As empresas necessitam de pessoas com capacidade de lidar com a incerteza e a flexibilidade, que não aceitem a mudança apenas, mas que se motivem com a própria mudança e, no final, apresentem desempenho e resultados, consistentemente. Pode não se saber como será o trabalho do futuro, mas certamente que quem possuir este tipo de competências estará mais bem preparado para aprender o que for necessário e acrescentar o valor humano que a tecnologia não poderá substituir
POR MARIA DE FÁTIMA CARIOCA
A Inteligência Artificial mudará estruturalmente a forma como conduzimos os negócios e também a forma como ambicionamos e alcançamos o crescimento pessoal. Não será novidade que cerca de metade dos atuais colaboradores necessitarão de desenvolver novas competências num futuro muito próximo. Também não é novidade que a Inteligência Artificial está já a criar novos e muitos postos de trabalho. Mas a verdade é que quem é dispensado devido à automação das suas funções, normalmente, não tem acesso às tais novas funções criadas pela tecnologia. Por outro lado, o talento disponível no mercado com competências para as novas funções não parece ser suficiente para responder à procura e apresenta características muito diferentes das anteriores gerações. Grande desafio!
Às empresas restam assim duas vias não exclusivas, mas complementares: fazer, internamente, o re-skilling (ou up-skilling) ou, por outro lado, contratar colaboradores já com as competências requeridas. Neste processo, chamemos-lhe de transformação digital, estima o Prof. Erik Brynjolfsson de Stanford que por cada dólar investido em tecnologia, nove dólares necessitarão de ser investidos em talento e processos relacionados, como sejam a identificação de pessoas com as competências e o potencial desejados, o desenvolvimento de competências críticas, a gestão dos processos de mudança ou a criação de condições para que as pessoas desenvolvam o seu potencial. Por tudo isto se conclui que muito do sucesso ou insucesso dos processos de transformação digital depende não da tecnologia em si mesma, mas do fator humano: o talento.
Neste sentido, e ante um futuro que teima em manter-se imprevisível, que competências se deve então procurar e/ou desenvolver? Considerando a volatilidade da vida útil das competências, hoje perde importância o passado profissional de cada pessoa enquanto ganha relevância o potencial para o que possam vir a fazer. Assim, ao pensar no desenvolvimento de competências de futuro, uma boa aposta será certamente as chamadas competências transversais: capacidade de aprendizagem e adaptação, curiosidade, resiliência, drive, inteligência, empatia, etc. As empresas necessitam de pessoas com capacidade de lidar com a incerteza e a flexibilidade, que não aceitem a mudança apenas, mas que se motivem com a própria mudança e, no final, apresentem desempenho e resultados, consistentemente. Pode não se saber como será o trabalho do futuro, mas certamente que quem possuir este tipo de competências estará mais bem preparado para aprender o que for necessário e acrescentar o valor humano que a tecnologia não poderá substituir.
Porém, o Talento é apenas a primeira parte do desafio. A segunda parte do desafio vem com as Pessoas, ou seja, como gerir os novos (e não tão novos) colaboradores que, apresentando as competências e o potencial, trabalham, relacionam-se, vivem de uma forma muito própria.
Um aspeto concreto diz respeito às novas formas de trabalhar onde a distância deixou de ser um tema. É verdade que, para as empresas, tal facto pode ser visto como uma grande oportunidade porque, de repente, têm o mundo inteiro para procurar o talento de que necessitam. Mas para os colaboradores também o é porque muitos podem hoje ambicionar trabalhar para o mundo inteiro. Nunca como antes, é possível, com uma boa preparação (leia-se uma boa formação), dar “o triplo salto”, ou seja, mudar de setor, de função e de geografia. Aliás, é uma atitude que demonstra grande capacidade de adaptação e compromisso, características essenciais para os líderes do futuro.
E para liderar estes líderes do futuro necessitam-se hoje líderes super-heróis, ou seja, líderes com “super-poderes” que multiplicam o efeito da própria liderança. Saliento 4 poderes:
Negociação: O poder de criar de valor
Negociar significa buscar formas de superar obstáculos e resolver os problemas que enfrentamos, criando ligações com os outros, estabelecendo pontos comuns e cooperando, em conjunto, para criar valor mutuamente.
Bom-humor: O poder de comprometer
Uma atitude bem-humorada no trabalho não significa não levar a sério objetivos ambiciosos e resultados. Na verdade, muitas vezes, é exatamente o contrário. Um líder bem-humorado promove o envolvimento, o empenho e o compromisso de cada um, bem como a criatividade, a sinergia e a colaboração em equipa.
Partilha da realidade: O poder de desenvolver a pertença
Arianna Huffington certa vez descreveu a sua relação com o cofundador do Huffington Post como “terminar as frases um do outro”. Essa capacidade de estar em sintonia abriu o caminho para o sucesso de seus negócios.
Partilhar a realidade como a vemos é reforçar este alinhamento, este pensamento síncrono entre as equipas, num local de trabalho onde muitas pessoas trabalham híbrida ou remotamente, descobrir como podemos pensar juntos mesmo quando trabalhamos separados.
Tomada de decisão: o poder de impulsionar
Num mundo onde a informação é distribuída e muda rapidamente, é fundamental para um maior desempenho da empresa que todos estejam envolvidos e alinhados com a estratégia para o futuro da organização e sejam capazes de tomar boas decisões autonomamente. Neste contexto, impulsionar significa sobretudo promover as competências que os apoiem na tomada de decisões.
Na realidade acredito que, embora a liderança sempre exija uma certa dose de heroicidade, não se baseia em “super-poderes”, mas em valores humanos reais e realmente poderosos. Os quatro poderes que apresentei demonstram isso mesmo e resumem-se ao que qualquer líder é chamado a fazer: centrar-se nas suas pessoas e no seu desenvolvimento, a fim de, em conjunto, alcançarem uns objetivos comuns, uma missão comum. Se bem virmos, trata-se de competências de liderança que podem ajudar as pessoas a trabalharem em conjunto, a trabalharem melhor e, quiçá, serem mais felizes. Se assistir ao Euro 2024, desde logo reconhecerá muitos exemplos, em cada jogo. E a boa notícia é que “super-heróis” como estes, líderes autênticos, podem-se desenvolver e preparar-se para o presente e antecipar o futuro. Não acredita? Nada como vir à AESE e experimentar ou conversar com outros ”super-heróis”. Comprovará que é verdade!
Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios. Republicado com permissão.
Professora de Factor Humano na Organização e Dean da AESE Business School