A uma semana do XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC, que juntará líderes empresariais e académicos na discussão de novos modelos empresariais, que lutam contra a globalização da indiferença, buscando ao invés os princípios da reciprocidade, solidariedade e subsidiariedade, a organização do evento partilha os principais conceitos-chave que estarão em discussão de 22 a 24 de Novembro em Lisboa. Comum a todos os painéis, existem três requisitos distintos, mas complementares: a transformação pessoal do líder empresarial, a construção de culturas organizacionais mais humanas e os negócios que servem o bem comum
POR UNIAPAC
Traduzido e adaptado por Helena Oliveira

De acordo com os fundamentos da antropologia cristã – uma antropologia relacional – nenhum lucro é legítimo quando fica aquém do objectivo da promoção integral da pessoa humana, do destino universal dos bens e da opção preferencial para os pobres. Adicionalmente, este conceito indica também a pertinência das universidades e das escolas de negócios incluírem na sua formação uma compreensão mais abrangente da economia e das finanças à luz da totalidade da pessoa humana a qual evite a sua redução a uma ou apenas a algumas das suas dimensões, ou seja e neste contexto, a um mero homo oeconomicus.

Frequentemente e como sabemos, muitas considerações feitas no sentido de um discernimento ético relativo a alguns aspectos do actual sistema económico-financeiro concentram a sua atenção, e muito em particular, em críticas e em alterações proposicionais aos factores estruturais do sistema económico-financeiro. Não obstante, as características individuais dos principais actores e decisores do sistema – em particular os líderes de negócios económicos e financeiros e os participantes do mercado – têm um papel significativo enquanto catalisadores de um novo comportamento social: a forma como interagem com as estruturas existentes ou novas torna-se crucial na formulação de acções em busca do bem comum e na criação de acções baseadas nos princípios sólidos da solidariedade e da subsidiariedade.

Os conceitos subjacentes à vocação nobre da actividade empresarial que serão analisados no XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC têm como objectivo fornecer uma ênfase complementar a estes princípios, focando-se numa necessária transformação pessoal de todos aqueles que estão envolvidos no ambiente empresarial. Num sistema económico-financeiro dinâmico, com um ritmo extremamente rápido de mudança trazido pela inovação, pela criatividade e pelas comunicações instantâneas, regulações adequadas terão tendência a sofrer um atraso,independentemente de quão rápida for a adaptação a novas circunstâncias ou quão rapidamente determinados abusos se tornem conhecidos. Assim, uma auto-regulação com base numa performance empresarial assente em princípios é de importância extrema nestes casos, sendo que a conduta ética do líder empresarial se torna imprescindível para assegurar o respeito incondicional pela dignidade humana.

No âmbito do trabalho já desenvolvido e consistente com o tema do seu XXVI Congresso Mundial, a UNIAPAC pretende deixar uma marca global através da promoção da actividade empresarial enquanto uma vocação nobre. Os princípios subjacentes a esta visão assentam na convicção de que aqueles que se querem realmente envolver com esta filosofia deverão desafiar-se a si mesmos no sentido de lutarem por um propósito maior nas suas vidas, o que lhes permitirá servir verdadeiramente o bem comum, batalhando para aumentar os bens deste mundo e fazê-los acessíveis para todos. À luz desta convicção, existem três requisitos distintos nesta busca pela transformação da actividade empresarial numa nobre vocação: (1) a transformação pessoal do líder empresarial; (2) a construção de culturas organizacionais mais humanas e (3) os negócios que servem o bem comum. Estes três requisitos constituem as pedras basilares em torno das quais o programa do Congresso Mundial da UNIAPAC foi construído. Segue-se uma breve introdução aos três princípios em causa, os quais são transversais aos cinco painéis de debate que fazem parte do programa do Congresso a realizar na próxima semana em Lisboa.

  1. Uma transformação pessoal para assumir o negócio como um chamamento

Para que se sintam capazes de liderar a transformação da actividade empresarial numa nobre vocação, aos líderes empresariais é pedido que se comprometam seriamente com uma jornada pessoal que lhes permita desafiarem-se a si mesmos tendo em conta um propósito maior nas suas vidas, ou seja, adoptar uma visão mis abrangente do seu papel na sociedade indo mais além do que a mera busca do lucro de curto prazo para se transformarem em construtores do bem comum e promotores de um novo humanismo no trabalho. Quando os líderes empresariais se considerarem a si mesmos como agentes legítimos da mudança social contribuindo para a transformação da sociedade num mundo melhor, então serão capazes de fundamentar a sua missão empreendedora em valores chave: respeito pela dignidade humana, pela liberdade responsável, pela justiça, pelo Estado de direito e pelos direitos humanos, entre outros.

Adicionalmente, e tal como claramente expresso no documento A Vocação do Líder Empresarial [Conselho Pontifício Justiça e Paz] um dos mais gigantescos obstáculos entre os inúmeros que se colocam no caminho da realização do potencial que as empresas têm para se assumirem como forças para o bem na sociedade é o facto de vivermos uma vida dividida: a separação entre a fé professada por um líder empresarial e a sua vida profissional no dia-a-dia. Para um líder de negócios cristão, a vitalidade e a energia não devem ter origem apenas do respeito e adesão a um conjunto de mandamentos morais, mas antes a partir de uma experiência existencial, pessoal e concreta: o encontro diário com Deus. Um líder empresarial cristão irá certamente transformar o seu empenho em uma nobre vocação se, e quando estiver a tomar uma decisão empresarial, pergunta – e seguindo os preceitos do santo jesuíta chileno Alberto Hurtado – o que faria Cristo se Ele estivesse no meu lugar.

  1. A promoção da inclusão no negócio

Este painel terá como objectivo a reflexão sobre formas diversificadas de se lutar contra a globalização da indiferença por meio da qual e na maioria dos casos sem nos darmos conta, acabamos por nos sentir incapazes de sentir compaixão pelo clamor dos pobres, lamentar a dor de alguém, sentir a necessidade de ajudar quem precisa, como se tudo isso fosse a responsabilidade de outrem e nunca a nossa. Assim, os participantes destes painel irão discutir a necessidade da criação de mais oportunidades, para um número maior de pessoas, no sentido de estas  participarem na economia e dela beneficiarem, nomeadamente como melhorar as vidas de grupos de baixo rendimento envolvendo-os não só como consumidores de produtos e serviços, mas também enquanto produtores, aproveitando o seu potencial em termos de competências a ajudando-os a ultrapassar s barreiras que os impedem de contribuir para a economia e de melhorar as suas vidas.

Em termos de expectativas, a ideia é reflectir sobre as melhores formas de criar um ambiente laboral assente na reciprocidade e com base na solidariedade e a subsidiariedade, no qual as pessoas possam ser os próprios agentes que lutam pelo seu bem-estar; explorar formas que desbloqueiem novas fontes de emprego produtivo e que traduzam o crescimento económico em progresso alargado no que respeita a estilos de vida e uma prosperidade mais amplamente partilhada e, por fim, mas não menos importante, reconhecer que o mais eficaz e sustentável caminho para se sair da pobreza – particularmente que respeita à população activa – consiste num emprego produtivo e justamente remunerado, constituindo este o desafio para as empresas no sentido de identificarem formas para o tornar numa realidade.

A proposta de criar culturas organizacionais mais humanas é inerente a esta discussão, constituindo outro apelo para os líderes de negócios, ao qual exige que os papéis interpretados por todos os membros da empresa estejam assentes na concepção do negócio enquanto uma comunidade de pessoas que interagem com os demais stakeholders, não os encarando como instrumentos para atingir os objectivos da empresa, mas enquanto seres humanos. Ou seja, enquanto pessoas no mais amplo e profundo sentido do termo, com necessidades e expectativas aceitáveis, as quais a empresa se esforça por satisfazer levando-as em consideração nos processos de tomada de decisão.

  1. Inspirar uma performance assente em princípios orientadores

Incutir e promover uma cultura de responsabilização, integridade, confiança e comunicação é o objectivo deste painel, que apresentará exemplos práticos que visam melhorar a performance no mundo em acelerada mudança da actualidade, estimulando uma cultura com base em valores e comportamentos éticos. Abordar-se-á a importância de definir o mais elevado propósito da empresa, ou seja o ponto de partida para uma performance assente em princípios – assegurando que a sua missão, visão e valores orientem tudo o que a organização faz de forma a respeitar a dignidade humana e a servir o bem comum. Esta abordagem sublinha a importância de seleccionar, contratar e reter pessoas orientadas por estes princípios não só para ocupar os cargos de liderança da empresa, mas toda a sua força laboral. O painel servirá também para debater acções que assegurem que as pessoas certas recebem a informação certa na altura certa, que os objectivos certos sejam estabelecidos e que as acções e controlos certos sejam instaurados de forma a abordar a incerteza e a acção com integridade. Reflectir-se-á igualmente sobre a necessidade de se proporcionar os incentivos e recompensas para condutas desejáveis, em particular ao se enfrentar circunstâncias complexas e desafiantes.

Mais uma vez a construção de culturas organizacionais mais humanas será um ponto comum também neste painel, com particular chamada de atenção aos líderes empresariais e à urgência de estes se tornarem em exemplos a seguir, nos esforços que terão de levar a cabo para incutir uma cultura assente nos princípios da dignidade humana e do bem comum. Ao se construir um local de trabalho onde todos os membros dessa mesma comunidade organizam o seu trabalho mediante formas que correspondem aos princípios da subsidiariedade, estimula-se o espírito de iniciativa e aumenta-se a competência dos empregados que passam a ser considerados co-empreendedores e que se vêem a si mesmos como co-criadores.

  1. Impulsionar negócios que criem um impacto positivo no Bem Comum

Este painel tem como ideia principal o facto de as empresas na actualidade terem um papel muito mais activo em lidar com as alterações socioeconómicas de forma a abordar os desafios globais que o mundo enfrenta. O debate será centrado sobre as formas possíveis que as empresas têm para apoiar a implementação de políticas que contribuam para um crescimento inclusivo, sustentável e sustentado, contribuindo para a criação de postos de trabalho de qualidade e para uma economia mais inclusiva com melhores mercados laborais, uma maior consciencialização ambiental e uma implementação tecnológica mais ética.

O painel prestará atenção especial às práticas organizacionais necessárias para assegurar que o negócio serve para melhorar a sociedade e que os líderes empresariais orientam os seus negócios tendo como base uma bússola ética. O painel explora ainda a o significado aprofundado dos três Gs  (em inglês, Good Goods, Good Work e Good Wealth) , discutindo de que forma esta trilogia pode ser adequadamente ordenada para servir como motor económico da sociedade e ter um papel crucial na geração de prosperidade material para números alargados de pessoas, explicando, em contrapartida, que quando esta ordem não é cumprida, se falha na mitigação da pobreza e, em conjunto, se aumenta a exclusão de muitos no que respeita à prosperidade.

Empresas que servem o bem comum é o resultado encontrado quando se cria valor de longo prazo para os clientes, empregados, accionistas e sociedade. Consequentemente e para que os negócios possam servir o bem comum, uma cultura organizacional mais humana assume-se como um pré-requisito para tal. Para além da importância do princípio da subsidiariedade – crucial para a construção de locais de trabalho que funcionem como fonte de desenvolvimento integral – é também o princípio de ir ao encontro das necessidades do mundo com bens que são verdadeiramente bons e serviços que realmente servem, sem esquecer, e sob o espírito da solidariedade, as necessidades dos mais pobres e vulneráveis, sendo que subjacente a este conceito está o princípio da criação da riqueza e a sua justa distribuição.

  1. Abordar os desafios do futuro do trabalho

Imaginar o trabalho do futuro e reflectir sobre o novo contexto laboral – enquanto um importante impulsionador da justiça social – é o enfoque deste painel e à luz de um conjunto de dimensões críticas: crise ecológica, social, demográfica, migratória e alterações tecnológicas. A discussão centrar-se-á nos requisitos do “trabalho decente para todos”, à luz dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030, em particular o nº 8: “Promover o crescimento económico, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos”.

O futuro do trabalho é primordialmente sobre as pessoas e não apenas sobre inteligência artificial, automação, computação cognitiva, robótica, etc., o que significa que o painel não se concentrará apenas no impacto das tecnologias no local de trabalho, mas também na diversidade, nas mudanças geracionais, na aprendizagem ao longo da vida, na reinvenção dos trabalhadores, na ética do trabalho, entre vários outros temas conexos.

O painel visa assim abordar os desafios que se colocarão aos líderes empresariais que cumprem a sua missão num mundo crescentemente interconectado e onde a compreensão mútua e a harmonia serão mais importantes do que nunca, sendo que os mesmos deverão colaborar em todas as fronteiras culturais e organizacionais e almejar a um consenso e compromisso entre grupos com diferentes perspectivas e valores.

O XXVI Congresso Mundial da UNIAPAC conta com um conjunto de 30 oradores, provenientes das mais diversas esferas organizacionais e académicas e de distintas geográficas. Terá lugar na Universidade Católica Portuguesa de 22 a 24 de Novembro.

Editora Executiva