No essencial são os valores, a ética, os princípios, o caráter, o livre exercício da vontade, da inteligência, da memória, para a construção do bem comum que prevalecem. Que lugares ocupam na minha vida? Como me comporto? Em coerência ou em conveniência? Reconheço o Criador por detrás de tudo? Sinto-me a servir ou a servir-me? A minha vida assenta na Fé, na Esperança e no Amor? Na Alegria partilhada, na ajuda atendida, na dor dividida? No ser agradecido ou no que me falta? Exerço a liderança como vocação e serviço ou em proveito próprio?
POR JOÃO PEDRO TAVARES
Gosto, quero, olhar para o tempo presente e para os desafios que se nos colocam com realismo, mas alicerçado numa enorme esperança e fé na humanidade e em tudo o que está ao alcance do Homem.
Em termos globais, nunca tivemos tantas oportunidades, competências e possibilidades como agora para resolvermos os principais desafios do mundo, seja na ecologia e no cuidado da Casa Comum, seja na justiça social e, em particular, na erradicação da fome, da pobreza, das desigualdades sociais, seja na promoção da paz, da harmonia entre os povos, na crescente cooperação. São inegáveis os sinais positivos de desenvolvimento, de melhor qualidade de vida e bem-estar, de maior acesso a cuidados de saúde, à educação, aos serviços públicos em geral, à proteção dos cidadãos.
É, no entanto, um tempo estranho, de enorme incerteza, com dois anos de pandemia que “deslaçaram” relações e instituições estabelecidas, trouxeram outros (novos?) hábitos, outros (novos?) desafios, para as pessoas, as famílias, as empresas, os governos, a sociedade. Um vírus que trouxe maiores desigualdades e desprotegeu os mais pobres. Uma realidade agravada com uma guerra na Europa (ou no mundo?), com enorme impacto em todos e em particular nos povos envolvidos e que expôs famílias a uma migração em massa, a perdas humanas e materiais incalculáveis, a feridas difíceis de sarar, a histórias de vida desfeitas. Por outro lado, uma inflação com valores históricos altos, taxas de juro a subirem e que conduzirão as famílias a novos desafios no cumprimento das suas obrigações ou na satisfação das suas necessidades básicas.
É um tempo estranho em que se assiste a um extremar de posições nas sociedades, na política, nas pessoas, que dificulta a promoção de climas de paz e, no mínimo, de consensos, de caminhos de convergência. Novas formas de as pessoas se relacionarem muito alicerçadas em redes sociais, que promovem uma cultura do “like” e que substituem o abraço, o toque, a proximidade. Que promove a mensagem para todos em vez da partilha na intimidade, tornando público o que era privado. Que leva ao aumento da solidão (estudos apontam que um milhão de portugueses vive sozinho), do individualismo e também a novos níveis de pobreza que importa acudir. São realidades que afastam criando falsas sensações de proximidade, mas que não comprometem nem envolvem. Um aumento no acesso aos cuidados de saúde e a rotura de inúmeros serviços públicos (seja na saúde, como na administração pública em geral), com novas formas de interação ou novas realidades a atenderem-se. Uma sociedade com maiores níveis de ansiedade e de necessidade de ajuda e de apoio às pessoas, às famílias, às instituições.
Também para as empresas se colocam novos desafios, num mercado em que a globalização se reconfigura. Para os líderes surgem novos desafios internos e externos, novas necessidades a atender, como seja a indispensabilidade de repensar finalidades e o propósito das organizações, novos reptos ao nível da cultura empresarial; ou novos modelos a implementar, seja de negócio, de liderança ou de organização; ou novas formas de medir resultados e impacto; ou de relação com os trabalhadores, com aplicação de critérios mais completos, mas mais complexos, em que as decisões já não podem ser iguais para todos mas devem ser discricionárias e direcionadas, mantendo-se justas e apropriadas, evitando a diferenciação.
O surgimento de novas tendências, novas indústrias, novos mercados, novas soluções que resultam do cruzamento das incumbentes, como sejam, “educação e entretenimento”, “tecnologia e saúde” ou ainda, entre outras, a exploração de novas formas de energia e o abandono forçado e acelerado das energias poluentes ou materiais que permitiram o enormíssimo e aceleradíssimo desenvolvimento económico e humano dos últimos séculos, mas que colocam agora em perigo a nossa Casa Comum.
A crescente transição digital, com a introdução massiva da tecnologia e de capacidades absolutamente transformadoras, transferindo para a tecnologia responsabilidades e capacidades que cabiam ao Homem, seja em inteligência, em capacidade de decisão, em precisão, em amplitude de informação e de conhecimento, em capacidade analítica ou de previsão e planeamento do futuro, surpreendendo em cada momento e a um ritmo vertiginoso em que o atual e inovador se tornam obsoletos em pouco tempo.
Um crescente movimento com fortes obrigações de transição ecológica, de crescente responsabilidade social ou de transparência de governo, com novas métricas e aspetos regulamentares a cumprir, deveres de colaboração, de transparência, de informação ou de facilitação no acesso de serviços aos clientes, seja na vinculação ou desvinculação, numa hipervalorização da experiência de cliente, ou da virtualização dessa experiência.
A disponibilização de novas formas de financiamento, descentralizadas, acessíveis, recorrendo a uma multitude de ativos (reais ou virtuais), de plataformas, de métodos, que constituem novas oportunidades, mas também novos desafios e perigos.
Neste tempo estranho, mas de esperança, muitas perguntas são-nos colocadas: que desafios nos tocam? E a mim, pessoalmente? Que papel me é reservado? Como cuido de tudo o que me é dado e colocado ao meu dispor? Como cuido do outro que está ao meu lado? Que critérios utilizo para decidir? Como contribuo para um mundo melhor?
No essencial são os valores, a ética, os princípios, o caráter, o livre exercício da vontade, da inteligência, da memória, para a construção do bem comum que prevalecem. Que lugarocupam na minha vida? Como me comporto? Em coerência ou em conveniência? Reconheço o Criador por detrás de tudo? Sinto-me a servir ou a servir-me? A minha vida assenta na Fé, na Esperança e no Amor? Na Alegria partilhada, na ajuda atendida, na dor dividida? No ser agradecido ou no que me falta? Exerço a liderança como vocação e serviço ou em proveito próprio?
Vivemos no advento de um tempo novo que se aproxima, com novos desafios, mas nunca percamos de vista o Advento das nossas vidas, o que nos chama a viver centrados no Essencial, de uma vida disponível para servir, que tem sempre novas oportunidades para ser salva, de uma Casa Comum que não é propriedade de ninguém, mas que nos foi entregue e é partilhada por todos. Sejamos testemunhas de Alguém que nunca desiste de nós nem da Sua criação. Do mesmo modo, no nosso caminho, procuremos nunca desistir de ninguém. Em tudo sejamos participantes ativos e não meros espetadores passivos. Por isso também o caminho é de Esperança, apesar do que somos (nas limitações) e do que ainda não conseguimos ser (na vocação).
Presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores