A agilidade das empresas, assim como o apoio da associação e do centro tecnológico, proporcionou uma eficiência crescente ao processo industrial e à sofisticação do design dos seus produtos, respondendo à tendência crescente para uma produção perto do cliente final
POR José Ramalho Fontes
Podem registar-se com agradável e crescente satisfação as notícias que referem 2021 como o melhor ano de sempre, uma realidade surpreendente quando existe uma vivência social de dificuldades, limitações e problemas na saúde, certamente, mas também em muitas empresas e setores. Organizando as notícias com números globais decrescentes será mais fácil aprofundar neste contraste e refletir nas suas origens e apontar meios para potenciar essas alavancas de bons resultados.
Os números, os resultados de seis setores empresariais
A AIMMAP afirmou em janeiro que o setor metalomecânico iria realizar exportações pouco abaixo dos € 20 000 milhões, ou 20 bi€, para facilitar a leitura e as comparações. Em 2021 tinha havido dois meses como os melhores de sempre, de facto, e o somatório global traduzia a continuação de melhorias incrementais sem que tivesse havido uma diminuição significativa de encomendas em função da pandemia.
Noutro setor tradicional, o têxtil e vestuário, a ATP referia que os 5,3bi€ de exportações era um resultado recorde, embora o crescimento verificado não fosse transversal a toda a fileira e fosse pertinente analisar o balanço menos saudável de algumas das empresas exportadoras. Neste cluster, é mais evidente a tendência para uma maior proximidade da indústria ao cliente final, mas são evidentes os progressos verificados nos têxteis técnicos ou de valor acrescentado (área automóvel, por exemplo), embora seja muito difícil encontrar marcas portuguesas com relevância aos olhos do cliente final, mesmo no negócio B2B, onde algumas referências são reconhecidas.
A Portugal Fresh – Associação para a Promoção das Frutas, Legumes e Flores de Portugal apresentou na AESE, em janeiro, os seus resultados de 2021: num volume de produção de 3,2bi€ as exportações atingiram 1,7bi€, quando em 2010, ano da fundação da associação, tinham sido de 0,78bi€, apenas. Este progresso foi o resultado de um desempenho muito profissional da Portugal Fresh e de iniciativas estratégicas com a distribuição moderna e com presenças altamente organizadas nas feiras internacionais, mobilizando todas as empresas do setor.
A APICCAPS, com uma fotografia provocante de uma perna atlética a dar um pontapé no ar, anunciava que o setor tinha realizado uma boa recuperação, mais rápida que a concorrência internacional, atingindo umas exportações no valor de 1,7bi€, mas ainda longe dos 1,9bi€ máximos alcançados em 2018, embora de setembro a dezembro as exportações bateram recordes com valores acima desse ano.
A agilidade das empresas, assim como o apoio da associação e do centro tecnológico, proporcionou uma eficiência crescente ao processo industrial e à sofisticação do design dos seus produtos, respondendo à tendência crescente para uma produção perto do cliente final, já referida acima, explica o seu diferencial face aos concorrentes, mas também são evidentes as áreas onde se impõem progressos urgentes, como é o caso de atrair talento para as fábricas e para a gestão das empresas, a grande maioria de cariz familiar
O vinho, um outro cluster na área alimentar, também apresentou, no final de janeiro, um outro melhor ano de sempre. “Esperamos fechar o ano nos 0,94bi€, o que será um registo recorde”, informou Frederico Falcão, presidente da Viniportugal. Este valor traduz um crescimento de 3,8% em volume (3030,6 milhões de litros) e de 8,6% em valor (856,2 milhões de euros), com o preço médio a subir 4,59%, para os 2,82 euros/litro, comparativamente aos 11 primeiros meses de 2020. Na celebração dos 25 anos da Viniportugal, associação que resultou dos trabalhos de Michael Porter, este resultado permite confirmar a validade da aspiração de se conseguir o primeiro bilião de euros de exportações, uma meta antiga.
Finalmente, outro segmento do complexo alimentar português, o azeite, referia mais um melhor ano de sempre na produção sem conseguir que as respetivas infraestruturas industriais de apoio tivessem capacidade para processar o resultado dos novos olivais, que foram sendo plantados, entre outros locais, na zona do Alqueva.
O QUE JUSTIFICA ESTES MELHORES ANOS DE SEMPRE?
Regressando às leituras da imprensa e às conversas com os protagonistas há que fazer um deep dive nos números e sublinhar que eles se referem a setores ou clusters e não a empresas concretas, para perceber que existem assimetrias significativas dentro dos vários clusters e, entre eles, o que constitui uma excelente oportunidade para se valorizarem as competências das melhores empresas e se identificarem as boas práticas a difundir entre as demais, tarefa que também corresponde à Academia, e que a AESE tem procurado desempenhar com a redação de múltiplos casos de empresas destes setores.
É certo que poderiam enumerar-se empresas concretas que sustentam os recordes, mas apontam-se três características que lhes são comuns e estão na base dos seus sucessos individuais e justificam os valores apresentados, quando agregados.
Escala: sabendo que em todos e em cada um destes setores as nossas empresas são pequenas, no caso particular do Calçado, APICCAPS, e da Portugal Fresh a escala competitiva foi atingida pela atuação exemplar destas organizações associativas que souberam criar valores partilhados e oferecer serviços de elevada qualidade que são relevantes à hora de cada uma enfrentar os seus concorrentes internacionais. Por contraste, os setores onde o crescimento parece mais lento do desejável, é onde tarda a implementar-se uma cooperação inteligente, a cooptação, O associativismo deve ser uma prioridade para ganhos de escala, de eficiências e de sentido de Marca. A lógica individualista deverá ser definitivamente deixada para um segundo plano.
Eficiência: seguindo uma boa tradição portuguesa, a busca da eficiência nos processos industriais é algo que os empresários presam a esmeram, sendo transversal a todos os setores, mas mais relevante no metalomecânico e no calçado, no primeiro como imposição da sofisticação da infraestrutura produtiva e dos produtos, e no segundo, pela introdução de robótica no processo artesanal, permitindo séries de produção mais curtas eficientes.
Exportação: não terá escapado à atenção dos leitores que a medida do sucesso foi sempre o valor das exportações, um indicador objetivo de competitividade por traduzir confronto com concorrentes e, no fundo, ganhos de cota de mercado. Tais conquistas foram alcançadas ao fim de várias décadas de aperfeiçoamentos incrementais na produção em empresas de norte a sul de Portugal (com exceção das frutas, como se referiu), ocupando manchas territoriais bem conhecidas. Já referida a eficiência, nestes ganhos de cotas, há que sublinhar a eficácia da oferta, isto é, produtos desenhados para clientes mais exigentes e mais bem conhecidos que, cada vez mais, são procurados por entre alternativas diversificadas. Mais uma vez, é imperioso considerar o balanço destas empresas para que se possa deduzir qual a sustentabilidade dos resultados.
Procurando sínteses relevantes, os resultados correspondem à mudança de paradigma das administrações das empresas que deixam de empurrar produtos para os mercados (com preços mais baixos), para estarem preparados para responder a clientes que identificam os seus produtos como únicos, como diferentes. Ocorre-me, num flash, o enoturismo do Douro ou do Minho, ou os frutos pequenos nacionais, caracterizados pela Brisa Atlântica, emblema da Portugal Fresh.
QUAIS DEVEM SER OS PRÓXIMOS PASSOS?
Nenhum destes resultados se pode considerar adquirido e livre de ataques incisivos de concorrentes atuais ou outros, e as empresas que contribuíram para os sucessos têm maiores desafios que, em geral, se colocam em novos patamares de governança, de posicionamento em fóruns internacionais onde se estabelecem padrões, que defendem práticas de comércio mais equilibradas, que dão acesso a novos conhecimentos ou âmbitos de cooperação mais fecundos.
Desde logo e seguindo os conselhos do saudoso Professor Luís Calleja, no Livro Diálogos com Luis Manuel Calleja, o crescimento das PME coloca três exigências particulares que impõem uma reflexão estratégica, de médio prazo:
Financiamento: está bem experimentado que as empresas nacionais necessitam de ser capitalizadas e depender muito menos do crédito bancário, o que passa por partilhar propriedade com outros sejam parceiros financeiros (private equities, bolsa) ou por fusões e aquisições. Pressupõe uma mudança de mentalidade estrutural que é preciso encarar como cirurgia preventiva, corretiva ou paliativa dependendo das situações individuais.
Mudança de estilo no ‘trabalho’ dos dirigentes de topo: em múltiplas geografias é um aspeto verdadeiramente relevante nestas circunstâncias de crescimento, que também se observa em Portugal. A importância de que os proprietários executivos e os dirigentes de topo destas empresas se afastem do micromanagement diário, para entregar a gestão a colaboradores (por vezes, familiares) bem preparados para se dedicarem, eles próprios, a ‘perder tempo’ pensando no médio e longo prazo, para poderem identificar novos mercados a abordar ou novos produtos ou serviços a desenvolver, considerando as vantagens da colaboração com concorrentes ou outras empresas (open innovation), a abrirem o capital, etc. Um campo de ação dos consultores ou coachs!
Reorganização das equipas de gestão: estes dois aspetos anteriores conduzem à necessidade de fortalecer as equipas, de as preparar para assumirem responsabilidades adicionais, para trazerem novas ideias e sensibilidades que sejam capazes de entender e interiorizar as novas exigências mais ou menos disruptivas impostas pela transição digital, pelas alterações climáticas – fora das discussões teóricas de tipo negacionista -, e pela cibersegurança, numa perspetiva de se adaptarem a elas, mas também para discernir as grandes oportunidades que estas ruturas oferecem. E, de novo, o papel das business schools, nacionais e internacionais, para conseguirem esta articulação virtuosa entre gerações, para potenciarem novos crescimentos, para se alcançarem novos recordes.
José Ramalho Fontes
Presidente da AESE e Professor de Operações e Tecnologia