoas com dificuldades de leitura, como jovens que nunca conseguem chegar ao fim de um livro e que perdem facilmente o interesse pela leitura, leitores com défice de atenção ou dislexia, analfabetos funcionais, indivíduos que se encontram a aprender a língua portuguesa, ou mesmo pessoas com problemas de audição ou até com Alzheimer, Parkinson, entre outros casos.
Este é um conceito inovador em Portugal e, tal como a proposta do estudo acima apresentado, não pretende substituir a leitura de livros “normais”. A ideia é, ao invés, criar uma “cultura de leitura” acessível a todos, desmistificando a questão de que determinadas obras foram escritas apenas para uma elite de “iluminados”.
O objectivo é claro: “assegurar uma oportunidade real de leitura a todas as pessoas”, como referiu ao VER Ana da Cruz Lippens, responsável pelo projecto que pretende tornar mais inclusiva a sociedade portuguesa.
Todos os livros obedecem a critérios de conteúdo, de linguagem e de formato. Os acontecimentos são apresentados por ordem cronológica, permitindo uma fácil compreensão dos mesmos, e têm um número reduzido de personagens. As frases são curtas e simples, e o vocabulário é elementar, existindo notas adicionais em diversas páginas, onde são explicados alguns conceitos. As letras são grandes, assim como as margens do texto e o espacejamento das linhas. É respeitado o ritmo natural da fala e é recorrente o uso de fotografias e ilustrações, as quais permitem uma mais rápida compreensão do texto.
O primeiro livro apresentado é o “O Fantasma de Canterville” da autoria de Oscar Wilde. A sua adaptação é da responsabilidade de Eugénia Salvador, da Associação Espanhola de Leitura Fácil, tendo sido feita a tradução do mesmo para português por Sandra Marques, considerada pela responsável da Editora como a única especialista reconhecida neste tipo de materiais em Portugal.
Em conjunto com os livros, que podem ser adquiridos através do próprio site ou, em breve, em algumas livrarias, a editora disponibiliza diversos materiais de apoio didático, dirigidos essencialmente a educadores, e que podem ser descarregados gratuitamente. Existem ainda ficheiros, especialmente concebidos para serem utilizado pelos leitores, que contém actividades relacionadas com as obras (no caso da obra de Oscar Wilde, é possível aceder a um mapa no qual estão as cidades referidas no texto, responder a um exercício de palavras-cruzadas e exercícios de interpretação, com as respectivas soluções).
A responsável pela primeira editora inclusiva em Portugal adiantou que já está prevista a publicação de outros livros de leitura fácil. A equipa está em contacto permanente com outras editoras que seguem a mesma linha em diversos países europeus, apostando, numa primeira fase, na tradução de obras já adaptadas.
Jornalista
Literatura de leitura difícil??
Então todas as gerações para trás fizeram como?
E já pensaram nos chamados, quase analfabetos da província que gostavam de ler e liam o que havia, Camilo, Eça, Garret, etc e assimilavam tudo, eram o quê, fenómenos?
As meninas que liam os romances todos, Frei Luís de Sousa, As Pupilas do Senhor Reitor, só para dar exemplos, eram uns génios, não?!
E, todos nós, hoje, com mais de 50 para cima, querem ver que somos todos traumatizados…
Creio que nada tem a ver com ser fácil ou difícil. tem a ver com uma attitude que se desenvolveu em Portugal.
Quando a mãe pergunta ao filho de 3 ou cinco anos o que quer comer, o menino faz birras porque não quer nada e dos 7 ou 10 em diante o que quer estudar, o caso fica muito mal parado.
Colocar crianças a discerner sobre o futuro delas que não conseguem antever, equivale a fazer futurologia de pacotilha. Depois com os eluminados do MEC, que muitos já foram maus alunos e entraram através da máquina partidária em lugares de decisão, hellooooo!
O socialmente e o politicamente correcto enquanto não acabar só vai dar nisto, na pacotilha e traumatizados.
E, claro está, enquanto tivermos estes iluminados como governantes, que mentem e não passam de pessoas mal formadas e ignorantes, que a troco de cargos e favores negoceiam o país e a nossa cultura a retalho baixando as fasquias para os piores encaixarem e ter-mos estatísticas a funcionar, está tudo errado e dito.
Em Portugal pensa-se pouco e poucoxinho…
Beijos e abraços Caturras!
Vera Alagoa
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