Neste momento, o melhor é não ler artigos sobre o novo Papa. Deve-se agradecer a Deus, rezar por ele, e ir sorvendo e digerindo as suas declarações à medida que surgirem. Perder tempo com aquilo que jornalistas e comentadores elaboram e especulam é tolice. Dado não ter concordado com o parágrafo anterior, e ainda estar a ler este artigo, vamos então perder tempo juntos
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES

O período inicial de um pontificado é sempre melindroso, pois os sentimentos ainda estão com o Papa anterior. Entre os que se sentem órfãos e os que estão aliviados, a maioria fixa-se no passado. Isso, pior que tolice, é arrogância, sobrepondo a nossa opinião ao sopro do Espírito. A Igreja não deve ser como nós queremos; nós é que temos de ser como a Igreja ensina.

Será a partir de agora o rumo semelhante ou diferente daquele que seguíamos até há poucas semanas? A única resposta verdadeira é: as duas coisas. Há um novo Papa, que o Senhor escolheu para determinar o caminho. Mas a Igreja é a mesma, pelo que viveremos a continuidade na mudança, como desde o Pentecostes. O mais importante neste momento é relembrar a enorme gratidão a Deus por nos permitir viajar na barca de Pedro, amando-a com todas as forças: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68).

Dado que insiste na leitura, vou então, relutantemente, entrar no jogo de especulação dos comentadores, e que Deus me perdoe.

Que sabemos já sobre o papa jubilar? Antes de mais nada, e acima de tudo, é missionário. Essa é, certamente, a razão central da escolha do Conclave. Dedicou ao apostolado o melhor da sua carreira, e referiu-o três vezes na saudação inicial, além de se dirigir na língua nativa à sua diocese de missão. Isso significa que, como então anunciou, a sua será “uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, que dialoga, sempre aberta a acolher como esta praça, com os braços abertos a todos, todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, do diálogo e do amor”.

Em segundo lugar, este “filho de Santo Agostinho”, como se apresentou na varanda, será o primeiro Papa da Ordem do grande doutor da Igreja, que viveu no tempo dos Vândalos. Não é difícil identificar os vândalos de quem Leão XIV terá de defender a civilização. Bacharel em Matemática na Villanova University da Pensilvânia, Mestre em Teologia pela Catholic Theological Union de Chicago e doutor em Direito Canónico pela Pontificia Università S. Tommaso d’Aquino em Roma, será um grande intelectual a trazer a luz da doutrina e da sabedoria a esta época embriagada de banalidade.

O terceiro aspeto marcante é a escolha do nome. O próprio Papa relacionou-a com Leão XIII e a nova questão social, “para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial”. Mas é bom não esquecer o motivo por que, há mais de 1500 anos, tantos pontífices preferiram ser chamados assim: o Papa Magno que, no ano 452 enfrentou Átila e evitou a invasão da Itália. Não é difícil identificar os hunos com quem Leão XIV terá de negociar a paz, tema dominante das suas primeiras palavras.

Em quarto lugar, aqueles que o conhecem referem-no como uma pessoa muito discreta e muito serena. A primeira característica representará um obstáculo, para quem passará a ser o centro das atenções onde quer que esteja. Mas a segunda é decisiva, até porque a sua impassibilidade provém de uma fonte evidente, também referida na saudação inicial: “Estamos todos nas mãos de Deus. Por isso, sem medo, unidos de mãos dadas com Deus e entre nós, sigamos em frente!”

Finalmente, merece uma referência o facto que domina os comentários: Robert Francis Prevost é o primeiro Papa norte-americano. Isso é especialmente significativo por essa sociedade estar há décadas em processo de autodestruição; algo que, curiosamente, também se pode dizer da sociedade argentina, de onde o Papa anterior provinha e que nunca visitou. O único caminho de salvação para ambas, como para todas, é aquele que Leão XIV, como Francisco, lhes aponta: “A paz esteja convosco!”

Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas

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