A União Europeia adoptou a 16 de Abril, uma proposta de Directiva Comunitária que incentiva a transparência empresarial a nível social e ambiental nas grandes empresas europeias. Em Portugal, um Grupo de Trabalho constituído pela APEE está já a acompanhar o processo legislativo agora divulgado. Ao VER, o presidente desta Associação diz que, “complementada por outras medidas, que formarão um novo quadro de relações entre as empresas e a sociedade”, esta Directiva permitirá alargar o envolvimento das partes interessadas e a sua participação nos processos de tomada de decisão
POR GABRIELA COSTA

A Proposta de Directiva Comunitária do Parlamento e Conselho Europeu – COM(2013) 207, adoptada pela União Europeia no passado dia 16 de Abril tem por objectivo incrementar a transparência das empresas europeias quanto ao seu desempenho ambiental e social, contribuindo assim para o efectivo desenvolvimento do emprego e da economia no longo prazo.

Para tanto, as empresas em questão – organizações com mais de 500 empregados – terão que revelar informação ao nível de políticas, riscos e resultados em assuntos ambientais, sociais e laborais, respeito pelos direitos humanos, anticorrupção, suborno e diversidade na sua administração. A ideia é promover a facilitação da informação, ao invés da apresentação de relatórios extensivos. Os referenciais indicados na elaboração de indicadores são a ISO26000 e o Global Compact.

Pretendendo ser uma medida “inovadora, elaborada pelo princípio do cumprimento ou explicitação, permitindo assim a adequação de políticas à realidade na qual a empresa intervém, não se limitando a ser mais um instrumento legislativo”, esta Directiva Comunitária deverá estar totalmente implementada em 2017, considerando o tempo necessário às empresas no desenvolvimento dos procedimentos internos necessários.

Um novo quadro de relações entre empresas e sociedade
Em Portugal, esta Proposta de Directiva Comunitária que aumenta o âmbito das Quarta e Sétima Directivas Contabilistas Europeias (78/660/EEC e 83/349/EEC, respectivamente), está a ser acompanhada pela Associação Portuguesa de Ética Empresarial.

Na qualidade de Organismo de Normalização Sectorial (ONS) nos domínios da Ética e Responsabilidade Social, a APEE criou um grupo de trabalho para acompanhar o processo legislativo agora divulgado. Este grupo de trabalho é constituído por pessoas individuais ou colectivas, sendo as competências técnicas e o estatuto de associado condição para integrar o mesmo.

Em três questões-chave, Mário Parra da Silva, presidente da APEE, analisa a relevância desta Directiva para as grandes empresas, o seu impacto nas PME nacionais, e o trabalho de adaptação à realidade portuguesa que os especialistas em RSE irão desenvolver, com vista a apresentar resultados no último trimestre do ano.

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Mário Parra da Silva, presidente
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Que importância tem, no actual contexto, a criação de uma directiva comunitária que incentiva a transparência empresarial nas questões sociais e ambientais nas grandes empresas europeias?
Só por si esta Directiva não muda muito a realidade, mas ela vem na sequência da Estratégia Europeia de RSE e será complementada por outras medidas, que formarão um novo quadro de relações entre as empresas e a sociedade.

Onde havia desconhecimento ou inimizade tenderá a haver envolvimento das partes interessadas e melhor compreensão do papel das empresas, como geradoras de riqueza que terá de ser distribuída de forma justa pelo seu ecossistema.

Outra inevitável consequência desta maior transparência é uma maior participação das partes interessadas nos processos de tomada de decisão.  Importa sublinhar que não se pretende qualquer forma de co-governação, que seria desresponsabilizadora da gestão e comprometeria o destino autónomo da organização, submetendo-a a pressões, muitas vezes contraditórias, das partes interessadas. Trata-se, sim, de garantir a possibilidade de fazer chegar a sua voz à sala do Conselho, tantas vezes condicionada por múltiplos filtros e pressões internas.

Qual é o previsível impacto desta Directiva no tecido empresarial português, maioritariamente constituído por PME?
De início o impacto será reduzido. Mas quem reporta, exige reporte. Ou seja, as PME serão progressivamente envolvidas em cadeias de valor que reportam, e que contêm riscos que têm de ser acautelados a montante. Por isso os efeitos desta medida acabarão por chegar cá.

O que visa, que especialistas integra, e qual é o calendário de acção previsto para o Grupo de Trabalho da APEE sobre esta matéria?
O objectivo do Grupo de Trabalho é preparar a adaptação das nossas empresas a esta nova solicitação das autoridades europeias. O resultado do trabalho será constituído por documentos e por sessões de divulgação. Queremos integrar especialistas em RSE com especialistas na elaboração de Relatórios e com algumas pessoas que nas empresas irão concretizar esta resposta.

Pensamos que este Grupo, que trabalhará essencialmente online e que será composto apenas por pessoas que sejam indicadas por Associados da APEE, terá condições de apresentar resultados antes do Verão, de modo a realizar a sua divulgação no último trimestre.

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Mercado Único prioritário para crescimento
Esta medida, que visa reforçar o crescimento económico de forma sustentada, nomeadamente ao nível do emprego, já tinha sido anunciada no Acto para o Mercado Único, bem como na Estratégia Europeia de Responsabilidade Social 2012-2014.

No contexto de crise económica em que se encontra, a Europa “necessita agir urgentemente com vista à criação de emprego e prosperidade económica”, considerou, em Outubro de 2012, a Comissão Europeia, por ocasião da adopção do Acto para o Mercado Único II. O documento, que estabelece doze ações prioritárias para um novo crescimento, vem reforçar o Acto para o Mercado Único apresentado pela CE em Abril de 2011 (IP/11/469), com o objectivo de impulsionar o crescimento económico e recuperar a confiança dos consumidores europeus.

Vinte anos depois da criação, em 1992, do mercado único europeu, que abriu no velho continente oportunidades para todos, ao nível de liberdade de escolha no consumo e da livre circulação de pessoas e bens, (só entre os jovens europeus, mais de 2,5 milhões de estudantes aproveitaram a oportunidade de estudar no estrangeiro nas 2 últimas décadas; e para os 23 milhões de empresas da UE, o mercado único abriu o acesso a 500 milhões de consumidores e gerou investimento estrangeiro), Bruxelas insiste na mensagem: “um mercado único forte, aprofundado e integrado, gera crescimento, cria emprego e oferece novas oportunidades para os cidadãos europeus”.

Defendendo que a sua concretização “é um exercício contínuo e constitui um elemento central da agenda europeia para o crescimento, que visa dar resposta à actual crise económica”, a CE definiu assim, no Acto para o Mercado Único II, doze acções-chave, apelando à sua adopção a curto prazo pelas instituições da UE. Estas ações estão centradas em quatro grandes motores do crescimento, do emprego e da confiança:

Redes integradas de transportes e energia: As oportunidades oferecidas pelos fundos estruturais e de coesão devem ser acompanhadas de um compromisso firme no sentido da concorrência, da possibilidade de escolha e de serviços de boa qualidade em toda a UE. Para realizar esta visão, o Acto para o Mercado Único II inclui:
. Uma acção que visa abrir a prestação de serviços domésticos de transporte ferroviário de passageiros a uma concorrência ainda mais alargada no seio da UE;
. O aperfeiçoamento do mercado único no domínio dos transportes marítimos;
. Medidas que permitam acelerar o Céu Único Europeu;
. Acções que apliquem de forma efectiva a legislação vigente da UE em matéria de energia.

Mobilidade transfronteira dos cidadãos e empresas: Continuam a subsistir obstáculos práticos e jurídicos à mobilidade dos cidadãos, à actividade das empresas e ao financiamento dos investimentos. Com o Acto para o Mercado Único II, a Comissão propõe:
. Que o portal EURES seja desenvolvido de forma a tornar-se num verdadeiro instrumento de recrutamento e colocação de emprego transfronteiras;
. Que sejam introduzidas disposições para mobilizar fundos de investimento a longo prazo para as empresas privadas e para projectos de longa duração;
. Que se proceda à modernização dos processos de insolvência, começando pelas situações com alcance transfronteiras, e se contribua para um ambiente que ofereça uma segunda oportunidade aos empresários falidos.

Economia digital: Com o seu peso económico e os seus efeitos em termos de produtividade e apoio social, a revolução da economia digital continua a ser uma oportunidade a não perder. No quadro dos esforços em curso para a realização do mercado único digital até 2015, a Comissão propõe:
. Facilitar o comércio electrónico na UE, tornando a utilização de serviços de pagamento mais fácil, fiável e competitiva;
. Resolver a principal causa subjacente da falta de investimento em ligações de banda larga de alta velocidade – os custos de instalação;
. Tornar norma a facturação electrónica – que garante comprovadamente poupanças – nos procedimentos de adjudicação de contratos públicos.

Empreendedorismo social, coesão e confiança dos consumidores: o sucesso do mercado único resulta também da participação económica e social que pode gerar. Os consumidores precisam de ter confiança e todos os cidadãos devem ter a possibilidade de tirar partido das oportunidades oferecidas. A Comissão conta prosseguir esse objectivo utilizando instrumentos concretos do mercado interno, incluindo:
. A melhoria das normas de segurança para os produtos e da sua aplicação efectiva;
. Medidas para garantir um acesso generalizado a uma conta bancária, bem como taxas transparentes e comparáveis para a utilização dessas contas e mecanismos que facilitem a troca de banco.

Estratégia europeia incentiva RSE
A Proposta de Directiva Comunitária centrada na transparência empresarial no que concerne a actuação empresarial sobre matérias sociais e ambientais deriva, também, da Estratégia Europeia de Responsabilidade Social 2012-2014.

Publicado em Novembro de 2011 pela União Europeia, o documento de quinze páginas integra conceitos e directrizes sobre Responsabilidade Social, e propõe um pacote de medidas, de entre as quais se salientam três grandes vectores de actuação: incentivo às empresas responsáveis; facilitação do espírito empresarial responsável; e redução da burocracia para as PME.

Pretendendo ser uma medida “inovadora, elaborada pelo princípio do cumprimento ou explicitação”, esta Directiva Comunitária deverá estar totalmente implementada em 2017 .
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O objectivo é apoiar as empresas e o espírito empresarial dentro do espaço europeu, sobretudo ao nível da implementação de medidas de RS, com vista a um crescimento económico mais sustentável.

Citando referenciais sobre Responsabilidade Social reconhecidos internacionalmente, nomeadamente os princípios e linhas de orientação definidos pelos Dez Princípios do Global Compact das Nações Unidas e pela ISO 26000 – Norma Internacional para a Responsabilidade Social, a Comissão Europeia convoca todas as empresas europeias com mais de mil funcionários a implementar, até 2014, uma destas duas referências ou, em alternativa, as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais. A União Europeia compromete-se a monitorar os compromissos feitos por tais empresas na implementação destas referências.

“A renewed EU strategy 2011-14 for Corporate Social Responsibility” alia ao conjunto de medidas e propostas que apresenta uma estratégia ambiciosa, “de modo a que a responsabilidade social das empresas possa gerar um nível mais elevado de confiança geral e de confiança dos consumidores e aumentar a contribuição das empresas para o bem-estar da sociedade”. As iniciativas propostas reforçam “os esforços da Comissão para se envolver com o sector privado nas questões sociais e ambientais, especialmente pertinentes em tempos de condicionalismos orçamentais para o sector público”.

Na Conclusão do documento, é sublinhado que a Comissão irá acompanhar os progressos registados e preparar uma reunião de reexame, prevista para meados de 2014, em conjunto com os Estados-Membros, as empresas e demais partes interessadas. Na perspectiva dessa reunião, a Comissão publicará um relatório sobre a execução do programa de acção estabelecido nesta Estratégia para a RSE. Para o efeito, o Fórum Multilateral Europeu sobre Responsabilidade Social das Empresas e o grupo de alto nível de representantes dos Estados-Membros deverão trabalhar em coordenação, recomenda a CE.

Comissão Europeia reforça apoio
Por último, estão ainda relacionadas com a nova Proposta de Directiva Comunitária para a transparência empresarial duas resoluções sobre RSE, adoptadas pelo Parlamento Europeu a 6 de Fevereiro de 2013, e que reconhecem a importância da transparência empresarial em diversos domínios.

Rumo a “uma visão moderna da RSE”, a Responsabilidade Social das Empresas: comportamento responsável e transparente das empresas e crescimento sustentável, visa reforçar a ligação entre as empresas, os cidadãos, a competitividade e a inovação, para melhorar a transparência e a eficácia das políticas de RSE.

Nas conclusões do documento, destacam-se a necessidade de desenvolver eventuais medidas regulamentares num quadro jurídico sólido e consentâneo com o desenvolvimento normativo internacional, a fim de evitar interpretações divergentes e riscos de vantagens ou desvantagens concorrenciais a nível regional, nacional ou macro-regional; os esforços da Comissão no sentido de promover o comportamento responsável nas relações com outros países e regiões do mundo (para o que deverão intensificar-se os esforços para integrar o princípio da reciprocidade nas trocas comerciais); o desenvolvimento da RSE através de uma abordagem na qual participem vários intervenientes, num quadro em que o papel de primeiro plano caiba às empresas; a necessidade de medidas e abordagens específicas para o desenvolvimento da RSE nas PME; e a garantia de que, no seguimento da actual, seja adoptada uma outra estratégia ambiciosa, em tempo útil, para o período posterior a 2014.

Já a Resolução Responsabilidade social das empresas: promoção dos interesses da sociedade e via para uma retoma sustentável e inclusiva incorpora a RSE no pensamento europeu, numa área política em que o Parlamento Europeu tem desempenhado um papel decisivo, representando um passo em frente na resposta ao diálogo com as partes envolvidas no debate sobre a RSE.

Com a ênfase colocada no apoio europeu a iniciativas globais de RSE, no restabelecimento do apoio a uma abordagem multilateral, numa nova definição que reflicta o consenso a nível mundial e num papel de apoio muito mais activo para a própria Comissão Europeia, o relatório “fornece uma base sólida para a acção futura”.

No documento são identificadas eventuais lacunas nesta matéria, designadamente ao nível da premente recuperação sustentável (“em primeiro lugar, e sobretudo, o debate sobre a RSE é colocado no contexto da actual crise económica”, diz o relatório), da organização internacional e abordagens multilaterais, das políticas públicas nesta área, e da ligação do investimento socialmente responsável à divulgação e crescimento da RSE.

Jornalista