O impacto social não é exclusivo das organizações sociais. As empresas com fins lucrativos também têm uma missão social a cumprir, inerente à sua actividade, mesmo se nem sempre nos lembramos disso.
POR AFONSO ESPREGUEIRA, SJ
Estamos habituados a falar do impacto social de ONG, IPSS e negócios sociais que buscam explicitamente solucionar, ou, pelo menos, minimizar um dado problema social. O desenvolvimento deste sector económico e do investimento de impacto, que procura conciliar retorno financeiro e benefício social, fez até com que surgissem instrumentos de medição de impacto de projectos, tal como o SROI (Social Return on Investment), que avalia o retorno social de cada euro investido.
Quando nos voltamos para as empresas com fins lucrativos, porém, a questão do impacto social quase nunca aparece. Fala-se sobretudo de lucros, custos e receitas, reconhecendo-se que as empresas têm uma responsabilidade social e que a sua acção gera externalidades (muitas vezes discutidas por serem negativas, como a poluição atmosférica). Contudo, estas questões são normalmente secundárias e a responsabilidade social é tida como um acréscimo ao core business da empresa, cujo principal fim em vista é o lucro.
De facto, é raro que uma organização lucrativa se apresente em termos do retorno social que gera e se entenda como tendo uma missão social a cumprir. Certamente, assume o compromisso com os clientes de lhes fornecer um bom produto, mas é pouco comum que veja nisso um serviço à sociedade e que tenha em conta um âmbito para além das suas relações com clientes e fornecedores.
Muitas vezes, é apenas em situações de crise que o impacto social da empresa é trazido à discussão, como quando um negócio está próximo da falência e surge a ameaça de um grande despedimento colectivo. Veja-se o recente caso da Dielmar: subitamente, despertámos para o seu impacto social positivo ao nível do emprego e do problema que se poderia gerar no caso de se confirmar o seu encerramento.
Esta forma de pensar e falar sobre as empresas com fins lucrativos oculta pois um aspecto crucial, que, em se tornando mais visível e consciente, poderia alterar a atitude empresarial face à sua missão e modo de actuação: o impacto social de qualquer empresa é inerente à sua normal actividade e não se reduz às suas acções de responsabilidade social corporativa. Na medida em que este impacto social não é geralmente captado pelo sistema de preços nem considerado pela empresa na sua tomada de decisão, podemos continuar a dizer que se trata de uma externalidade – mas é externo ao sistema de preços e aos objectivos explicitamente desejados, não à actividade da empresa.
Um negócio social internaliza nas suas metas e processos de decisão o impacto social esperado; uma empresa com fins lucrativos não o faz normalmente, mas isso não significa que não o tenha. Tem e não pode não ter, pois a empresa está inserida numa sociedade e necessariamente as suas acções têm consequências para além das receitas e dos custos do negócio, quer haja consciência disso ou não.
Pensemos numa simples padaria que vende pão e que com isso fornece um alimento essencial e barato, permitindo satisfazer necessidades nutritivas dos seus clientes. Ou numa empresa de distribuição que garante o abastecimento de supermercados com bens de higiene e alimentação. Ou ainda numa empresa de telecomunicações que oferece acesso à internet, telefone e televisão, com claros impactos no mundo do trabalho ou no acesso à informação. Pensemos também numa empresa de software para automóveis que aumenta a segurança rodoviária e diminui a sinistralidade. Os exemplos poderiam suceder-se ad infinitum.
É assim evidente que, com os seus produtos e serviços, as empresas resolvem ou mitigam problemas sociais, ainda que só tenham em mente a satisfação das necessidades dos seus clientes. Estas têm, pois, um enorme impacto social positivo inerente ao seu negócio e que não é exclusivo das ONG e IPSS, mas não estamos habituados a vê-las sob esse prisma.
Analisando profundamente as coisas, nada disto é propriamente uma novidade. A Doutrina Social da Igreja há muito que o afirma (cf. Compêndio da DSI, n.º 338), mas esta concepção não costuma estar na mente do mundo empresarial. Se estivesse mais presente, talvez os decisores se perguntassem como podem continuar a servir os seus clientes com qualidade e maximizar o seu impacto social através dos produtos que normalmente oferecem.
Provavelmente, alguns critérios mudariam e encontrar-se-iam soluções que não prejudicam os resultados financeiros e trazem maiores benefícios sociais. Além disso, este ponto de vista pode servir de motivação adicional aos colaboradores das empresas, que assim reconhecem a missão social que desempenham no seu trabalho diário. Escrever linhas de código significa bem mais do que isso, mesmo se esse horizonte mais vasto é esquecido.
As empresas têm, em suma, uma missão social a cumprir, constitutiva do seu core business, perfeitamente coadunável com o seu objectivo de lucro e sustentabilidade. Sem o saberem, já desempenham essa missão, mas, se a tivessem mais presente, o seu SROI poderia ser mais elevado.
Jesuíta desde 2017, tem formação em Economia, Estudos de Desenvolvimento e Filosofia. Actualmente vive em Santo Tirso e trabalha no Colégio das Caldinhas.
Correndo o risco de ser rotulado de optimista, parece-me que o problema está mais nos observadores do que nas empresas observadas: a maior parte delas existe para criar um impacto social positivo e sabem que perdem a razão de existir se falharem esse objectivo. Sabem também que para serem sustentáveis têm de ser lucrativas para remunerar investidores e ter recursos para investir na melhoria da oferta aos clientes, logo melhor impacto social, ecológico etc.. Desde a citada padaria até ao fornecimento de água ou electricidade, passando pela escola de música, o cabeleireiro e a fábrica de móveis, os respectivos impactos sociais são evidentes. Gostaria que só fossem excepção as empresas cujo impacto social global fosse negativo.
Em 2022, a marca “CUF” é associada a uma oferta de serviços que tiveram origem numa externalidade social de um negócio totalmente diferente. Tão diferente, que muitos clientes da CUF de hoje não sabem o que era e o qual era o negócio da CUF de ontem.
Mesmo quando as empresas morrem, podem deixar um legado muito positivo; o caso mais caro à minha memória é a Fábrica Escola Irmãos Stephens que fez viver a Marinha Grande durante mais de 200 anos.
Nos meios mais pequenos, o impacto social é mais visível e, se a curva ascendente tende a demorar anos ou décadas a afirmar-se, a curva descendente é frequentemente súbita, causando um choque quando faltam estruturas sociais que, de tão habituais, as pessoas esqueceram quem as sustenta. Um exemplo semelhante ao da Dielmar viveu-se em Ponte de Sor: a CIMBOR, que deu lugar à INLAN que depois foi Delphi tornou-se o principal empregador do concelho. O seu fecho em 2009 foi uma tragédia local até as pessoas se aperceberem que a Delphi tinha mudado suficientemente o tecido social e económico de Ponte de Sor ao ponto de permitir que este se adaptasse entretanto a novas indústrias, tornando-se um exemplo de baixo nível de desemprego… no distrito de Portalegre. Depois do natural choque, tenho esperança que as pessoas de Alcains consigam também dar a volta por cima.
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