A nossa existência como seres humanos é feita de experiências e as experiências nascem de histórias. Histórias que ficam no passado, na memória, mas que afetam as nossas decisões e formas de estar, marcando em definitivo a nossa personalidade no dia-a-dia. E sim, a minha própria história é significativamente rica em episódios que marcam um antes e depois e que me fizeram chegar a este texto assente no que considero ser a liderança consciente
POR PEDRO LOUPA
Quando me perguntam o que me fez chegar ao caminho que trilho agora – atuando como mentor organizacional na Liderança Consciente -, cruzam-se em particular dois episódios muito marcantes na minha vida: a profunda dor da separação dos meus filhos e a perda súbita dos meus pais, complementados ainda com a experiência de ter vivido quase uma década num país de tantos contrastes entre a opulência de alguns e a fome de outros, como é o México. Mas este caminho está igualmente relacionado com algo que nunca aprendemos numa universidade, ou seja, como se produz uma verdadeira relação entre os seres humanos em ambientes desafiantes e complexos? Porque surgem os conflitos? Como podemos melhorar na prática a relação entre os seres humanos, e ter organizações mais focadas em colaborar, regiões e países verdadeiramente abertos à cooperação e à proteção dos direitos individuais e coletivos?
Não é difícil parar um pouco, olharmos à nossa volta, em todos os sentidos, e aperceber-nos em poucos segundos que existe um vazio demasiado grande no que respeita à existência de verdadeiros líderes na s sociedade em que vivemos, tanto a nível político como empresarial.
As circunstâncias que vivemos nos últimos anos com a pandemia e o desaparecimento de muitas empresas, a perda de milhares de postos de trabalho, a reorganização no formato de relacionamento com o trabalho à distância e, em especial, na forma de liderar, os conflitos internacionais, a inflação galopante e uma potencial crise, obriga as organizações a adotar novas formas de estar e a contratar e reciclar CEOs com outras características.
Recuperei um artigo recente da Harvard Business Review que indica isso mesmo: a importância das competências sociais como fator fundamental para liderar uma organização que tem agora muito mais desafios e de que são exemplo a diversidade multicultural, os sistemas mistos de presencial-online, um maior escrutínio e exposição mediática, entre muitos outros. O artigo da HBR salienta três aspetos por excelência para estes novos líderes: comunicadores natos, construtores de relacionamentos e solucionadores de problemas orientados para as pessoas”.
Mas talvez o que chama mais a atenção é o facto de as organizações não estarem ainda suficientemente conscientes da dificuldade existente de contratar e reter talentos, uma problemática mais crítica do que nunca, porque o custo é demasiado alto e tem efeitos perniciosos na produtividade.
Mas e então o que é a liderança consciente?
Ao longo das minhas experiências em diferentes culturas no acompanhamento a líderes na sua jornada de abertura à sua verdadeira consciência e reconhecimento, fui encontrando alguns aspectos que considero a base do sucesso para uma perspectiva da liderança que é mais do que fundamental, atrevendo-me até a dizer que é obrigatória nesta etapa da humanidade.
Aspecto 1 -Autoconsciência
O ponto de partida é olhar para mim mesmo, foi assim que comecei, a tentar compreender os porquês e os para quês das minhas atitudes, dos erros que cometia, da forma como comunicava, de como tratava os outros, como tudo isso influenciava a minha relação com os meus colaboradores, com a família e com as minhas relações afectivas. E foi quando “parei” para ver tudo isto que começou o processo.
Esta é a primeira grande proposta que faço a um líder. Quando queremos criar um ambiente são e inspirador numa organização, tudo começa na autoconsciência. Em tomar consciência que se deve melhorar a nossa capacidade em comunicar, em sermos totalmente autênticos, embora isso possa levar-nos a enfrentar receios do passado. Todavia, é um exercício fundamental para sair de um espaço do medo e entrar no espaço que chamo “da verdade”.
Além disso, um dos principais fatores de conflito residem em interpretações erradas, assentes em preconceitos, ideias formadas ou crenças desatualizadas.
A autoconsciência do líder vai levá-lo a um espaço onde a sua presença e inspiração vai ter como consequência o renascer de uma cultura empresarial saudável e um ambiente onde todos querem estar, e se sentem cuidados.
Aspecto 2 – As atitudes de um líder consciente
O fator que me levou a uma profunda transformação pessoal foi quando encontrei em algumas atitudes a “bóia de salvação” da forma como eu via e vivia a minha vida. A tristeza, a raiva, a decepção (para dar apenas alguns exemplos), emoções que surgem em qualquer ser humano, e também em qualquer líder, normalmente são rejeitadas por nós. Mas são apenas sensações. A nossa mente e mais concretamente a função do ego é interpretar (com base em todos os condicionalismos passados) cada uma destas emoções como minhas, como se fossem parte da minha identidade. E ninguém com bom senso quer para si estas emoções, mas sim livrar-se delas o mais rapidamente possível. Mas é exatamente neste ponto que surge a verdadeira transformação: ou seja, na forma como abordamos estas sensações e no momento em que aceitamos uma profunda responsabilidade por aquilo que sentimos e não por aqueles ou aquilo que nos provocou esse “mal-estar”.
Este “swift” é fundamental para uma verdadeira abordagem a uma liderança responsável e que tem como base a minha própria responsabilidade comigo mesmo. Este foi um dos fatores mais importantes que observei durante os últimos anos em diferentes líderes, ou seja, a adoção de um formato de liderança que realmente mudou a organização e a eles mesmos. E ao que chamo cultura da responsabilidade e da honestidade, a qual gera uma total confiança entre todos os stakeholders.
(Este foi apenas um exemplo, mas normalmente utilizo e trabalho com 12 a 16 diferentes atitudes com os líderes, e em todos os âmbitos no seu dia-a-dia)
Aspecto 3 – Liderar com propósito
Mais além de uma definição teórica do que pode ser um líder consciente, porque isto implicaria muitas possibilidades que variam seguramente de acordo com vários pontos de vista, um aspecto que realmente caracteriza o que eu chamo um líder consciente é a sua direção pelo verdadeiro propósito.
E para chegar a um verdadeiro propósito, o líder tem de conhecer-se, ou seja, tem de dar esse passo prévio de autoconsciência.
Não apenas as novas gerações, mas também todos aqueles que procuram uma organização para trabalhar, não desejam apenas quem lhes paguem um bom salário e outras regalias adicionais, mas sim uma organização com um propósito claro.
Uma organização que cuide do ambiente, que cuide da saúde mental dos seus colaboradores, que tenha como centro as pessoas, que os seus produtos e serviços estejam alinhados com os direitos humanos em toda a sua cadeia de valor, que esteja alinhada com os valores sociais das comunidades que impacta e que não ignore os perigos das alterações climáticas é verdadeiramente muito mais atrativa para quem procura actualmente um local para trabalhar. Porque sente que essa organização pode respeitar e fomentar os seus talentos, o que gera uma verdadeira entrega ao ecossistema em causa. Ou seja, um espaço onde se estimula a colaboração e as recompensas passam por atitudes de união, de cooperação, de inovação e de entrega às comunidades.
Há bem pouco tempo recebi um email de um amigo, que trabalhava como alto executivo numa reconhecida organização e que resumidamente me disse o seguinte:
“Pedro, queria que soubesses que deixei a minha empresa. A organização tem grandes objetivos, mas não posso apoiar o seu estilo e abordagem de liderança. Para mim está em total oposição aos objetivos de sustentabilidade e responsabilidade social que anuncia. Isso também me faz lembrar muito o teu mantra, o alinhamento do indivíduo e da organização. Se quisermos ser agentes de mudança, devemos primeiro começar por nós mesmos. A verdadeira liderança é assumir responsabilidade pessoal pelos outros.”
Sinto que esta mensagem diz tudo, ou praticamente tudo, sobre como o propósito é fundamental. Deve ser um movimento alinhado de dentro para fora, e quando é feito para o exterior, sem o verdadeiro e consciente alinhamento interno, acaba por incorrer nestas consequências.
Aspecto 4 – A mudança de paradigma
O alinhamento com o verdadeiro propósito dos líderes e consequentemente com o que desejam para a organização que lideram, leva-nos claramente a uma mudança de paradigma.
Essa mudança de paradigma é a construção de uma nova cultura, fomentada por uma liderança consciente que alimenta a organização em todas as suas direções. A já mencionada autoconsciência abre muitos caminhos, em especial para a confiança e para a empatia.
Há que permitir a experimentação, a abertura ao feedback em todos sentidos, o conferir da importância da integridade do líder, aspectos que conduzem à automotivação em todos e também à inspiração. Esta mesma abertura a um novo modelo, menos hierarquizado, menos rígido, tem como consequência uma maior responsabilidade por parte de todos e um formato onde todos ensinam e todos aprendem.
Muito se fala sobre a felicidade nas organizações, e são muitos os ver estudos que referem a importância de desenvolver essa felicidade, mas a pergunta que aqui deixo é a seguinte: é realmente primordial apostar numa cultura de felicidade ou a felicidade é algo que surge naturalmente quando uma total responsabilidade e uma verdadeira liderança consciente faz parte de uma cultura organizacional?
Não vale a pena criar algo por criar, quando essa obra não nasce desde a pura verdade que é a nossa real e profunda intenção e propósito, a verdadeira consciência. Podemos ser maravilhosos pais para os nossos filhos ou defendermos determinados conceitos e muitas teorias. Mas se no fundo não conseguimos pôr essas ideias em prática, porque não conseguimos superar muitas crenças, dores, traumas e hábitos adquiridos, de que serve pregar no deserto algo que ainda não podemos fazer?.
Assim, considera-se um líder consciente?
Co-fundador da HumanityE, mentor e formador em liderança consciente para C-suite em organizações nacionais e internacionais, e responsável do Business Science Network (BSN): Humanitarian, Human Rights and Reconciliation da Rede do Empresário. Autor do livro “12 pasos para ser líder consciente”.