As inspecções incidiram sobretudo na agricultura e houve vinte e quatro inspecções da ACT. São números muito pequenos para a totalidade dos imigrantes residentes, mas sublinha o facto de estas investigações ocorrerem realmente, não se limitando a intenções, e de obterem sucesso em termos de identificação de situações anormais e ilegais. Estas vinte e quatro visitas permitiram verificar as condições de trabalho de trezentos trabalhadores – um número relativamente baixo e que importa aumentar.
POR PEDRO COTRIM
No ciclo de debates de preparação para o próximo congresso da ACEGE, adiado para Abril devido à pandemia, o núcleo do Oeste da ACEGE convida quatro oradores com responsabilidades na área da agricultura.
João Coimbra, responsável por este núcleo e por este acolhimento, menciona as dificuldades das empresas do sector na procura da mão-de-obra nacional devido ao despovoamento das zonas rurais e ao ocaso demográfico. Destaca por isso a importância do acolhimento dos migrantes, que permite às empresas uma actuação sustentada, tanto economicamente como socialmente, possibilitando a passagem de uma situação de desemprego generalizado no sector para uma de pleno emprego.
Sublinha o facto de os casos de Odemira e das estufas do Oeste terem percorrido a comunicação social e de poderem transmitir uma imagem errada do que realmente se passa, pois as boas notícias não merecem normalmente cabeçalhos. Garante que o panorama não é o que mutos imaginam e que o facto de estes migrantes fugirem desesperados dos países afligidos por problemas de conflitos inimagináveis bem ilustra o que temos na realidade. Um país que acolhe, que acolhe bem, que integra e que prospera devido à sua natureza de porto de abrigo. E que vê o seu tecido social e económico fortalecido devido a esta postura de mundividência.
O primeiro orador convidado é Nuno Russo. Vereador da Câmara de Santarém, foi Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e desempenhou várias funções executivas no sector da agricultura.
Começa por destacar números que ilustram a situação dos migrantes a nível mundial. Com base nos observatórios sobre a situação, menciona as 258 milhões de pessoas que vivem actualmente fora do seu país de origem. Sublinha que a maior parte dos países de acolhimento se situam na Europa e na Ásia e passa de seguida ao caso português.
Em 2018, havia 480 mil cidadãos estrangeiros no país, passando no ano seguinte o número para 590 mil, o maior valor de sempre. Ainda assim, e neste particular, Portugal ocupa a vigésima posição entre os vinte e oito, sendo a primeira ocupada naturalmente pelo Luxemburgo. Por outro lado, o país é o terceiro mais envelhecido, apenas atrás da Grécia e de Itália. Houve saldos migratórios negativos nos últimos anos que conduziram a uma situação de grave crise generalizada, pelo que conclui que esta postura de acolhimento e integração é essencial.
O vereador menciona seguidamente indicadores internacionais sobre o acolhimento de estrangeiros, debruçando-se sobre o caso português. Destaca o facto de os cidadãos nacionais terem passado a considerar cada vez mais favoravelmente a vinda de estrangeiros, concluindo que o país melhorou com a postura de abertura, sendo que em 2016 a balança das opiniões ficou finalmente ao contrário, com mais pessoas a terem uma opinião positiva sobre a situação e passando finalmente a ser esta a fracção dominante.
No indicador seguinte escolhido por Nuno Russo, era perguntado se o estímulo à integração de imigrantes era benéfico para o país. 85% dos cidadãos nacionais responderam que sim, sublinhando que se trata de uma circunstância essencial para o crescimento.
No terceiro indicador, salienta que Portugal é o segundo país a nível europeu onde se acredita que o governo está a efectuar uma integração bem conseguida dos trabalhadores que vêm de fora.
O vereador divulga seguidamente mais números sobre os trabalhadores estrangeiros, destacando o aumento recente na agricultura e sublinhando uma diferença de crescimento em relação aos trabalhadores portugueses na ordem de cinco vezes mais, à qual não será alheia o facto de entre 2007 e 2016 quase meio milhão de cidadãos ter solicitado a nacionalidade portuguesa.
Aborda brevemente a cronologia da imigração e salienta a grande expansão das obras públicas nos anos 1990, que originou uma procura muito grande e o consequente fluxo de cidadãos do exterior. Refere o êxodo que se verificou a partir de 2010, que atribui à crise económica, e sublinha a retoma verificada a partir de 2016.
Ao nível do concelho de Santarém, Nuno Russo refere que em 2020 residiam no concelho de Santarém cerca de 3 mil imigrantes, trabalhando sobretudo no sector agrícola e pecuário.
O vereador menciona seguidamente inquéritos e investigações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) sobre o auxílio à imigração ilegal, tráfico de seres humanos e outras questões de extrema delicadeza.
Refere que estas intervenções incidiram sobretudo na agricultura e que houve vinte e quatro inspecções da ACT. Salienta que são números muito pequenos para a totalidade dos imigrantes residentes, mas sublinha o facto de estas investigações ocorrerem realmente, não se limitando a intenções, e de obterem sucesso em termos de identificação de situações anormais e ilegais. Estas vinte e quatro visitas permitiram verificar as condições de trabalho de trezentos trabalhadores – um número relativamente baixo na opinião do vereador e que importa aumentar – nas zonas de Santarém e dos distritos de Évora e Beja, os mais necessitados de mão-de-obra agrícola e onde as actividades do sector primário são mais evidentes.
Prossegue referindo que em 2019, e também de acordo com a ACT, se verificou a comunicação de 75 mil contratos de trabalho relativos a trabalhadores estrangeiros, sendo que 1813 eram referentes ao concelho de Santarém.
De acordo com Nuno Russo, o município tem sido um bom exemplo no acolhimento e na integração de cidadãos estrangeiros. Menciona o Centro Local de Apoio à Integração de Emigrantes de Santarém (com mais de uma década de funcionamento) como um local a que muitos imigrantes recorrem e que tem conseguido a resolução de vários problemas de legalização, aconselhamento, desemprego, salários em atraso, a que a direitos podem usufruir, alguns conflitos laborais ou apoio jurídico.
O vereador termina a sua apresentação afirmando que a opção destes cidadãos estrangeiros pelo concelho de Santarém para viverem mudou de alguma forma a geografia humana deste município, sendo que muitos se encontram em funções profissionais diversas e perfeitamente integrados na sociedade.
Segue-se o testemunho de David Mota, administrador do grupo Luís Vicente.
O gestor começa por apresentar a empresa e as suas três áreas de actividade: uma área agrícola, directa e indirecta na qual acompanha uma série de produtores, nomeadamente de pêra rocha; uma área de trading, onde transacciona frutas e comercializa produto de todo o mundo; uma área industrial dedicada à fruta desidratada e à chamada fruta de quarta gama, remetida para supermercados, hotelaria, redes de food service e para exportação.
A empresa tem cerca de 300 trabalhadores, dos quais 100 são estrangeiros, e foi criada numa situação de pleno emprego na zona oeste. O gestor é crítico em relação ao aproveitamento perverso dos apoios estatais, sublinhando que a facilidade de acesso aos subsídios representou efectivamente uma diminuição do número de trabalhadores portugueses. Assinala uma lacuna que se verificou de modo continuado, com falta de compromisso, desresponsabilização e assiduidade irregular por parte dos cidadãos nacionais contratados.
Para os indicadores da empresa, David Mota reclama mais produtividade. Afirma que o rendimento por pessoa no sector agrícola tem de ser elevado, sendo que empresas do sector secundário, tecnologicamente mais evoluídas, terão mais margem de manobra a respeito de débito de produto. Sublinha que o grupo Luís Vicente não se pode comparar com as empresas do sector terciário e que necessita de muitas pessoas porque os trabalhos, apesar da tecnologia, carecem de muita intervenção humana.
O gestor acrescenta que em 2017 o grupo Luís Vicente recorreu a uma empresa de trabalho temporário. São certificadas pelo IEFP, sendo legalmente obrigadas a ter os estatutos e moralmente a actuar de forma a respeitá-los de uma forma digna para os trabalhadores, com o princípio da subsidiariedade. A empresa é responsável pelo cumprimento das obrigações para com estas pessoas e que elas estão sob a alçada do código do trabalho.
O gestor afirma que estas pessoas que vêm de muito longe têm um foco tremendo no trabalho, estando disponíveis para mais horas diárias justamente retribuídas nos picos de produção em que é necessário trabalhar ainda mais. Sublinha que a empresa assegura ainda o transporte, a alimentação e a boa acomodação dos trabalhadores.
Sustenta que a empresa garante ainda a satisfação dos trabalhadores ao garantir que estão inscritos na Segurança Social, que fazem os respectivos descontos para as finanças e que existe reciprocidade e reconhecimento.
Regista a inexistência de qualquer conflito social, o que é revelador do clima proporcionado pela empresa, e expõe ainda o reflexo nas comunidades em que vivem estes estrangeiros, com gestos de solidariedade e partilha. Refere ainda os prémios entregues, que podem ser sob a forma de promoções, e menciona o facto de muitos estrangeiros ocuparem lugares de liderança nas equipas e nos departamentos.
Conclui que este meio milhão de pessoas referido pelo vereador Nuno Russo representa sem dúvida uma grande mais-valia para o nosso país, para elas próprias e para as suas famílias.
Entrega-se seguidamente a palavra a Samehh Ullah, imigrante do Paquistão. Viu o seu nome aportuguesado para um mais simples Sami, que adoptou com alegria, pois afinal a língua é um veículo fundamental de integração.
No país natal trabalhou cinco anos numa multinacional na área da engenharia. Crises políticas difíceis de imaginar no ocidente trouxeram-no para a Europa, começando a sua odisseia por Itália. A carestia de vida encurtou a sua estadia em terras transalpinas para seis meses. Prosseguiu para França, onde ficou quatro anos e pretendia continuar os estudos. Afirma que os ordenados eram bons, mas que não se sentia em casa. Surgiu a oportunidade de visitar Portugal e foi uma espécie de amor à primeira vista. Decidiu ficar e está cá há oito anos.
Afirma que não foi difícil encontrar trabalho legalizado em Portugal. Começou por uma loja de telemóveis em Lisboa, mas era complicado viver na cidade cara com um ordenado baixo. Um amigo trabalhava em Azinhaga na agricultura, convidando Sami para uma visita. Sami gostou do trabalho agrícola e por ali ficou.
Sente-se bem no trabalho. Nunca se sentiu pressionado, nem culturalmente nem religiosamente. Sami nunca se sentiu a mais; pelo contrário, sentiu-se respeitado nas suas opções. Pensa ficar aqui para sempre. O país é calmo e quer trazer a sua família. Quer ser feliz, tal como queremos todos nós.
Coube a Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal CAP, a intervenção de encerramento desta iniciativa da ACEGE.
Começa por anotar que a questão da imigração é um problema de muitas variáveis. Há muitas matérias que têm que ser conjugadas na parte social e na parte legal da integração, dada a quantidade de legislação e a complexidade da situação, pejada de normas, o que dificulta a comunicação com o governo. Por si só, o caso de Odemira justificava um debate dedicado ao episódio, segundo o presidente da confederação.
A CAP é a única das confederações patronais a fazer contratação colectiva, e tem por isso desempenhado um papel muito activo a respeito da integração dos estrangeiros. Para se ter uma ideia das dimensões do sector, em 2019 havia 12 800 empresas, incluindo trabalhadores por conta própria. 65 000 trabalhavam como empregados agrícolas.
A falta de mão-de-obra não é apenas um problema da agricultura, mas no caso do sector houve vários factores contribuintes. Oliveira e Sousa menciona o êxodo rural, que levou as pessoas a procurarem uma vida melhor nas cidades. É uma situação contínua, progressiva e com dezenas de anos. Hoje em dia não se ambiciona desempenhar uma profissão agrícola. Pode ambicionar-se ser empresário agrícola e há programas dedicados aos jovens agricultores. A demografia negativa contribuiu e de repente materializou-se um fosso nesta situação.
Por outro lado, a intensificação de alguns métodos de cultivo com uma expressão económica muito acentuada e com grande necessidade de apoio laboral, como o da uva de mesa e dos frutos vermelhos, levou a que a mão-de-obra tivesse de ser procurada no estrangeiro.
Os trabalhadores estrangeiros estão em vários sectores – obras, restauração, trabalhos de limpeza, e o trabalho que desempenham tem de ser enquadrados em regras cada vez mais rigorosas. Há sectores obrigados a efectuar contratações em grupo para garantir a produção em determinados períodos, senão nem poderão assumir compromissos de entrega. Por tudo e mais alguma coisa, os trabalhadores são essenciais.
Relativamente aos estrangeiros, em 2019 trabalhavam em Portugal 218 mil estrangeiros – 38 mil vieram da União Europeia, 22 mil da Europa que não pertence à fora da UE, 43 mil africanos, 37 mil asiáticos e 76 mil da América do Sul, sendo que os dois mil restantes vieram de outras partes do mundo. Há contudo muitos estrangeiros que não trabalham e que dilatam os números da tal má gestão e má distribuição dos apoios sociais. Oliveira e Sousa destaca que do meio milhão de estrangeiros mencionado por Nuno Russo, há efectivamente muitos que não trabalham e que auferem rendimentos sociais indevidos. É portanto um problema complexo e que tem de ser analisado de uma forma mais aprofundada.
A CAP é um grande parceiro social e membro da Comissão Permanente de Concertação Social e da (CPCS). Tem sido o parceiro que envolvido nas questões dos trabalhadores estrangeiros por razões óbvias, embora a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) também se envolva, mas como não faz contratação pública, não está dedicada ao assunto do mesmo modo.
A CAP participou em todas as audições sobre a lei dos estrangeiros e colaborou na transposição para Portugal da directiva sobre o trabalho sazonal, alertando frequentemente o governo para a demora na atribuição dos vistos para este tipo de trabalho – efectivamente, nem todos os trabalhadores têm a sorte de obter um visto – nem para estada temporária (até um ano). Tudo se agravou com a pandemia. Nota-se ainda um excesso de burocracia na atribuição dos números de contribuinte e da Segurança Social, uma situação igualmente piorada com a pandemia.
Para ilustrar a actividade da CAP, mencione-se que Estado retinha 25% do valor do salário, mesmo que se tratasse do salário mínimo, para garantir que estes trabalhadores pagavam impostos. Não foram os sindicatos a tratar da situação pela simples razão de os trabalhadores estrangeiros não se sindicalizarem: foi a confederação a actuar para repor um salário mínimo sem impostos. Hoje em dia, e à semelhança dos trabalhadores portugueses, os trabalhadores estrangeiros não pagam impostos se auferirem o salário mínimo.
A CAP patenteia uma acentuada acção humanitária, actuando como intermediário com o estado na luta contra os esquemas de imigração ilegal, para isso estabelecendo acordos com países do mundo inteiro, agora nomeadamente com os do sudeste asiático que tantos trabalhadores têm remetido para Portugal.
A contratação dos trabalhadores não se esgota com a entrada no território nacional. Envolve muitas acções prévias e subsequentes. Há uma ideia errada de o sector tratar mal os trabalhadores. Há empresas com 1500 ou 1600 trabalhadores, e alojar tanta gente não é tarefa pequena. Há custos de transporte para Portugal, o trabalho de garantir tradutores e interlocutores, que podem ser trabalhadores da mesma nacionalidade, garantir um período de trabalho mínimo para compensar a deslocação, observação das mesmas condições para portugueses e estrangeiros, auxílio na abertura de contas bancárias, obtenção de NIF e NISS, documentação legal para viver em Portugal e formação em português.
Nos últimos anos o sector agrícola tem sido surpreendido com algumas notícias que dão conta da exploração de trabalhadores agrícolas em entidades empregadoras pouco escrupulosas. Estão num submundo que vai persistindo e a CAP tem condenado veementemente todas estas práticas, que configuram acções puníveis no ordenamento jurídico português.
O código de trabalho já incorpora, a propósito do trabalho temporário, cláusulas que responsabilizam toda a cadeia produtiva em casos de exploração destes trabalhadores. No caso da agricultura, esta legislação existe já desde 2017, sendo muito exigente no que diz respeito às relações triangulares entre a empresa, a empresa de trabalho temporário e o próprio trabalhador
A CAP recusou a agenda do trabalho digno, uma vez que esse trabalho compete ao estado. Não se pode criar a figura do delator porque quem contrata tem de ter atenção às regras. Não cumprir implica ser punido. A proposta iria transformar as empresas em espias e delatoras umas das outras, e daí rejeição da confederação. Esta questão deverá ser tratada na próxima legislatura.
Por tudo isto, o sector agrícola cumpre as regras predefinidas pela via da legislação nacional e pelas auditorias muito frequentes devido à ampla actuação, e exige que o controlo seja ainda maior porque os direitos humanos jamais podem ser secundários. O presidente da CAP ilustra o relato com uma situação que conhece: a de uma empresa em Odemira que tem um telefone vermelho na parede do refeitório. Se houver um trabalhador que se sinta injustiçado com qualquer coisa e levantar aquele telefone, será atendido pela administração da empresa em Inglaterra, havendo nesse dia uma sanção à empresa portuguesa. É uma forma extrema de obrigar patrões a tratar bem os empregados.
Como Oliveira e Sousa destaca e é fácil de perceber, nada pode ser descurado sob pena da sua inviabilidade. Não se pode, de forma alguma, correr o risco de haver pessoas que estão longe da família e que ficam entregues a um destino incerto. É, sobretudo, desumano.
Num país quase milenar, que foi romano, árabe, teve ocupação de suevos, vândalos e muitos outros povos, não se pode nunca esquecer que o outro é igual a nós. Não se pode esquecer aqui nem em nenhuma outra parte do mundo.
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