A promoção, nos líderes e colaboradores, de uma maior consciência das suas motivações, a par da sua expressão no quotidiano é, para José Manuel Seruya e Ana Costa Cabral, fundamental para se obterem melhores resultados na organização. No âmbito de um dos eixos do Programa AconteSer – o do desenvolvimento pessoal e profissional – os dois professores da Universidade Católica explicam, em entrevista, os principais objectivos desta iniciativa que pretende “contagiar” empresas em todo o país e torná-las mais humanas. É que, como afirmam, “não existem compromissos, ou lealdades, a empresas, mas sim entre pessoas”
POR HELENA OLIVEIRA

© DR

Em linhas gerais, o que se entende por “Desenvolvimento pessoal e profissional” no âmbito do Programa AconteSER, na medida em que esta temática constitui um dos três eixos por excelência do programa em causa?
O acompanhamento das pessoas, ao longo da vida, no reforço da consciência das ferramentas que contribuem para um agir eficaz, nomeadamente profissional. No âmbito do programa AconteSer, em particular, desenvolvimento pessoal e profissional significa para nós promover a consciência da identidade integrada da pessoa enquanto líder i.e. das suas motivações e recursos pessoais que sustentam as práticas de liderança mais adequadas às realidades existentes como, por exemplo, a de proporcionar contextos que acolham e incentivem as motivações individuais de cada colaborador. Isto é fundamental para se conseguir resultados nas organizações.

Quais os principais objectivos desta iniciativa?
O objectivo genérico desta iniciativa é criar um espaço formativo de desenvolvimento pessoal e profissional ao longo da vida, com recurso a metodologias de autoconhecimento e de incentivo à acção congruente, assentes num trabalho individual de tipo blended learning. No âmbito deste programa AconteSer, em especial, pretendemos trabalhar com as lideranças os afectos e a humanização dos contextos organizacionais. Queremos também acompanhar as lideranças na possibilidade de elas ganharem outras perspectivas sobre representações de sucesso, para si próprias e para os seus colaboradores – em face, sobretudo, dos tempos tão difíceis que estamos a viver.

.
.

José Manuel Seruya e Ana Costa Cabral são
professores na Universidade Católica Portuguesa e
responsáveis pela temática “Desenvolvimento
Pessoal dos Colaboradores” no âmbito do
Programa AconteSer

.

Que metodologia está pensada para integrar esta questão na vida das empresas e, em específico, na dos seus trabalhadores?
Vamos disponibilizar um curso de desenvolvimento pessoal e profissional inédito em Portugal, proporcionado em regime de blended learning, ou seja, de aprendizagem mista (presencial e a distância), no quadro de um projecto mais abrangente a que chamamos “Aprender e Agir”. Esse curso é composto por quatro módulos sequenciais, que designamos de “caminhos” – O meu ponto de partida; Os meus recursos; Empreendedor e cidadão; O meu projecto de vida – interligados por uma pedagogia transversal aos mesmos. Este percurso de formação, no seu todo, ou cada caminho só por si, permite às pessoas praticar e interiorizar uma pedagogia que promove o autoconhecimento e a capacidade de escolher, decidir e agir. Esta pedagogia é um processo em si mesmo de desenvolvimento pessoal, composto por três práticas: exploração de conceitos, compreensão de vivências e um agir consciente. Os conceitos explorados e as vivências compreendidas abrem o caminho para um agir consciente, ou seja, a) uma perspectiva criteriosa da sua relação consigo próprio e com os outros; b) uma maior clareza de quem sou naquilo que faço, em todas as dimensões da minha identidade; c) um posicionamento de compromisso com a acção que estimula a capacidade de iniciativa.

Que acções estão previstas para implementar e disseminar este conceito?
Já começámos por fazer pequenas sessões de formação presencial impulsionadas por diversos núcleos da ACEGE, nas quais temos vindo a apresentar este curso a partir de dinâmicas interactivas focalizadas no tema específico da motivação do líder e na dos seus colaboradores. A curto prazo, iniciaremos uma espécie de ‘road show’ deste novo curso, através do qual contactaremos directamente inúmeras empresas e outras organizações, procurando despertar o seu interesse para esta nossa abordagem.

Numa altura particularmente complexa tanto para empregadores como para empregados, que obstáculos têm ambas as partes de ultrapassar no sentido de fomentar um compromisso dos trabalhadores com a empresa e, inversamente, desta com os mesmos?
Pensamos que há dois tipos de obstáculos a ultrapassar: por um lado, a quase ausência de hábitos de reflexão sobre as motivações intrínsecas (valores e realizações pessoais, serviço aos outros, …), da maior importância numa altura em que não abundam as oportunidades para as motivações extrínsecas (segurança de emprego, remunerações, prémios, formação, carreiras, …); parece-nos fundamental, neste registo, desenvolverem-se contextos e processos relacionais que promovam em todos, líderes e colaboradores, a consciência das suas motivações e a possibilidade de elas serem expressas no quotidiano.

Por outro lado, há um obstáculo não menos importante a ultrapassar e que tem a ver com a dificuldade de as pessoas se comprometerem entre si e com os seus líderes. Consideramos que o compromisso assenta no sentido que o mesmo tenha para quem o assume, e este sentido baseia-se nos valores pessoais. A nosso ver, não há compromissos, ou lealdades, a empresas, mas sim entre pessoas. Só uma pessoa consciente e livre é que pode ser capaz de uma total entrega e, portanto, de um compromisso com um outro.

Ao longo dos séculos XX e XXI, os significados que os trabalhadores retiram do seu trabalho alteraram-se significativamente. E especificamente nesta era de “desesperança”em que vivemos, que motivações poderão os colaboradores encontrar para não só contribuírem para a tão necessária produtividade, como, ao mesmo tempo, se sentirem realizados com o seu projecto de trabalho e, consequentemente, de vida?
Como referimos atrás, é fundamental promover o que entendemos por humanização da organização. Isso implica o não julgamento, a partilha, o espaço para arriscar – e portanto para errar, aprender e corrigir – e sobretudo a capacidade de autonomia que favoreça o agir responsável com liberdade, criatividade e sentido. Isto pode ser muito desafiante para as lideranças, e para os próprios colaboradores, dado exigir, porventura, um novo posicionamento de ambos e a capacidade mútua de acolher um outro olhar sobre si próprios e a sua relação com os outros.

Juan Martinez Bea afirmou que, muitas vezes, “o indivíduo fica submetido à ditadura do quotidiano, imbuído na rota da monotonia e da auto-complacência de fazer sempre a mesma coisa”. De que forma é que este “desenvolvimento pessoal” pode ajudar a inverter esta tendência?
Cremos que através de três práticas: uma, ajudando as pessoas a tomar consciência que muitas vezes a mudança não passa por mudar “tudo” mas sim por mudar a relação que temos com “aquilo que é”. Uma outra, elevando rotinas a rituais, e assim, como já foi referido, encontrando um sentido maior para o que fazemos. Finalmente, uma outra prática ainda, que aliás constitui uma pedagogia transversal a todo o curso de desenvolvimento pessoal e profissional que agora lançamos: assumir um compromisso pessoal para agir: não devo ficar pela tomada de consciência (i.e. descobrir e valorizar), mas sim mobilizar-me para um agir de acordo com essa consciência. “Agir”, portanto, numa perspectiva de compromisso de mim para comigo mesmo, não perante terceiros. Porque só assim pode existir transformação e aprendizagem numa óptica de desenvolvimento pessoal.

Um dos objectivos desta iniciativa é possibilitar aos colaboradores um olhar sobre a sua própria vida e objectivos futuros. Em que medida é que esse olhar “para dentro” pode estimular os indivíduos a (per)seguirem novos projectos?
Estamos convictos de que esse olhar para dentro requer coragem e iniciativa, o que, de um modo mais consciente e autónomo, permite arriscar, fazer diferente, ou seja, ser criativo de acordo com a consciência de quem quero ser naquilo que faço.

Na sua experiência de ensino e formação com colaboradores de várias empresas, notam diferenças significativas na sua maneira de estar e encarar a vida desde que deflagrou a crise (sendo que já passaram três anos e os caminhos cada vez mais se afiguram tortuosos)?
Notamos talvez uma maior experiência de insegurança, de medo até, perante um futuro que parece ser muito mais incerto do que anteriormente. É a eterna dificuldade que temos em lidar com o facto de não conseguirmos controlar a vida e de nos assustar a perspectiva do que temos de mudar em nós… Sempre que alguém se permite envolver num curso de desenvolvimento pessoal e profissional, como o nosso, ou em sessões de coaching individuais, há sempre um processo de descoberta ou de validação pessoal de crenças, competências, valores, capacidades, vontades, sonhos, que permite atribuir um significado mais claro às suas escolhas e aos seus recursos, o que pode ter um impacto visível e positivo no seu agir.

Apesar de o programa estar aberto a empresas várias, são as de menor dimensão que mais necessitam de implementar planos de formação e carreira organizados. Numa altura em que sobreviver é a palavra de ordem, que expectativas têm para o sucesso desta iniciativa?
A única garantia que podemos dar, é que ao fazer este curso as pessoas ficarão mais conscientes e terão uma maior clareza em relação a quem são, às suas escolhas, às suas certezas. Esperamos no entanto que esta iniciativa possa essencialmente ajudar a promover a consciência e a construção do projecto vida de cada um. Cabe acentuar aqui que os resultados a que o formando chegar dependem muitíssimo da sua liberdade, das suas motivações e capacidades postas em jogo a cada momento do percurso de aprendizagem, e esses resultados serão portanto, sempre, diferentes para cada pessoa.

De acordo com um estudo conjunto realizado pela The Work Foundation e pela Future Foundation, concluiu-se que tanto os trabalhadores mais jovens como os mais velhos têm vindo, de forma crescente, a conceder uma importância maior à “performance ética” e à responsabilidade social dos seus empregadores, comparativamente com os seus pares que se encontram na meia-idade, cujas preocupações primordiais se centram na flexibilidade horária, na remuneração e na protecção no emprego. Para os mais novos e para os mais velhos, a questão ética é suficientemente significativa para influenciar as suas decisões no que respeita a manter ou a abandonar a posição que ocupam. Mais uma vez e de acordo com a sua experiência, sente que esta “tendência”, esta alteração de valores, tem já um eco suficiente em Portugal?
Parece ser clara a generalização de uma perspectiva ética e de responsabilidade social na forma como se olha para as organizações – pelo menos, isto é visível ao nível dos discursos dos líderes, dos media, porventura de algumas sondagens. Não necessariamente das práticas estabelecidas. Parece estar a surgir, talvez não ainda como tendência de fundo, uma procura substantiva das pessoas se quererem ligar ao sentido do que fazem, e portanto de viverem a sua pertença à organização neste registo. Ou seja, uma expectativa de maior humanização e afectividade nos ambientes de trabalho, de uma maior experiência de saudável cooperação entre pessoas que partilham a mesma realidade.

O que pode dizer aos líderes e aos seus colaboradores sobre os benefícios de apostarem neste “desenvolvimento pessoal e profissional”?
Aceitem fazer esta experiência de vida!!! Porque é disso que se trata. Serão eles próprios, estamos convictos disso, as únicas pessoas que poderão discernir, caso a caso, o que isso vai ser para cada um.

https://ver.pt/Lists/docLibraryT/Attachments/1329/hp_20111207_HumanizarAempresaPrecisaSe.jpg

Editora Executiva