Portugal poderá ficar envolvido numa situação idêntica à da Grécia porque o prazo acordado com a ‘troika’ para o reequilíbrio das finanças públicas portuguesas é insuficiente, deveria ser de quatro ou cinco anos, afirmou o economista Medina Carreira, na mais recente conferência da ACEGE
POR VITOR NORINHA

O economista calcula que sejam necessários 12 mil milhões de euros para pagar os juros do financiamento e a economia, sem crescimento, não tem capacidade para pagar. Acrescem as “armadilhas”, afirmou. Deu o exemplo das parcerias público-privadas (PPP), o que significa que “não vai haver dinheiro para pagar as PPP e, ou se paga juros, ou se paga as PPP. Acresce ainda as dívidas desconhecidas, como é o caso da saúde, e “não me surpreenderia se tivéssemos de renegociar a dívida”.

No comentário genérico ao acordo, Medina Carreira diz que o “Memorando” falha num ponto essencial: o Estado Social. Critica o triunvirato afirmando que este deveria ter estudado mais o assunto e, do documento, não decorre uma visão unitária deste problema. Frisou que, em 2020 e com a continuação da situação actual, as despesas sociais absorverão 100% dos impostos. Ao longo dos últimos anos, as despesas sociais cresceram mais de três vezes acima do Produto, ou seja, uma média de 2,2% ao ano, contra 0,6% de média no ritmo de crescimento da economia.

Na aplicação do acordo existem condicionantes. Desde logo, o facto de o país estar integrado num espaço político-económico em decadência. Estudos recentes indicam que a Europa deverá registar um crescimento médio de 1% ao ano até 2050, o que significa que “não haverá Estado Social”. O desemprego está a subir e vai continuar porque não há crescimento.

O economista questionou qual o espaço para a economia portuguesa e comentou, de seguida, que o sistema político está esgotado, pois assenta na vida partidária, e esta faz negócios com o dinheiro do Estado. Afirma que “os partidos estão entregues à vocação patrimonial desses mesmos partidos”. Diz ser pelos partidos, mas “contra estes partidos”. Na Europa, estes partidos estão a provocar ondas de protesto, que não aconteceram apenas em Portugal e em Espanha.

O endividamento “brutal” é um problema político. Hoje, 50% da economia trabalha para o Estado e estão envolvidos seis milhões de pessoas, o que compara com a gestão do Estado Novo, onde o Estado pesava apenas 5% na economia e tinha 30 mil pessoas dependentes.

Este conjunto de factores irá levar a conflitos sociais, não apenas em Portugal, mas também na Europa, ao longo dos próximos 10 a 15 anos. A Europa foi construída tendo por base os seus melhores anos, mas o fraco crescimento e a perda da industrialização impede a continuação dessas mesmas políticas. Associado a este crescimento paupérrimo está a queda demográfica.

Medina Carreira considera ser necessária cautela na comparação da situação económica portuguesa de 1978 e 1983, também quando cá esteve o FMI, e a situação actual. A grande diferença está na “partidarização da administração pública”. Por outro lado, o país não tem mecanismos de política monetária, nomeadamente a depreciação da moeda ou a impressão de moeda. E ironizou: no contexto actual, pode “o dinheiro esgotar-se”. Outro factor de diferenciação está no contexto de 1984, em que se constatou um grande crescimento da economia com o preço do petróleo a cair.

A inviabilidade do Estado Social
Extrapolando os números de 2010 para 2020, a totalidade dos impostos arrecadados será consumido em despesas sociais, afirmou Medina Carreira. O economista frisou a “inviabilidade do actual caminho a nível do Estado Social”. Se em 2000 as despesas sociais absorviam 75% dos impostos, no ano passado esse valor chegou aos 85% e estará nos 93% em 2015 e nos 100% dento de 10 anos. O economista afirmou ainda na ACEGE “ser lamentável que este assunto não seja discutido”, pois vai “causar burburinho”. À volta das prestações sociais giram seis milhões de pessoas.Naquele cenário, o economista questiona o que fica para pagar juros, investimentos, funcionários, forças armadas, polícias e juízes.Ao nível de pensões directas, os números são igualmente elucidativos, pois se em 1995 as pensões representavam um encargo anual de sete mil milhões de euros, em 2010 passaram para os 23 mil milhões de euros. No mesmo período, o Produto Interno cresceu 14% e as pensões 215%.

Actualmente, o crescimento anémico não acontece apenas em Portugal, pois a queda é generalizada à Europa. Frisou que a economia melhorou apenas 1% na Zona Euro, o que condiciona a recuperação de Portugal.

Um outro problema central está na industrialização. A Europa teve a hegemonia mundial, pois foi a primeira região do mundo a industrializar-se com a “economia do conhecimento”. Portugal também teve os seus exemplos de bom aproveitamento deste “boom”. O caso mais conhecido foi o do empresário Alfredo da Silva, que viveu a integração vertical. Hoje, pelo contrário, apenas o que é “nobre” é que é feito nos países que dizem deter o poder tecnológico, e aqui começam as contradições, sustenta o economista. Há 10 anos, afirmava-se que, com a economia do conhecimento, a Europa seria mais forte e competitiva relativamente ao resto do mundo. Na verdade, estamos, na Europa, a ser cada vez menos competitivos.

E Portugal é um caso ainda mais difícil “porque o que é nobre não vem para cá e o que é mais modesto também não vem, porque a mão-de-obra não é barata. Este é o ‘entalamento’ da nossa economia”.

O acordo com a ‘troika’, explica o economista, deve ser enquadrado numa ideia geral de que “estamos num espaço económico em decadência acelerada”. Os pontos positivos, adiantou, serão o ‘arrumar’ das contas, a obrigação de cumprimento dos objectivos e existência de uma entidade independente para fiscalização”.

Pretende este acordo relançar a economia numa base transaccional e, dentro disso, Medina Carreira considera que a descida da Taxa Social Única é “uma ideia limitada, não é estruturante, bastando, para tanto, que o peso do transaccional seja pequeno”.

Medina Carreira afirmou que “é dentro dos partidos que estão os travões que impedem que se faça alguma coisa”.

Este artigo foi originalmente publicado no jornal OJE de 27 de Maio.

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