A Fundação Manuel Violante mobilizou um grupo de organizações que acompanha há vários anos para refletir e definir linhas de atuação relativamente aos desafios da economia social. Interessava a este grupo, mais do que o levantamento dos desafios, a definição de objetivos, mais conjunturais do que estruturais, que pudessem ser atingidos pelos vários players do ecossistema social
POR PATRÍCIA ROCHA
“I alone cannot change the world, but I can cast a stone across the waters to create many ripples.”
– Mother Teresa
Ao longo dos últimos 15 anos de atividade da Fundação Manuel Violante, temos acompanhado de perto muitas organizações sociais no seu caminho de desenvolvimento e crescimento. Trabalhar com organizações com diferentes perfis permite-nos conhecer em detalhe os seus desafios e, por isso, os desafios do setor que, apesar do correr dos anos e dos desenvolvimentos que se têm feito, se mantêm quase inalterados. As organizações na correria do seu dia-a-dia, e não obstante serem as principais partes interessadas, não conseguem organizar-se para ser parte da solução, continuando reféns dos problemas e de soluções importadas de outros.
Entendendo esta necessidade como chave, não só para o efetivo debate dos temas, mas também para a valorização e reconhecimento da competência destas organizações, a Fundação mobilizou um grupo de organizações que acompanha há vários anos para refletir e definir linhas de atuação relativamente aos desafios da economia social. Interessava a este grupo, mais do que o levantamento dos desafios, a definição de objetivos, mais conjunturais do que estruturais, que pudessem ser atingidos pelos vários players do ecossistema social.
O grupo, motivado pela possibilidade de discutir soluções que envolvessem as próprias organizações sociais, iniciou a reflexão colocando em cima da mesa os pontos fortes do setor, entendendo que é partindo das forças que as soluções se devem construir. Foram imediatamente identificadas características diferenciadoras destas organizações que lhe conferem vantagem relativamente a outras entidades da economia portuguesa, nomeadamente o setor privado, e que as faz acreditar que efetivamente estão do lado da solução e não do problema. De entre as muitas forças da economia social, foram reconhecidas as seguintes: a flexibilidade e agilidade na adaptação, a capacidade de ouvir e envolver verdadeiramente equipas (principalmente porque o fazem em cenários de muito menores recursos), o foco na pessoa e o respeito pelo ser humano, a eficiência na gestão de recursos (sempre escassos e muitas vezes insuficientes), a resiliência e o grit que tão bem as caracteriza em situações de crise. Todas elas características comuns em organizações fortes e sustentáveis, exatamente o que estas organizações não consideram ser no conjunto da economia portuguesa.
Facilmente se fez a ponte para os desafios do setor e de que maneira estes desafios podem quase apagar as forças identificadas e limitar a capacidade de atuação das organizações. A identificação dos desafios foi muito mais rápida, imediata e com pouca surpresa. Diariamente estas organizações enfrentam a dificuldade em conseguir fontes alternativas de financiamento, manutenção de um modelo de negócio sustentável (num quadro legislativo nem sempre facilitador), baixa valorização e reconhecimento do trabalho realizado, dificuldade em reter talento e legislação insuficiente, pouco ajustada à realidade e quase nada orientada para o futuro. Enfrentar esta natureza de desafios condiciona o desenvolvimento e melhoria no cumprimento da missão na medida em que o foco é fundamentalmente a subsistência.
Considerando que nem todos os desafios podem ser resolvidos ou mitigados pelas organizações sociais, foram identificados objetivos de trabalho que podem vir a constituir o início de um caminho transformador do setor e que devem contar com a participação de todo o ecossistema social. É urgente mudar o paradigma do setor social, reforçando a importância deste setor de forma absoluta mas também relativa face ao setor privado, inspirando através das forças identificadas e partilhando outras formas de ter sucesso. Uma mudança que se cimenta com visibilidade, mostrando o trabalho magnífico destas organizações e dos seus excelentes líderes, reforçando o impacto social e económico que têm – e que cria a agenda certa para intervir – influenciar politicas públicas que reforcem o quadro legal do setor e que criem condições à sustentabilidade e desenvolvimento destas organizações.
Nenhum destes objetivos pode ser alcançado se não existir uma estreita colaboração entre todos os intervenientes na economia social, o próprio setor social, mas também o setor corporativo, o setor público, a academia e a sociedade civil. Urge definir uma ambição e uma agenda conjunta que consiga dar a este setor o impulso que precisa e merece.
Patrícia Rocha
É Responsável da Rede de Respostas Sociais do programa SEMÁFORO e directora executiva da Fundação Manuel Violante