Traços de personalidade específicos como o maquiavelismo, o narcisismo e a psicopatia. Cultura e climas organizacionais que potenciam os maus comportamentos éticos. Lideranças destrutivas e tóxicas. Valor excessivo atribuído ao lucro, pressão para os resultados ou a competição interna e de mercado. Todos estes factores propiciam a existência de má conduta nas organizações. Para os evitar, há que os saber identificar, compreender e agir para os mitigar
POR HELENA OLIVEIRA
As questões éticas continuam a estar no centro do ciclo de notícias há já muitos anos. Desde o caso da Deepwater Horizon, aos Panama Papers ou ao escândalo da Libor, a ética e a adequação nas decisões por parte dos líderes de negócios seniores transformou-se num tópico de debate real e persistente. E é cada vez mais claro que os códigos de conduta por si só não são suficientes para suprir o fosso existente entre os valores declarados e as acções reais. Ao invés, há que reflectir na natureza dos lapsos éticos e perceber, de forma aprofundada, de onde estes provêm, em que é que consistem e de que forma são transmitidos.
Esta atenção na ética foi particularmente “recuperada” depois da crise financeira de 2008, com muitas organizações a renovarem o seu enfoque na transparência, na governança corporativa e na reconstrução da confiança. E a mesma tem andado de mãos dadas com desenvolvimentos na regulação voluntária e estatutária também. Mas, e apesar destes progressos, os escândalos corporativos persistem.
Lidar com as causas de comportamentos não éticos deverá ser sempre um prioridade para as empresas mas, para o fazerem de uma forma eficaz e com significado, é necessário compreender o porquê e o como é que os mesmos ocorrem nos locais de trabalho. Não existe nenhuma receita mágica para erradicar estes maus comportamentos, mas através de uma melhor percepção do que influencia a tomada de decisão e o comportamento das pessoas, as empresas poderão agir com base em melhores evidências para os combater.
Um relatório publicado pela organização britânica CIPD, especializada em RH e comprometida, em vários pontos do globo, a oferecer conhecimento sobre a realidade laboral aos seus 150 mil membros, tem como principal enfoque investigar de que forma os empregadores podem estimular o comportamento ético nas suas organizações. Para o fazer, o CIPD avaliou um extenso conjunto de literatura, sublinhando de que forma o comportamento ético é definido na investigação académica, mas também na prática, e oferecendo uma visão global das várias formas em que o mesmo se pode manifestar no local de trabalho. O relatório discute de seguida as evidências analisadas na pesquisa em cinco áreas que, potencialmente, influenciam o comportamento ético no trabalho: diferenças individuais, cultura e clima organizacionais, liderança, factores situacionais e códigos de conduta, comunicação e formação.
O estudo sintetiza vários factores que influenciam o comportamento não ético no local de trabalho, com base numa meta-análise de 136 estudos que abrangeram um total de 43,914 pessoas, e de acordo com a seguinte ordem:
- As denominadas “maçãs podres” ou os factores individuais, que têm um impacto negativo na ética do trabalho. Os comportamentos não éticos, incluindo o desenvolvimento moral cognitivo, a filosofia moral relativista ou idealística, os traços de personalidade e o “locus de controlo” [a crença de que se consegue controlar os eventos que nos afectam], os quais nos dizem até que ponto atribuímos a responsabilidade pelos nossos actos a nós mesmos ou a uma fonte externa;
- Os “maus barris”, ou os contextos organizacionais, que oferecem pistas importantes para os empregadores no que respeita a que tipo de comportamento é aceitável no local de trabalho.
- E os chamados “casos maus”ou os factores situacionais que influenciam o comportamento não ético, geralmente centrados na “intensidade moral”, por exemplo, quão claras são as consequências éticas destes comportamentos e quão prováveis e sérias essas mesmas consequências são, em conjunto com o grau de concordância entre pares sobre o quão errada é a acção;
Vejamos cada um deles.
Maçãs podres: diferenças individuais e comportamento não ético
Um conjunto de características individuais pode afectar a forma como as pessoas se comportam eticamente, em particular no que respeita à sua personalidade e ao seu estado de espírito.
Os traços de personalidade ligados aos comportamentos não éticos integram uma “tríade negra”, composta pelo maquiavelismo, pela psicopatia e pelo narcisismo. As pessoas com graus de maquiavelismo tendem a ter um desprezo pela moral e uma forte vontade de manipular e enganar os outros. O narcisismo, por seu turno, está mais relacionado com níveis elevados de orgulho, níveis baixos de empatia e um forte egocentrismo. Já a psicopatia integra comportamentos impulsivos, anti-sociais e a ausência de remorsos. E as pesquisas sugerem que um individuo que possua estes traços tem maiores probabilidades de agir de forma não ética. Por exemplo, alguém com uma empatia baixa e um “grande ego” tem tendência a descomprometer-se com os aspectos morais de uma decisão, especialmente se o benefício for para si mesmo.
Para além destes traços de personalidade “negros”, existem também outros “cinco grandes” traços de personalidade que estão igualmente ligados aos comportamentos não éticos.
Especificamente, o comportamento não ético é mais comum entre as pessoas que têm um locus de controlo externo, ou seja, a tendência de menosprezar os acontecimentos e colocá-los sobre a alçada de outrem e minimizar a sua própria responsabilidade. Presumivelmente, aqueles que têm este traço racionalizam o comportamento não ético como se este estivesse fora do seu controlo, com frases como “não estava nas minhas mãos” ou “tinha as mãos atadas”. E a ligação é ainda mais forte quando estes indivíduos recebem feedback negativo relativamente a uma situação ou tarefa.
A susceptibilidade em relação à pressão dos pares está igualmente ligada ao comportamento não ético. As pessoas que são impulsivas têm maiores probabilidades de concordarem com pedidos não éticos feitos por um gestor ou supervisor, sendo que um das explicações aponta para o facto de terem menos força de vontade ou autocontrolo para dizerem que não a situações não éticas. O mesmo acontece com indivíduos que sentem uma enorme necessidade de pertença a um grupo. Um dos estudos analisados comprovou que quando uma pessoa sente uma forte necessidade de inclusão, tem maior propensão para agir não eticamente quando se sente excluída. Por fim, a competitividade e o desejo de aumentar o status no interior de um grupo consiste também num factor de risco para a ética. Os indivíduos competitivos mostram uma maior tendência para desvirtuar o seu trabalho ou sabotar o de outrem, em particular se estiverem a par da performance dos outros.
Todavia existem também outros traços de personalidade que “amortecem” os comportamentos não éticos. As pesquisas demonstram, por exemplo, que os indivíduos autoritários são melhores a resistir à pressão feita pelos seus supervisores para se comportarem mal, presumivelmente porque são também mais confiantes. Outro factor de protecção é a auto-estima, com as pesquisas a sugerirem que as pessoas que a têm elevada são menos propensos a envolverem-se em comportamentos contraproducentes no local de trabalho.
Por último, o sistema de valores dos indivíduos relativo à moral e à ética também influenciam os comportamentos errados. Alguns indivíduos colocam mais valor na preocupação com os pares e com os stakeholders, independentemente das circunstâncias, enquanto outros optam pela visão situacional. Especificamente, as pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo moral demonstram que aqueles que são menos moralmente desenvolvidos têm uma maior preocupação com o seu auto-interesse e são também mais propensos a agir de forma não ética. Por seu turno, as pesquisas sugerem que aqueles que têm uma boa auto-estima e que valorizam a honestidade agem em concordância, em parte porque desejam manter a sua auto-imagem positiva.
Adicionalmente e tal como os aspectos relativamente fixos da personalidade, também os estados de espírito e as emoções, que compõem diferentes “estados afectivos”, podem influenciar igualmente os comportamentos não éticos. As pessoas com elevados níveis de frustração têm maiores probabilidades de obedecer a pedidos por parte dos seus supervisores que tenham uma base não ética, ao contrário das pessoas mais entusiastas.
O medo, a frustração e a felicidade são estados passivos em que as pessoas têm tendência para seguir um curso de acção que reduza esse medo e frustração e que mantenha os níveis de felicidade. Assim, as pessoas têm maior tendência para se conformarem, evitarem decisões arriscadas e optarem por menos resistência num esforço para acautelarem futuros resultados desagradáveis (mais medo e/ou frustração) ou para manterem o estado de espírito (que é o caso da felicidade). Experienciar um estado afectivo positivo activo como o entusiasmo significa que as pessoas são mais resistentes a lideranças destrutivas e a pressões para a obediência por parte de supervisores, simplesmente porque têm mais confiança. E esta realidade está em linha com as conclusões anteriores que afirmam que se os empregados se sentem confiantes e podem influenciar os resultados e assumir a sua responsabilidade, então estarão melhor posicionados para resistir à pressão para se comportarem de forma não ética, ao mesmo tempo que são menos vulneráveis a uma liderança destrutiva.
Mesmo nos casos em que a personalidade influencia o comportamento ético, essa influência não é fixa. Por exemplo, o presente estudo concluiu que a cultura organizacional e a liderança moderada amortecem a relação entre os traços da “tríade negra” e o comportamento não ético. Factores específicos incluem as mensagens que os líderes transmitem aos empregados, no sentido de que o dever e a lealdade para com a organização são valores importantes. E apesar de os empregadores não serem capazes de seleccionar os seus empregados de forma a evitarem esses mesmos traços, o enfoque no clima da organização pode ajudar a reduzir os comportamentos não éticos que têm origem na personalidade.
Existem assim evidências que demonstram que as diferenças na personalidade, no desenvolvimento moral e nos estados de espírito afectam a propensão dos empregados para levarem a cabo comportamentos não éticos.
Os “barris maus”: cultura, clima e liderança
Uma explicação comum para os escândalos empresariais é a de que os mesmos estão enraizados numa cultura problemática de uma organização ou indústria. Ou seja e geralmente, quando algo desta natureza acontece é costume afirmar-se que a culpa foi da cultura. Todavia, esta explicação em nada ajuda se não tivermos uma visão clara do que significa, realmente, uma cultura organizacional, sendo que é útil também fazer-se uma distinção entre “cultura” e “clima”, apesar de serem dois conceitos intimamente relacionados. Assim, a ideia de clima ético diz respeito às normas sociais, ou seja, à compreensão partilhada do que significa “um comportamento correcto e de que forma as decisões éticas devem ser tratadas na organização”. Por outro lado, a cultura ética diz respeito aos “sistemas, procedimentos e práticas que orientam e apoiam o comportamento ético” nas organizações.
O clima e a cultura ética sobrepõem-se e ambos podem ser avaliados. Assim, em qual dos dois devem as organizações concentrar-se? O estudo em causa defende que as medidas de clima ético são mais “poderosas” – ou seja, que explicam melhor o comportamento no local de trabalho – e que facilitam as percepções das práticas vigentes. E é comum, na literatura sobre ética, distinguir-se três tipos de climas éticos. Os climas egoístas ou instrumentais, nos quais a acção de acordo com o auto-interesse é a norma; os climas benevolentes, nos quais se espera que se aja de acordo com os interesses dos outros e os climas com “princípios”, quando a observância das regras e das regulações é a norma.
A formulação de normas éticas é essencial para assegurar o comportamento ético. E, para que tal seja eficaz, as referências à “cultura” precisam de ser concretas e específicas. Um bom ponto de partida é identificar os aspectos acima mencionados relativos ao clima ou às normas sociais no interior de uma organização e reconhecer que o enfoque na cultura deverá dar origem a mais, e não a menos, sistemas e processos. E os empregadores poderão depois debruçar-se sobre que forma é que a liderança, as práticas de gestão e as intervenções dos RH podem moldar o clima ético para melhor.
Uma das formas fundamentais através da qual as organizações formulam o clima organizacional é através da liderança. Um líder ético e movido por um propósito pode ser caracterizado como alguém que não só demonstra um enorme compromisso da empresa em relação aos seus stakeholders, como também influencia o resto da organização a fazer o mesmo. A forma como os líderes dão o exemplo e expressam as suas ideias sobre a ética dá origem à criação de normas sociais que definem que tipo de comportamento é aceitável e recompensado. Uma liderança ética eficaz inclui não só esta oferta de um exemplo a seguir, como também o agir com respeito e cuidado em relação aos outros. As pesquisas sobre a forma como os “seguidores” percepcionam os seus líderes – quando estes são moralmente correctos – sugerem que existe uma maior propensão para que os primeiros se comportem eticamente, “seguindo” o líder.
De forma inversa, as pesquisas sugerem também que a liderança destrutiva – descrita como hostil, culpabilizadora e por outros comportamentos negativos – se correlaciona com um comportamento contraproducente por parte dos seguidores. O mesmo acontece com supervisores abusivos, os quais aumentam o risco dos empregados agirem de forma não ética, em especial aqueles que possuem traços maquiavélicos e estão menos preocupados com a moral vigente.
É manifestamente claro que os climas éticos constituem uma importante “armadura” para mitigar os riscos de comportamento não éticos. Um ambiente cooperativo e colaborativo, que encerra valores éticos fortes, irá minimizar o risco de os empregados seguirem caminhos não éticos. Por outro lado, os ambientes de trabalho tóxicos oferecem um enquadramento de referências negativo para os colaboradores e, em particular nas organizações que conferem um valor demasiado elevado ao lucro, as preocupações éticas podem não ser uma prioridade na tomada de decisão. Assim, estes climas negativos exacerbam os riscos associados às práticas não éticas.
Adicionalmente, as pesquisas realizadas evidenciam a natureza “contagiosa” dos comportamentos não éticos, ou seja, se os empregados se habituam a assistir a ocorrências não éticas sem que haja punição para as mesmas, estas acabam por se transformar no “novo normal”.
Factores situacionais
As responsabilidades, tarefas e interacções particulares que envolvem um posto de trabalho afectam muitos aspectos da vida profissional. E o que daqui decorre inclui se a função tem demasiada pressão ou se é interessante, o grau de compromisso que os empregados sentem em relação ao seu trabalho, o quão responsáveis se sentem pelas decisões que tomam e a natureza dos seus relacionamentos profissionais. E a pesquisa demonstra a existência de um conjunto de factores situacionais que afectam a probabilidade de comportamentos não éticos.
A competição, por exemplo – seja no interior da organização ou no mercado alargado – pode influenciar o comportamento não ético, tal como é comprovado em estudos experimentais baseado em cenários hipotéticos de competição nos mercados. E um dos estudos em causa sugere que os indivíduos se sentem mais inclinados a envolverem-se com comportamentos não éticos “pró-organização” quando a sua empresa está em concorrência com outras organizações. Um outro estudo comprovou também que quando transgressões hipotéticas conduzem a ganhos para uma empresa, os sujeitos escolhem medidas disciplinares menos severas para os perpetradores.
Os factores situacionais podem ser particularmente relevantes quando existe algum ganho pessoal para os empregados. Por exemplo, estudos comprovam que a motivação dos indivíduos para aumentar o seu status de performance poderá levá-los a sabotar o trabalho dos demais ou a desvirtuar o seu próprio, em particular quando a performance dos colegas é conhecida e clara. Ou seja, a competição interna, em casos em que a perspectiva de um bónus ou de um aumento de salário é afectada pela performance de outros, pode exacerbar também o comportamento não ético.
Também a pressão no trabalho é factor que influencia a ética. Por exemplo, objectivos de performance difíceis de atingir e a pressão dos prazos tornam a falta de ética mais provável. Quando os empregados não têm os recursos necessários e sentem escassez de tempo, tal não afecta somente o seu bem-estar e motivação, como aumenta também os riscos para se comportarem de forma não ética.
Um outro importante factor situacional está relacionado com a natureza da própria decisão ética, em particular tendo em conta o resultado potencial para outros. Quão provável é que um determinado comportamento não ético tenha impactos negativos? Quão brevemente é que estes poderão ocorrer? Quão sérias serão as consequências? E é a “vítima” deste acto imoral conhecida ou desconhecida? O conhecimento da probabilidade, escala e efeitos de proximidade afectam também a probabilidade da tomada de decisão não ética.
Não é também surpreendente o facto de os comportamentos não éticos serem influenciados pela probabilidade de as pessoas virem a ser apanhadas ou não. Mas se existir monitorização e responsabilização individual pelos resultados das decisões, a possibilidade de se incorrer em comportamentos não éticos é menor. Apesar de os sistemas de monitorização poderem provocar erosão da confiança, não existem dúvidas que podem ser eficazes para reduzir a falta de ética.
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