Por HELENA OLIVEIRA
“Vivemos em adeus e em viagem e é preciso um certo hábito de partir e uma certa vontade de não entristecer”, Raul Diniz
Ao longo dos últimos 25 anos, Raul Diniz, Professor de Ética e Factor Humano na AESE – Escola de Direcção e Negócios -, foi mais do que um mestre para os muitos dirigentes que pelas suas sessões passaram e para outros tantos que o ouviram falar em distintas ocasiões ao longo deste último quarto de século.Exímio orador, foi através das muitas histórias que tão bem sabe contar, que marcou várias gerações de gestores e executivos, os quais lhe prestaram uma digna homenagem, na passada sexta-feira, com duas ovações de pé, naquela que seria a última Assembleia Geral em que participaria enquanto Presidente Emérito da AESE . Aos 74 anos, o reputado professor e orador abandona a vida lectiva, deixando um lugar difícil de substituir, mas um enorme legado em matéria de ética, liderança e “pessoas”, disciplinas fundamentais para uma gestão que não se deve limitar às “best practices, mas também às next practices, inovando e tendo visão de futuro”, como afirma o próprio.
Revisitando o seu contributo – através da selecção de um conjunto de intervenções, proferidas em contextos variados, e publicadas agora em livro pela própria AESE – é possível traçar uma espécie de cronologia dos dilemas éticos e de liderança que assolaram o mundo nas duas últimas décadas. E, nesta altura em particular em que tanto se fala da falta de ética e de transparência de vários gestores portugueses (infelizmente, o fenómeno não se limita nem às fronteiras nacionais, nem às temporais), bom seria que o esforço de humanizar a gestão – missão assumida pelo próprio professor – fosse realmente um compromisso levado a sério pelos que lideram os destinos empresariais – e outros – do país.
Porque, como a actualidade tão bem espelha, nunca é demais relembrar, o VER destaca alguns princípios defendidos por Raul Diniz ao longo da sua carreira, os quais não são de todo obsoletos, antes comportamentos que teimam em ser relegados para segundo plano num número demasiado grande de organizações.
“Toda a organização é essencialmente uma obra humana”
Não seria errado afirmar que a velha máxima de colocar as pessoas no centro das empresas é tão usada e abusada que nem as organizações, nem as pessoas lhe conferem o mínimo significado. Todavia, a forma como Raul Diniz “apresenta” os colaboradores como fulcrais para qualquer organização é, desde logo, um convite a uma redefinição do termo “recursos humanos”. Ao afirmar que “as empresas são o que são os seus homens e mulheres”, o Professor alerta para a necessidade de “uma concepção do papel das pessoas não mecanicista”, recordando que apesar da psicologia e da sociologia, entre outras ciências sociais, terem invadido a organização (…), esta foi sempre primordialmente entendida como um sistema técnico”.
“Esta visão mecanicista tende a que as pessoas procedam como máquinas, engrenem como elas, sendo a direcção de pessoas vista como um lubrificante que evita atritos”, declara ainda.
Visão de outros tempos, poderão defender-se as empresas – em especial as que colocam os trabalhadores no centro dos seus bonitos relatórios de responsabilidade social ou de sustentabilidade – mas a verdade é que nem todas se recordam que sendo a “a evolução para a cooperação a única disponível para encarar o futuro”, “(…) temos de deixar os confrontos e trabalhar juntos na busca de objectivos comuns”. Raul Diniz refere ainda a urgente necessidade de “qualidade humana para ter empresas honestas e de qualidade profissional para ter empresas competitivas”, evidenciando ainda que “há que aceitar vitalmente que a ética pessoal e a actuação profissional honesta e eficaz se reclamam e necessitam mutuamente para alcançar a plenitude pessoal”.
[pull_quote_center]Há que aceitar vitalmente que a ética pessoal e a actuação profissional honesta e eficaz se reclamam e necessitam mutuamente para alcançar a plenitude pessoal.[/pull_quote_center]
Sublinhando a importância de que “não se importa o que se tem, mas quem se tem”, o Professor recorda ainda outra máxima que fica sempre bem nos discursos das empresas – a grande vantagem competitiva são as pessoas – acrescentando-lhe, contudo, as “varáveis” de que estas são, também, “as fontes do conhecimento, da criatividade e da inovação”, na medida em que “só as pessoas têm pensamento criativo, ousam e enfrentam dificuldades e só as pessoas são capazes de criar humanidade e amabilidade no mundo empresarial, que tanto necessita destas virtudes, como da eficácia”.
Adicionalmente, e recordando um dos grandes desafios “modernos” na história da gestão – a conciliação entre vida pessoal e profissional – e tendo em conta que “as pessoas não valem apenas na sua vertente técnica, mas têm de aprender a ser profissionais”, o que se traduz na conversão dos seus conhecimentos técnicos em instrumentos de serviço aos outros, Raul Diniz afirma também que “a qualidade dos resultados e dos processos não são independentes da qualidade das pessoas”. Ou, incluindo aqui a palavra mágica para muitos líderes empresariais, “a produtividade não melhora aplicando exclusivamente medidas técnicas (…), tendo de se prestar atenção também à promoção de valores, respeitando a dimensão própria das pessoas, da família (conciliação) e da vida social (cidadania corporativa)”.
“Se não é capaz de convencer, não mande”
“Poucas palavras têm, hoje, tanto sortilégio e são objecto de tanto desejo como a palavra liderança”, afirma, convicto, Raul Diniz. “(…)Todas as escolas de negócio se comprometem a ensiná-la e a fazer dos seus frequentadores líderes; é considerada a força mais poderosa da terra para o desenvolvimento das organizações, dos Estados e para o progresso da civilização; e a prova deste sustentado interesse reside na numerosíssima bibliografia existente sobre a matéria”, enumera também.
E apesar de as crises que estalaram nos últimos anos terem evidenciado, também, as más lideranças – ou os maus líderes – a verdade é que a busca pela sua “alma” tem sido uma constante desde tempos imemoriais. Como refere o Professor, “só assim se justifica a abundante literatura sobre figuras históricas (…) para encontrar o essencial da liderança e extrair lições da sua vida”. Mas e como questiona, “o que permanece para além dos tempos, do progresso, das tecnologias?” ou “como liderar em tempos de crise, onde nada será como antes?” Ou ainda “o que devemos exigir [de um líder]?”.
Enquanto professor e orador reconhecido, Raul Diniz dedicou muito tempo da sua vida a tentar, ele próprio, encontrar respostas para as perguntas acima formuladas. E, dado que o tempo é escasso para nos alongarmos nesta cruzada, as suas principais interpelações são apenas superficialmente afloradas e sintetizadas, não deixando, por isso, de nos convidar também à reflexão.
[pull_quote_center]A liderança, hoje, é muito mais do que acertar nas grandes decisões e dar ordens[/pull_quote_center]
Em primeiro lugar, e “porque o mundo dos homens é infinitamente menos ordenado que o mundo da matéria”, o estudo da liderança nunca poderá ser considerado como uma ciência exacta, sendo antes “um fenómeno intangível e qualitativo, de natureza fluida”. Em segundo lugar, é sua a certeza que “fazemos o impossível quando alguém nos inspira” e “que só se pode aprender de um mestre”. Em terceiro, e situando-a no tempo presente, “a liderança, hoje, é muito mais do que acertar nas grandes decisões e dar ordens”.
Assim, o líder “moderno” – que tanto utiliza estrangeirismos nos seus discursos – deverá apostar nos verbos de acção como “envisioning, empowering and energizing”. Ou, de acordo com a “definição” de Raul Diniz, a liderança de hoje consiste em “desenvolver e comunicar uma visão corporativa, estabelecer os valores partilhados, (…) traduzir a visão em acção, levando as pessoas a agir com a necessária autodisciplina e responsabilidades claras”. O Professor sublinha também a importância dos “três H da Liderança: humildade, humanidade e [sentido de] humor”: o primeiro “para se ocupar dos outros, (…) para o desprendimento dos cargos, para se alegrar com os êxitos dos outros, para não ser insubstituível – (…) mau futuro teria uma organização que dependesse de uma só pessoa”, afirma; o segundo, “para a escuta activa. Não tem a voz mais forte, mas o ouvido mais atento. Escuta, até, o que não foi dito. Para a empatia, para facilitar o encontro e o diálogo, intuir dificuldades e problemas, mandar sem humilhar (…); e o terceiro, “para rir com os outros e de si próprio, para se distanciar saudavelmente de si mesmo, dos problemas e… do sucesso (nothing kills like success)”.
Ainda mais “adequado” aos tempos incertos e que velozmente correm, o Professor destaca também as seguintes “qualidades” dos líderes inspiradores: a credibilidade do que diz, aliada à verdade e à justiça; preservar e adquirir novos talentos (apesar dos magros incentivos) e recognize, support, develop and reward; pensar a longo prazo, malgrado as solicitações constantes do imediato, e tentar atingir esses objectivos, não cedendo a pressões nem perdendo o foco; resolver problemas, não bastando identificá-los e comunicar (para dentro e para fora) resultados.
Para terminar e recordando a síntese que se impõe a este artigo, “os desafios mais importantes estão sempre na formação, porque não se pode ser melhor dirigente sem ser melhor pessoa”; “ninguém dispensa o bom líder de boa capacidade de negociação”; saber “persuadir”(não confundir com manipular); um elevado grau de empreendedorismo, que deverá incluir “imaginação realista, iniciativa e assunção de riscos calculados; dinamização de criatividade e inovação”. “Temperem-se estas qualidades com boas doses de empenhamento e um pouco de paixão”, acrescenta, e realça, não é possível esquecer nunca que “se o líder tem todas as qualidades, mas não desperta confiança, falta-lhe a alma da liderança”. O mesmo acontece quando se encara a liderança como uma “posição” e não como um “processo”.
“A ética não é flor de um dia: exige luta constante e treino permanente”
“Esquecemos metade das lições de Adam Smith, que era um professor de filosofia moral – ética, portanto -, antes de ser pai da economia moderna. Ele disse-nos, de facto, que a economia de mercado é provavelmente o melhor instrumento e que o lucro pode ser um meio de optimizar a economia, desde que estejamos comprometidos e sejamos capazes de moderar a nossa ganância e ter em conta o interesse dos outros e da sociedade”.
Ganância moderada e interesse pelo bem-estar da sociedade não têm feito parte do comportamento habitual da maioria dos líderes empresariais. E, como afirma Raul Diniz, “ se bastasse um código de ética” – os quais, muitas vezes, estão pendurados como enfeite nos gabinetes dos CEO ou a apanhar pó algures – “seríamos todos bons”, diz, sublinhando ainda que anunciar boas intenções não chega para as realizar. Para o Professor, a ética está relacionada com as atitudes internas e decisões pessoais, sendo necessário “educar as pessoas na ética antes de a prescrever por regulação”, ou seja, demonstrar que “o não cumprimento de níveis éticos fere o negócio e a sociedade”.
[pull_quote_center]O não cumprimento de níveis éticos fere o negócio e a sociedade.[/pull_quote_center]
Discordando profundamente dos “economistas rigorosos que querem integrar a ética na análise financeira” – esquecidos que estão de que “há tantas coisas que não têm medida, mas antes valor”, Raul Diniz defende que “não há competência profissional sem qualidade moral”, sendo esta um processo de melhoria contínua, já que se pode – e se deve – ser sempre melhor.
Criticando ainda o curto prazo vigente na actualidade, para o Professor “tanto as pessoas como as organizações têm dificuldade em conciliar aspectos mais profundos, como são os éticos, quando estes custam dinheiro”, sendo que em todo o investimento “deve estar-se disposto a renunciar a um benefício de curto prazo para obter um maior, mais tarde”.
Citando um artigo do The Economist sobre business ethics, que a caracterizava como algo fashionable perhaps, but also vague, Raul Diniz afirma também que a ética empresarial vivida por muitas empresas passa por “cumprir uma moda, mas não incomodar demasiado, evitando concretizações molestas”. Ou seja: “uma ética estratégica, instrumentalizada, “domesticada” que serve “os propósitos de imagem, de cosmética, de etiqueta”, ou “uma ética tornada retórica.
As várias reflexões de Raul Diniz sobre esta temática tão cara ao mundo empresarial, em particular, e à sociedade, no geral, podem ser sumarizadas na seguinte afirmação: “não existe a ética dos instrumentos, a ética do mercado, a ética do capitalismo: existe um homem que dá sentido ético a cada comportamento”.
NOTA: Este artigo foi baseado no livro “Inspirando Líderes: palavras de circunstância”, que a AESE publicou como homenagem ao trabalho desenvolvido por Raul Diniz, essencialmente ao longo da última década.
Editora Executiva
as empresas são o que são os seus homens e mulheres!
Muitos parabéns pelo artigo que me relembrou a altura em que conheci o Professor Raúl Diniz, era eu estudante universitário e fazia uns “biscates” de Verão na AESE para ter uns trocos para as férias. Desde a primeira vez que conversámos pude notar a tal atitude de humildade, humanidade e sentido de humor. Deixou a sua marca.
O próximo passo que tenho a fazer é ler o livro e transportar o que lá se diz para as pequenas coisas do dia-a-dia.
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