POR HELENA OLIVEIRA
“Encontramo-nos numa retoma cíclica que tem vindo a tomar forma ao longo de vários anos desde a crise financeira. As pessoas tornaram-se muito mais optimistas. Penso que na maior parte das regiões do mundo, os CEO acreditam que as mudanças nas políticas irão continuar a aumentar o crescimento”, Glenn Hubbard, economista e deão da Columbia Business School
“Será esta uma verdadeira retoma ou apenas um episódio de curto prazo? Historicamente, quando existe uma verdadeira transição para a prosperidade, toda a gente a sente. Espero que os CEO não acreditem que esta recuperação seja permanente. É apenas uma pequena bolsa de ar que precede o regresso de tempos difíceis. Para uma retoma duradoura, precisamos de um contexto de mudança deliberada e mais abrangente”, Carlota Perez, historiadora económica
Uma visão de optimismo puro e outra da denominada exuberância irracional. É assim que dois dos especialistas, entre vários escolhidos para comentar os resultados do 21st Global CEO Survey anualmente desenvolvido pela PricewaterhouseCoopers (PwC), olham para a dicotomia presente nas respostas de 1293 executivos de topo entrevistados sobre as perspectivas que têm para o ano de 2018. E, face à pergunta dos muitos milhares de milhões de dólares – será que o crescimento económico global irá melhorar ao longo do presente ano? – de sublinhar, para já, que a mesma bateu um recorde absoluto desde que é incluída no inquérito em questão: desde 2012 que os CEO não se mostravam tão optimistas relativamente aos ventos económicos, mesmo que refreiem o seu entusiasmo face ao crescimento das suas próprias empresas. É que apesar deste optimismo de curto prazo face à economia global, a esmagadora maioria dos inquiridos, de todas as partes do mundo, confessa também alguns níveis de ansiedade face a ameaças aos seus próprios negócios, a outras de cariz económico e, sobretudo, aos riscos societais que assombram não só o mundo em geral, como as suas organizações.
Este nível de optimismo sem precedentes que é ilustrado pela percentagem de CEO que acreditam piamente que a economia vai melhorar – de 29% em 2017 para 57% em 2018 –, não se limita a ser um fenómeno macroeconómico, visto que é partilhado por todas as regiões do globo e tem como “explicação” óbvia os bons indicadores que fizeram de 2017 o melhor ano em termos económicos globais desde 2010.
A maioria das grandes economias mundiais está a viver um bom momento económico, contrastante com os dos últimos anos: a Rússia e o Brasil, por exemplo, cujas economias se encontravam em recessão, estão a recuperar, os países do sul da Europa começam a sentir-se menos estrangulados – Portugal é um bom exemplo – a China está novamente no bom caminho e até o Reino Unido, apesar do seu abrandamento, ainda não está a sofrer um impacto severo devido ao Brexit. Todavia, é nos Estados Unidos, e com a agenda manifestamente pró-negócios de Donald Trump, que o clima é mais eufórico, graças em particular à diminuição da carga fiscal para as empresas e de passos atrás em termos de regulamentação, os quais têm contribuído para elevar a confiança empresarial a novos máximos e a diminuir as taxas de desemprego para novos mínimos.
Não é assim de espantar que na América do Norte (que, no estudo, inclui os Estados Unidos e o Canadá), cerca de dois terços dos CEO auscultados afiancem acreditar na melhoria da economia global e considerem que estão “extremamente confiantes” no crescimento das receitas das suas próprias organizações. Nas demais regiões, porém, a precaução impera face aos resultados “em casa própria” e o próprio estudo alerta para que esta exuberância por parte dos CEO norte-americanos em muito faz lembrar o clima de euforia que reinava em 2007 e que culminou na crise que todos conhecemos.
Já no que respeita aos mercados geográficos mais apetecíveis, os Estados Unidos continuam a ocupar a posição cimeira – com 46% dos CEO globais a considerá-los como um dos três principais países para os seus investimentos, seguido pela China, com 33% e com a Alemanha a fechar o top 3. Apesar das incógnitas que ainda rodeiam o Brexit, o Reino Unido mantém-se firme no quarto lugar e a Índia substitui o Japão como o quinto mercado mais atractivo do mundo.
De acordo com o especialista em negócios e reconhecido autor Ram Charam, os três factores que mais favorecem os Estados Unidos como mercado mais sedutor são os seguintes: “em primeiro lugar, não existe nenhum outro país com melhores mecanismos de financiamento de riscos ou angariação de capital; em segundo, a tecnologia robótica está a avançar rapidamente, o que baixa os custos laborais, outrora um factor restritivo; e, por último, o terceiro está relacionado com o crescimento que, rondando os 3%, assume-se como um factor de extrema importância”, afirma. Apesar de alguma escassez de talento, os Estados Unidos mantêm-se como o território onde trabalhadores com elevadas competências continuam a ser os melhores do mundo, sendo que os cortes fiscais empresariais em muito ajudam o investimento directo estrangeiro, especialmente no que respeita aos países europeus e por parte do Japão.
Preocupações dos CEO são “existenciais”
A par com o já mencionado optimismo não deixa de existir uma igualmente generalizada ansiedade bem explícita nas respostas dos executivos de topo quando questionados sobre os principais motivos que lhes tiram o sono. Cada região reporta um conjunto diferente de ameaças, mas existem algumas que são comuns, nomeadamente as que estão relacionadas com questões societais – como a incerteza geopolítica (3º), o terrorismo (2º) e, pela primeira vez neste top 15, as alterações climáticas (9º) –, sendo que os riscos directos para os negócios, como a alteração de comportamentos por parte dos consumidores ou a entrada de novos players no mercado não se distinguem como merecedores de preocupação. Como refere o próprio relatório, “as preocupações que incomodam os CEO são crescentemente existenciais”.
Comparativamente a 2017, o excesso de regulação continua a encimar o ranking das inquietações, com as “ciber-ameaças” a galgar um conjunto significativo de lugares (estão agora em 4º), ao que se segue a disponibilidade de competências chave e a velocidade das alterações tecnológicas. O populismo estreia-se também neste ranking, ao que se junta a instabilidade social. Já a maior “queda” é representada pela incerteza quanto ao crescimento económico (2ª posição em 2017 e 13ª em 2018), sendo que a ausência de confiança nos negócios nem sequer aparece nos 15 principais temores dos CEO auscultados.
Aliás, são as ausências de alguns factores dignos de potencial preocupação que fazem notícia neste relatório. Nomeadamente o número reduzido de CEO que afirma estar preocupado com “potenciais escândalos éticos” – e tendo em conta o número crescente de empresas que, no último ano, sofreu danos reputacionais graves devido a lapsos desta natureza -, o facto de, e apesar do Brexit e globalmente, os líderes inquiridos não se mostrarem demasiado apreensivos com “o futuro da zona euro”, com particular destaque para os representantes da Europa Ocidental que, surpreendentemente, são os que menos receosos se mostraram face a esta realidade.
Mais uma vez, o inquérito da PwC sublinha outro tipo de inquietações, dominadas por mudanças abrangentes no que respeita aos riscos societais e incertezas geopolíticas. Os que mais se destacam incluem os desenvolvimentos relacionados com a tecnologia – os já anteriormente citados ciber-riscos, velocidade da mudança tecnológica e a disponibilidade de competências chave – os quais podem ser “embrulhados” no pacote das promessas e perigos da Inteligência Artificial (IA): ultrapassada a barreira da ficção científica, a IA é uma realidade e, de acordo com estimativas da própria PwC, esta irá contribuir com cerca de 15,7 triliões de dólares para o PIB global até 2030, um valor nada despiciendo para a economia, mas com custos difíceis de contabilizar para aqueles que não a conseguirem acompanhar.
Na Europa Ocidental, o populismo assume-se como preocupação dominante (42%), seguido pelo excesso de regulação (35%), pela incerteza geopolítica (34%), pelas ameaças cibernéticas (33%) e pelo terrorismo (32%). De sublinhar igualmente que, este ano, a “preocupação extrema” com as alterações climáticas mais do que duplicou face ao ano anterior.
Globalização com muitas promessas por cumprir
Apesar de continuarem a reconhecer os benefícios da globalização, nomadamente em áreas específicas como a “conectividade universal” e a facilidade do movimento de capital, pessoas, bens e informação, os líderes empresariais têm consciência que os seus resultados – e partindo da sua definição enquanto processo de integração gradual global – estão muito aquém do que seria desejável. Mas também sobre esta temática as opiniões são divergentes. No geral, e quando questionados se a globalização ajudou a “fechar o fosso entre ricos e pobres”, 40% dos inquiridos respondem com um “não, de todo”, com 30% destes também a negar a sua eficácia no que respeita à mitigação das alterações climáticas e à escassez de recursos. Por outro lado, um em cada quatro CEO afirma igualmente que a mesma não ajudou a melhorar a “integridade e eficácia dos sistemas fiscais globais” e que o pleno emprego continua a ser mais uma miragem do que uma realidade. Os mais optimistas são os respondentes da região da Ásia-Pacífico, com 70% a afirmar que, de alguma forma, a globalização serviu para diminuir as clivagens entre ricos e pobres e com 27% a expressarem uma opinião positiva relativamente aos seus efeitos nas alterações do clima, o que representa o dobro da proporção dos que consideram o mesmo nas demais regiões e nove vezes a percentagem de respostas positivas geradas na América do norte.
Todavia, a principal conclusão a reter desta avaliação remete para o facto de o mundo se estar a afastar dos ideais outrora imaginados, em particular no que respeita a um mercado verdadeiramente global, com as esferas do ciberespaço e da integração corporativa a constituírem as que mais facilmente se aproximam de um modelo global em detrimento do que acontece no universo físico e geopolítico.
A verdade é que a maioria dos CEO acredita que o mundo está a caminhar para direcções opostas e divergentes, no sentido de sistemas de valores e legais múltiplos, de blocos comerciais regionais crescentes, em conjunto com a ascendência de nacionalismos e modelos económicos diversos.
Como refere o relatório da PwC e à medida que muitos políticos e decisores pertencentes aos maiores poderes económicos olham crescentemente para os seus umbigos, também o modelo de inovação global há muito abraçado pelas multinacionais líderes – e que é baseado no fluxo livre de informação, capital e talento transfronteiriço – parece estar em risco. A consultora internacional cita ainda um outro estudo – o 2017 Global Innovation 1000 Study – no qual 52% dos respondentes afirmaram acreditar que os nacionalismos económicos terão um impacto moderado ou significativo nos esforços de I&D das suas organizações, substituindo as redes integradas e independentes que hoje subsistem, as quais passarão a ser cada vez mais isoladas.
Adicionalmente, uma das áreas na qual esta fragmentação se assume, pelo contrário, como um bem-vindo desenvolvimento, reside na forma como se avalia a prosperidade global. Na verdade, é também cada vez mais significativo o número de CEO que reconhece que o mundo se está a afastar das tradicionais medidas de avaliação meramente financeira, como o PIB, e a olhar para outro tipo de métricas, multifacetadas, de que são exemplo os índices de qualidade de vida, já integrados em vários países e particularmente bem-vindos na América Latina, mas com os Estados Unidos a liderarem a “velha forma” de medir a prosperidade, mantendo-se fiel aos resultados do PIB. Todavia, é crescente a tendência para que estas novas métricas ganhem terreno nos anos que se avizinham.
Qual o papel dos CEO num mundo economicamente mais estável mas socialmente periclitante?
O estudo levado a cabo pela PwC este ano revela uma tendência clara: um desajustamento crescente entre o crescimento económico global, por um lado, e o progresso social, por outro. Como sublinha o presidente global da consultora, Bob Moritz, ao longo das últimas décadas, ambos andaram de mãos dadas, com as economias de mercado a prosperarem, bem como os cidadãos que as integravam. Os três principais motores deste desenvolvimento – a globalização, os avanços tecnológicos e o enfoque financeiro (com uma visão do valor baseado no PIB e no retorno para os accionistas) – impulsionaram um ciclo virtuoso que retirou milhares de milhões de pessoas da pobreza, prolongou a esperança média de vida um pouco por toda a parte e facilitou uma troca sem precedentes de conhecimento e talento que originaram elevados níveis de produtividade e inovação.
Todavia, e ao longo da última década, temos vindo a assistir a um fosso crescente entre os beneficiários desta mesma prosperidade, com resultados visíveis nas políticas desagregadoras dos tempos actuais. E são demasiadas as pessoas, em diferentes partes do globo, que sentem que estão a ser deixadas para trás por um sistema que já nem sequer é capaz de prometer, quanto mais cumprir, uma vida melhor para si e para os seus filhos. Se é certo que os líderes empresariais têm uma palavra a dizer – e algo podem fazer – para diminuir esta divisão crescente, a PwC apresenta quatro possíveis abordagens que passamos a sintetizar.
- Adopção de novas medidas de prosperidade que vão mais além do crescimento económico e que tenham em linha de conta o progresso social
Apesar da importância, para qualquer economia de mercado, da avaliação da sua performance financeira, são cada vez mais os executivos de topo que concordam em complementar medidas como a do PIB e o valor para os accionistas com outro tipo de indicadores que tenham em consideração o progresso social. E são muitos também aqueles que já estão a explorar activamente métricas alternativas que avaliam a saúde a longo prazo das organizações que lideram, bem como as comunidades que servem, com os próprios conselhos de administração a facilitar essa mudança através de novas questões qualitativas e não quantitativas. Que medidas estão a ser tomadas relativamente à captura e retenção do talento? Que quota-parte está a ser dedicada à inovação? De que forma é que está a ser feito o alinhamento entre as acções e as declarações de missão? Qual o nível de satisfação dos clientes? Até que ponto se está a contribuir para o bem da comunidade e da sociedade enquanto um todo?
As questões são variadas e dificilmente quantificáveis em números ou estatísticas, mas é possível criar métricas que avaliem a eficácia no alcance deste tipo de objectivos.
- Promoção de um posicionamento benéfico da tecnologia na sociedade
Na medida em que a inteligência artificial está a expandir o potencial das tecnologias, para o bem e para o mal, e tendo em conta que o risco de substituição dos humanos pelas máquinas poderá contribuir para um isolamento social ainda maior, há que não esquecer também que estas tecnologias emergentes beneficiam igualmente as necessidades humanas, de que são exemplo a telemedicina ou a aprendizagem à distância, e que novas indústrias e novos tipos de trabalho irão emergir. E se os CEO já estão a estabelecer as bases comerciais que permitem estas inovações socialmente positivas, não podem, contudo, esquecer-se de assegurar que as mesmas deverão ter lugar em todo o planeta, e da forma mais abrangente e inclusiva possível.
- Educação para o futuro
É uma área que parece estar, finalmente, a receber a atenção devida por parte de governos, empresas e comunidades. Os sistemas educacionais do presente precisam, com urgência, de saber equipar convenientemente a força laboral global com as competências adequadas para o sucesso e os líderes empresariais têm aqui uma enorme responsabilidade. De acordo com o estudo da PwC, a boa notícia é que a maioria dos CEO entrevistados reconhece esta recapacitação como necessária e contínua, o mesmo acontecendo com os próprios trabalhadores que, num outro estudo da PwC – Workplace of the Future -, mostraram (75% dos inquiridos) estar dispostos a apostar na renovação das suas competências, independentemente dos planos dos seus empregadores.
- Compromisso com o propósito
Mais do que uma buzzword bonita no mundo dos negócios, a questão do propósito começa a fazer parte da estratégia de várias empresas, não como um ideal a atingir, mas como uma forma de ir ao encontro das expectativas reais das sociedades e comunidades onde estas operam. E é por isso mesmo que todas as organizações precisam de ter, e perseguir, um propósito claro que vá além dos objectivos financeiros e que incorpore um conjunto mais alargado de valores partilhados e comportamentos esperados. Como sublinha Bob Moritz, o propósito define “quem” é o negócio e por que motivos este existe, sendo que os valores e os comportamentos definem a sua respectiva cultura.
Por outro lado e como sabemos, desde a pegada ambiental, passando pelos impactos sociais, até às exigências dos investidores, o escrutínio que pesa crescentemente sobre as empresas é cada mais acentuado. Se algum destes aspectos é negligenciado, o seu mais precioso activo – a confiança – é destruída ou seriamente abalada.
Assim, e para elevar o seu compromisso face ao progresso social, é cada vez mais importante que esse mesmo propósito, integrado num sistema comum e partilhado de valores e comportamentos, seja real e eficazmente considerado como parte integrante de qualquer estratégia.
Editora Executiva