POR PEDRO LOUPA
“Todas as utopias têm no seu centro uma das principais disfunções estruturais da velha consciência: aspirar à salvação no futuro. O futuro só pode existir na forma de pensamento, de tal forma que quando projectamos a salvação até ao futuro o que realmente fazemos é procurá-la na mente. Permanecemos presos na forma, e isso é ego” – Eckhart Tolle – escritor e educador espiritual
Utilizando este princípio da proposta que aqui expressa Eckhart Tolle, verificamos que o mesmo nos leva ao paradoxo de que não podemos alcançar a paz a partir de nenhum lugar remoto, em nenhum espaço sagrado ou num evento futuro. Somente no nosso espaço interior e neste preciso momento.
O Homem ambiciona a paz desde tempos imemoráveis. É essa procura de actos pacíficos perante múltiplos conflitos que tem a sua origem nuclear no ego dos seres humanos. A ideia de ter a razão sempre nos conduziu a lutas raciais, religiosas, de ideologias tanto políticas como económicas, a conflitos pelos recursos (água, petróleo e todas as demais commodities). Trata-se de uma epidemia que não pudemos ainda erradicar. Digamos que é uma epidemia mental, um verdadeiro problema mental.
Todavia caímos num erro constante: procuramos identificar os outros a partir do seu ego, não sendo isso mais do que uma projecção do nosso próprio ego tentando ter a razão na nossa própria forma de pensar. Nesta perspectiva, não pudemos solucionar os conflitos partindo dos muitos protestos contra a guerra ou os maus-tratos infantis, os extermínios raciais e religiosos ou as agressões e violência contra as mulheres.
Quando falo de Liderança Consciente não me refiro a uma cruzada ou uma luta contra algum tipo de liderança inconsciente que nos chega através das notícias de cada dia. Não se trata de mudar ninguém, nem de fazer campanhas para erradicar certas pessoas ou situações. Ainda que muitas vezes seja necessário actuar e prevenir, para protecção dos que não têm capacidade para fazê-lo ou para evitar males maiores.
A adopção de uma forma de liderar consciente é, por si só, a mais profunda forma de transformação interior de uma pessoa e do contexto em que se move. A forma como tudo se perspectiva agora, em especial com as medidas e sanções contra países e terroristas, o que provocou foi aumentar o conflito. A história é fértil em muitos casos onde não encontramos um êxito contundente de larga duração. A proliferação de armas não é mais do que o efeito daqueles que dizem que as querem erradicar, quando são eles mesmos os que mais investem na sua produção para, teoricamente, se defenderem de um inimigo que ajudaram a criar.
Como manifesta Eckhart Tolle, o ego alimenta-se de outro ego, pelo que enquanto nos ocupamos a queixar-nos, acusar e atacar a outro ego, o que estamos a fazer é a criar um novo conflito ou a alimentar o existente, ainda que acreditemos estar a fazer o oposto – que estamos simplesmente à procura da paz ou da justiça.
[quote_center]As normas da sociedade levam-nos a viver atados a muitas máscaras para poder sobreviver na selva dos juízos sobre o que somos ou deixamos de ser[/quote_center]
Basta ver como as acções contra a guerra, o cancro, as drogas, os touros, a pobreza (para citar algumas mediáticas) até agora não produziram um efeito prático importante. Porque não tratámos de observar conscientemente aquilo que estamos a fazer com essa guerra contra a mesma guerra.
É muito interessante entrar neste domínio e darmo-nos conta de que somos totalmente inconscientes sobre as consequências das nossas reacções e a forma como gerimos os nossos pensamentos e as sensações que se produzem sobre os acontecimentos experienciados.
O que é então um líder consciente?
É neste contexto que faz todo o sentido abordar uma liderança mais consciente. Não tenho uma definição clara de um líder consciente, porque se a dou de uma forma inequívoca sobraria pouco espaço para muitas mais possibilidades que neste momento não posso vislumbrar.
No entanto podemos abordar algumas características, tais como: um líder consciente tem a capacidade de escutar, e saber escutar implica que pode acontecer que algo não seja do seu agrado, que não esteja de acordo com algo, que algo seja surrealista e que o seu ego vá reagir perante uma barbárie ou ofensa.
O líder consciente permite-se sentir a dor ou o desconforto do que escutou e tomar essa responsabilidade. Ainda que não esteja de acordo, dispõe-se a ouvir outra versão, outro ponto de vista, outra ideologia. Trata inclusive, de ir mais além, de conhecer melhor o seu interlocutor, as suas experiências, a sua cultura, as suas raízes, os seus traumas, que seguramente são as bases do seu pensamento próprio, das suas ideias, das suas ideologias. E é aí que surge uma aprendizagem, uma compreensão, a empatia e a aceitação. Mesmo que não esteja de acordo, embora não siga esse caminho, pode aceitar que outros tenham versões diferentes sobre a forma de estar e de viver, e trata de encontrar pontos intermédios e estabelecer pontes.
O líder consciente é curioso, tem esse carácter de menino que gosta de descobrir tudo, não encontra nas rotinas uma desmotivação, e encontra sempre visões novas e frescas sobre a mesma situação, o que não é mais do que um novo acontecimento noutras circunstâncias.
O líder consciente é divertido e autêntico, permite-se expressar o seu sentido de humor, tem a capacidade de rir-se de si mesmo. Muitas vezes temos a convicção de que ao crescermos e sermos adultos a nossa postura deve alterar-se, que ser mais sérios nos leva a ser mais aceites por uma sociedade que confia mais na seriedade “facial” que na verdade de um sorriso livre e sincero. As normas da sociedade levam-nos a não ser nós mesmos e a viver em uma espécie de prisão, atados a muitas máscaras para poder sobreviver na selva dos juízos sobre o que somos ou deixamos de ser. O sistema rejeita os que saem dos padrões estabelecidos.
[quote_center]A paz não se encontra num plano estratégico, é responsabilidade de cada um[/quote_center]
O líder consciente inspira outros a serem líderes, a actuarem como líderes de si mesmos e das características que têm. Impulsiona a criatividade, a inovação, o espírito aberto a novas possibilidades.
O líder consciente promove o talento de cada um dos seus colaboradores e cuida-os, para proporcionar um espaço onde todos possam estar mais felizes e em harmonia.
O encontro com a paz
A colaboração surge de forma natural num ambiente onde a liderança consciente está presente. Não há risco de perder algo porque não existe a sensação de um ego que tem medo de perder o seu conhecimento, a sua posição ou os seus diplomas. Ser líder consciente não tem apenas que ver com a capacidade intelectual, mas também com a abertura para criar relações honestas e sinceras com os demais e estar em total conexão com a sua sabedoria.
Portanto, a paz não se encontra num plano estratégico, numa acção a realizar ou num evento determinado, mas antes faz parte de uma forma de estar, de uma atitude totalmente consciente com nós próprios, com as nossas emoções, as nossas reacções, com o nosso estado, a forma como nos alimentamos, descansamos ou gerimos a nossa energia.
A paz é a responsabilidade de cada um, é uma responsabilidade individual. O líder consciente sabe-o, está totalmente consciente disso. Porém, trata-se de algo do momento, de um só instante, não existe um evento futuro que seja a esperança da paz, a paz está aqui, presente em cada um.
A liderança consciente e todas as formas conscientes de encarar o líder e as organizações não são o futuro, já estão aqui, são uma realidade, são mais uma possibilidade a abraçar. É uma decisão individual. Não é uma decisão de um grupo nem de uma organização, é pessoal e totalmente livre. O nosso compromisso é com esta mera e única verdade.
O que esperamos para nos encontrarmos a partir de uma perspectiva mais aberta e consciente?
Co-fundador da HumanityE, mentor e formador em liderança consciente para C-suite em organizações nacionais e internacionais, e responsável do Business Science Network (BSN): Humanitarian, Human Rights and Reconciliation da Rede do Empresário. Autor do livro “12 pasos para ser líder consciente”.