Nos investimentos não é só o nosso dinheiro que está em jogo, mas também tudo o que ele pode originar: criação ou destruição de valor; aumento ou redução da pobreza, cuidado ou desprezo pelo nosso planeta. Que impacto tem o dinheiro que invisto? Que bem traz realmente?
POR ANTÓNIO FONTES
Quem tem a sorte de conseguir poupar no fim do mês depara-se com uma questão que não tem resposta fácil: o que fazer a esse dinheiro?
Uma parte da resposta é aparentemente fácil: pôr o dinheiro a render. Numa sociedade em que o preço das casas subiu vertiginosamente nos últimos anos, em que o emprego garantido para a vida deixou de existir, em que o custo dos filhos ainda é elevado e em que a reforma é cada vez menos uma garantia, o dinheiro poupado, se não for posto a render, dificilmente chega para aquilo a que a maioria das pessoas chama ‘qualidade de vida’.
A parte mais difícil, ou menos óbvia, é como pôr esse dinheiro a render. Desde que as taxas de juro dos depósitos ficaram a zeros que o dinheiro passou a ser, como publicitava um Banco há uns anos, como o Ronaldo: “parado não rende”. E com a chegada da inflação o dinheiro parado não só não rende como perde valor real. (As recentes notícias de que as taxas de juro devem subir nos próximos meses não animam ninguém: quem tem crédito à habitação irá pagar mais; quem é aforrador verá as taxas subirem para valores inferiores à inflação).
Investir no mercado de capitais surge então como uma alternativa óbvia. E cada vez é mais fácil fazê-lo, havendo inúmeras plataformas intuitivas, transparentes e com comissões muito atrativas. Ações, obrigações, fundos de investimento, ETF (apenas para referir os produtos mais simples), a escolha é imensa! E o ainda jovem mercado de criptoativos criou todo um novo mundo de investimentos para quem é atraído pela descentralização e não é avesso a muita volatilidade.
Onde investir?
O que mais pesa na hora de escolher onde investir é o risco associado ao produto e o retorno esperado. O investidor típico tudo fará para obter o retorno mais elevado possível dentro do grau de risco a que se quer sujeitar. É normal que assim seja, pois é o capitalismo a funcionar.
Só que este capitalismo totalmente entranhado em nós, com todas as virtudes que ele tem (e tem muitas!), traz precisamente este problema: a obsessão pela maximização e pelo crescimento. As famílias e os indivíduos procuram obter o máximo de rentabilidade e acumular riqueza. As empresas tudo fazem para maximizar o lucro e o retorno aos seus acionistas. Os Estados torcem-se e contorcem-se para fazer crescer a economia, muitas vezes tomando como indicador único o sacrossanto PIB. O foco no crescimento é tão grande que quando a variação do PIB é negativa, e em vez de se falar em decréscimo ou redução, fala-se em ‘crescimento negativo’.
Nenhuma destas coisas – a rentabilização, o lucro, o crescimento económico – é má por si. Pelo contrário, são coisas boas que permitem gerar riqueza e melhorar a vida das pessoas e das sociedades. Mas a obsessão pela maximização torna-nos cegos ao que se passa à volta – e isso é negativo. Daí que, no que à economia e ao Estado diz respeito, haja cada vez mais economistas como Kate Raworth, que defende uma posição agnóstica em relação ao crescimento económico, pois “precisamos de uma economia que nos faça prosperar, quer cresça quer não”. Se 2022 for um ano em que haja melhor distribuição de riqueza, melhores acesso a cuidados de saúde, melhor e mais educação, melhor cuidado dos ecossistemas naturais, mas não houver crescimento da economia, vamos dizer que é um mau ano?
Quanto aos indivíduos, eles próprios auto-impõem-se limites à maximização da rentabilização do seu capital. Dificilmente alguém investirá na compra de ações de uma empresa que se dedique ao tráfico humano. Mas se um fundo de investimento tiver participações em empresas com produtos indesejados (armas, tabaco, energias não renováveis) ou com práticas não desejáveis (como a exploração laboral) tal pode não ser detetado pelo investidor comum.
Por outro lado, e mais complexo, há a associação entre o investimento e os movimentos especulativos, que tanto mal podem causar. Ainda todos temos presente os efeitos do rebentar da bolha de 2008: pobreza, fome, desemprego, falências. Claro que não podemos dizer que os investidores particulares são os culpados pelas crises económicas que os movimentos especulativos provocam (aliás, o filme ‘A Queda de Wall Street” mostra bem como determinados agentes tiveram um papel demasiado crucial nessa crise). Mas a verdade é que vai havendo cada vez maior desconforto em ser participante destes movimentos especulativos.
Que alternativas?
Precisamos então de considerar o impacto que a aplicação do nosso dinheiro tem na sociedade e no planeta. É neste sentido que surgem os chamados ‘bancos éticos’, como o Triodos Bank. Criado em 1980 nos Países Baixos e presente em países como o Reino Unido e Espanha, o Triodos Bank apenas promove e dá crédito a empresas dos setores culturais, ambientais e sociais e os depositantes podem ver no site onde é que o seu dinheiro está a ser usado. O banco tem um modelo de governo que leva a que ninguém possa ter mais de 10% das ações e não está cotado em bolsa, para evitar especulação.
A banca ética ainda não chegou a Portugal. Mas o investimento ético – também chamado investimento de impacto – já cá anda. A Go Parity é uma plataforma de crowdlending que junta empresas que procuram financiamento a cidadãos que querem investir de forma sustentável. Cada projeto está alinhado com um ou mais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e os investidores podem ver na app o impacto que o seu dinheiro está a gerar em redução de CO2 ou em redução de consumo de energia.
Dentro dos produtos mais tradicionais, os fundos de investimento são cada vez mais ‘verdes’. Na Europa, o montante investido em fundos socialmente responsáveis cresceu cinco vezes de 2015 a 2020, tendo nesse ano chegado 1101 mil milhões de euros investidos. Em Portugal, já há Bancos que nas suas apps apresentam indicadores de sustentabilidade para os fundos que comercializam.
Bons vs. maus
Existem alguns estudos que mostram que os fundos socialmente responsáveis são tão ou mais rentáveis que os restantes fundos. Mas há dois potenciais efeitos perversos que podem sair daqui. O primeiro é o de rotular os produtos como bons ou maus. Os que não são “investimentos de impacto” também causam muitos e bons efeitos positivos na sociedade, que vão desde o incentivo à inovação até à criação de empregos e salários. Por outro lado, a História está cheia de exemplos de pessoas e projetos aparentemente bons que escondem realidades menos positivas. É por isso necessário que com o crescente interesse no investimento de impacto haja um escrutínio também mais rigoroso.
O segundo efeito é voltar a pôr-nos a pensar numa lógica meramente de maximização do valor individual. Ora, se há benefício que o investimento de impacto nos traz é precisamente o de mudar a nossa mentalidade, passando a querer conjugar uma legítima remuneração do nosso dinheiro com a preocupação gerar valor para a sociedade. Esta conjugação exige algum trabalho e cuidado, mas pode ser um caminho para um capitalismo com menos exageros e para uma sociedade (pelo menos um bocadinho) mais saudável.
António Fontes
António Fontes é Director de Inovação no Activo Bank e membro da ACEGE Next