POR MARGARIDA GASPAR DE MATOS
No dia 17 de Maio de 2017, os portugueses foram incessantemente informados pela comunicação social que “os adolescentes portugueses estão cada vez mais obesos”. Os dados divulgados provêm de um relatório elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com base nos últimos quatro relatórios do estudo Health Behaviour in School aged Children – HBSC, onde Portugal está incluído, com a minha coordenação, desde 1998. No presente relatório estão incluídos 27 países que realizaram as edições de 2002, 2006, 2010 e 2014 do estudo HBSC.
Este estudo realiza-se a cada quatro anos com amostras significativas de adolescentes dos países incluídos e destina-se a conhecer a saúde dos adolescentes e a influenciar as políticas públicas para a sua promoção.
O HBSC tem muito mais áreas da saúde em estudo, mas neste relatório a OMS focou em quatro indicadores – Actividade física, Sedentarismo, Alimentação e Obesidade, estudando a fundo as tendências ao longo destes 12 anos, as diferenças entre estes 27 países, as diferenças de género e as diferenças de idade (11 anos, 13 anos e 15 anos).
Olhando para a percentagem de adolescentes obesos em Portugal, verifica-se que de 2010 para 2014 a obesidade diminuiu muito (muito!) ligeiramente. O que faz com que a posição relativa de Portugal seja tão desfavorável é o facto de a situação ter melhorado mais rapidamente nos restantes países, nomeadamente naqueles que não se debateram com uma recessão económica, e nos países que já têm anos e anos de políticas públicas “amigas das pessoas e da sua saúde e bem-estar”. Já a nossa história de empenho das políticas públicas é bem mais recente, e a nossa recessão bem mais saliente.
Mas vamos a factos: a obesidade é uma resultante de um excesso de ingestão e uma lacuna de dispêndio calórico. Por isso é útil considerarmos, por um lado, a alimentação (a qualidade e a quantidade de alimentos ingeridos e quais destes são saudáveis e pouco saudáveis, calóricos ou pouco calóricos) e, por outro lado, considerarmos não só a diminuição do sedentarismo (a gestão do tempo de ecrã, o excesso de tempo a dormitar ou que passamos inertes), como o aumento da actividade física. Se aumentarmos o tempo e a intensidade da actividade física mas esta for acompanhada de uma ingestão excessiva de alimentos calóricos, poderemos ser pessoas activas e obesas. Temos pois que equilibrar a ingestão e o dispêndio calóricos.
[quote_center]Apesar do recente referencial para a Educação para a Saúde que contempla a alimentação, os alunos preferem ir comer “junk food” na periferia da escola[/quote_center]
A boa alimentação tem de começar na família, em tempos de agradável convívio e em ambiente descontraído. Seria interessante pais e filhos confeccionarem alimentos em conjunto, conversarem sobre isso e criarem uma “cultura familiar de alimentação saudável”. Não se trata de uma tarefa com elevado dispêndio económico ou de tempo, mas de um convívio à volta da cozinha e da mesa, com foco numa alimentação saudável.
Na escola temos a lei da oferta e da procura. Os adolescentes queixam-se que a comida da escola sabe mal e parece mal. O bar da escola nem sempre tem disponíveis alimentos saudáveis. E as máquinas distribuidoras de snacks (proibidas), nem sempre desapareceram. Apesar dos esforços dos dirigentes e do recente referencial para a Educação para a Saúde que contempla a alimentação, as coisas nem sempre correm bem e os alunos preferem ir comer (junk food) na periferia da escola. Claro que não é só na escola e em casa que os adolescentes consomem alimentos (saudáveis ou não), mas seria um bom começo.
A actividade física também devia começar na família, ocupando tempos de agradável convívio em ambiente descontraído. Seria, pois, igualmente interessante pais e filhos terem uma actividade física “de família”, conversarem sobre isso e criarem uma “cultura familiar activa e saudável”. Não teria de ser uma tarefa com elevado dispêndio económico ou de tempo, seria mais um convívio à volta de uma actividade comum.
Na escola os alunos que gostam de actividade física lá vão praticando, mas os que não gostam têm dificuldade em encontrar “o seu lugar”; e esta actividade física é muitas vezes acompanhada de agressões e provocações (algo temidas). Na escola a actividade física tem uma oferta limitada (face aos gostos e motivações dos alunos), e os requisitos de higiene corporal nem sempre são cumpridos (por exemplo quando os alunos praticam com a roupa que vestem no dia a dia e não tomam duche). Claro que a escola e a família não são os únicos contextos a mobilizar, mas já ajudaria muito.
Por outro lado, as pessoas com problemas económicos preocupam-se mais em não ter fome do que em ter uma alimentação saudável, ou em se manter activas. As pessoas em ‘apuros’ económicos muitas vezes não têm energia para se preocupar com a sua saúde. Gastam boa parte dessa energia a sobreviver e a ultrapassar as dificuldades do dia-a-dia. Tendem também a desinvestir nos estudos, a ter filhos mais cedo e a abandonar os estudos e a perpetuar, assim, o ciclo da pobreza e da baixa escolarização, que muitas vezes as priva da própria informação sobre a sua saúde e como promovê-la.
Alertando para a pertinência da promoção da saúde, fica todavia um alerta para “extremismos””. Porque o stress também pode accionar mecanismos que levam ao excesso de peso e a uma percepção de mal-estar pessoal e social. Preservemos pois uma boa alimentação e um bom nível de actividade física, mas não nos deixemos obcecar por qualquer uma delas, nem fiquemos “ cegos” face a potenciais efeitos colaterais (perturbações alimentares, provocações interpessoais, falta de higiene). É preciso criar e manter hábitos suaves, agradáveis e culturalmente relevantes, serenamente consolidados desde muito cedo. Hábitos que tornem tanto a alimentação como a actividade física fontes de saúde física, mas também fontes de prazer e de convívio, e de bem-estar pessoal e social.
Psicóloga e Professora Catedrática da FMH / Universidade de Lisboa