O “pacote Omnibus” não vem dizer que os riscos climáticos e de ESG afinal não existem, vem apenas dar mais liberdade às empresas de pensarem por elas próprias e decidirem se querem ter um modelo de gestão contemporâneo e resiliente, ou se preferem ter um modelo de gestão “comum” que ignora os riscos ESG, tornando-se por isso um ativo com um maior risco
POR SOFIA SANTOS

Quem trabalha e segue os temas de Sustentabilidade Empresarial não ficou imune à enorme avalanche de notícias sobre o “pacote Omnibus” que pretende facilitar e simplificar as regras que as empresas não financeiras e financeiras devem cumprir relativamente às suas práticas ESG.

Tenho de admitir que fiquei surpresa com tantos comentários e de conteúdo tão distinto. Para uns, esta simplificação é a prova de que o que se estava a pedir era um exagero, enquanto para outros representa um retrocesso na evolução da gestão empresarial. Há empresas de consultoria que reequacionam a sua estratégia de mercado com estas novas simplificações (que diminuem significativamente o número de empresas obrigadas a publicar informação de sustentabilidade), e há quem considere que os temas ESG já não são importantes.

Eu não concordo com nenhuma das perceções acima. Talvez porque fiz o primeiro relatório de sustentabilidade de uma empresa em Portugal em 2004, talvez porque trabalhei na primeira estratégia de sustentabilidade e seu modelo de Governação de um dos maiores bancos em Portugal entre 2006 e 2008, quando ainda nada disto era nem falado e nem obrigatório. Como se diz, a “idade” dá uma perspetiva diferente e, neste caso, penso que é legitimo dizer que a experiência promove uma leitura diferente do que vamos lendo sobre este tema.

Desde 2004 até aos dias de hoje – 2025 – o tema da sustentabilidade foi, na maioria do espaço temporal – um tema de cariz voluntário e estratégico. As empresas desenvolvem este tema da forma como acham ser mais importante para o seu negócio. Se o/a CEO considera o tema relevante então sem dúvida que a empresa vai colocar a sustentabilidade, os temas ESG, o climate finance etc., com temas estratégicos, e irá ter uma equipa a trabalhar neles. Se o/a CEO não considera o tema relevante, ou não digno de tamanho investimento, opta por ter uma ação mínima nesta área. Essa ação mínima será função daquilo que os seus clientes pedem, do que os investidores solicitam, do que os credores exigem. Muito antes de existir qualquer regulação sobre a obrigatoriedade de as empresas fazerem ou deixarem de fazer relatórios de sustentabilidade (2018), já existiam muitas empresas a nível internacional e nacional, que tinham as suas estratégias de sustentabilidade, relatórios de práticas ESG, códigos de fornecedores, compras ecológicas, etc. Não o fizeram porque uma Diretiva obrigava, mas sim porque identificavam ser positivo para o negócio da empresa.

Numa economia de mercado há sempre opiniões opostas. É por isso que há bolsas de valores: uns acham que é o momento de vender ao preço x, e outros pensam ser o momento certo de comprar ao preço x. Uma economia de mercado é feita de indivíduos com visões diferentes do mundo e com estratégias empresariais individuais.

Os temas ESG foram desenvolvidos nesta abordagem de estratégias empresariais específicas para cada empresa. Uma vez que o setor financeiro internacional reconheceu, em 2019,  que os riscos climáticos e de ESG são riscos financeiros, e como este é um tema ainda não ensinado de forma massificada pelas escolas de economia e gestão do mundo, a UE foi desenvolvendo regulação para acelerar o conhecimento acerca dos riscos ESG junto das empresas e instituições financeiras.

Esta aceleração deve-se ao facto de mais de 95% dos cientistas concordarem que a tendência de aumento da temperatura irá mudar o clima, o que levará a impactos negativos no PIB dos países já em 2050 ou antes. Esta diminuição do PIB é estimada pela Network for Greening the Financial System, composta por vários bancos centrais e supervisores de todo o mundo, ou seja, é o próprio setor financeiro que reconhece que riscos climáticos e ESG podem impactar negativamente a economia, logo o setor financeiro.

O que o “pacote Omnibus” vem agora trazer é a diminuição da obrigatoriedade no número de empresas que têm de reportar informação de sustentabilidade, e a diminuição do número de indicadores previamente definidos. O “pacote Omnibus” não vem dizer que os riscos climáticos e de ESG afinal não existem, vem apenas dar mais liberdade às empresas de pensarem por elas próprias e decidirem se querem ter um modelo de gestão contemporâneo e resiliente, ou se preferem ter um modelo de gestão “comum” que ignora os riscos ESG, tornando-se por isso um ativo com um maior risco.

Como sempre trabalhei este tema fora do contexto de regulação, o facto de o mesmo se tornar menos exigente não me deprime, nem me deixa alegre. Esta diminuição de exigência era de esperar, pois mesmo que agora não sejam tantas as empresas obrigadas a reportar estas matérias, o que é facto é que nos últimos três anos – desde a publicação da taxonomia verde da EU – nunca se tinha falado tanto deste tema e nunca tínhamos vistos tantas as universidades a promoverem cursos nesta área. E com isso conseguiu-se atingir o objetivo inicial: acelerar o conhecimento acerca dos riscos ESG junto das empresas e instituições financeiras. O que cada empresa e instituição financeira faz com esse conhecimento “é problema de cada um”. O/A CEO tem todo o direito em achar que os riscos climáticos e de ESG não são relevantes para o seu negócio. Isso será claro se o tema da sustentabilidade surgir de forma lateral ou se for inexistente a nível estratégico.

O “pacote Omnibus” veio assim aliviar a obrigatoriedade, deixando que a grande maioria das empresas decidam como querem lidar com os temas ESG, devendo a regulação já produzida ser vista como conhecimento criado e que não existia. Com esse conhecimento as organizações definem as suas atuações. E tudo isso terá um impacto no mundo e no seu próprio negócio.

Ou seja, a meu ver, nada mudou significativamente. Quem vê que estes riscos devem ser geridos, irá continuar o seu trabalho quer exista ou não regulação. Quem não acredita nestes riscos, não tem agora motivo para fazer greenwashing.

Sofia Santos é CEO da Systemic. É economista e especializada em sustentabilidade e financiamento climático, com 27 anos de experiência profissional entre bancos, empresas, ONG, setor público, e agências bilaterais e multilaterais em Portugal e em África. É licenciada em Economia pelo ISEG, mestre em Economia pelo Birkbeck College na Universidade de Londres e Doutorada pela Middlesex University em Londres sobre o papel dos bancos na promoção do desenvolvimento sustentável

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