São aguardadas com ansiedade o ano inteiro e muitos planos se fazem para o período em que não existem horários, rotinas, pressas ou obrigações a mandarem nas nossas vidas. Chegam as férias e, com elas, o convívio mais intenso entre pais e filhos — tantas vezes desejado, mas também desafiante. Entre momentos de harmonia e episódios de impaciência, este tempo de ócio partilhado pode revelar-se um território fértil de educação emocional, recheado de vínculos, valores e memórias afectivas
POR HELENA OLIVEIRA
As férias não são apenas uma pausa no calendário ou um tempo de lazer despreocupado. São, acima de tudo, um espaço privilegiado de convivência contínua, onde se revelam tanto a beleza como os desafios da vida em família. Ao romper com os automatismos do quotidiano, este tempo partilhado permite um olhar mais atento — sobre os outros e sobre nós mesmos.
Longe das rotinas e das distracções habituais, emergem gestos, palavras e silêncios que ajudam a construir (ou a questionar) os vínculos familiares. Os filhos aprendem com o que observam, sentem e experimentam — não apenas nos momentos de harmonia, mas também nas tensões, nas reconciliações, nos silêncios e nas escolhas diárias que os adultos fazem.
Neste sentido, as férias são uma poderosa escola de educação relacional e emocional, onde todos — pais e filhos — estão em processo de aprendizagem. Um tempo que, sendo vivido com presença, escuta e afecto, pode deixar marcas duradouras de segurança, pertença e memória partilhada.
A presença que educa
Durante o ano lectivo, a vida familiar está comprimida entre tarefas, horários rígidos, dispositivos digitais e correrias diárias. Mesmo quando se partilha o mesmo espaço, nem sempre se está verdadeiramente junto. As férias oferecem, por contraste, um contexto mais aberto, em que os pequenos rituais improvisados e os momentos de atenção com vagar ganham nova importância.
Para as crianças — e também para os adolescentes — o modo como os adultos descansam, lidam com o tédio ou gerem o tempo livre torna-se objecto de observação atenta. A teoria da aprendizagem social, proposta pelo psicólogo Albert Bandura e amplamente utilizada na Educação, sublinha que esse processo de observação é tudo menos passivo: os comportamentos que a criança integra são, na sua maioria, adquiridos pela imitação do que vê no dia a dia — e não tanto por lições verbais ou normas abstractas.
Quando estamos menos sobrecarregados e mais disponíveis, os nossos gestos tornam-se exemplos consistentes. Mesmo sem intenção de ensinar, os filhos aprendem. Sempre.
A educação que nasce da imperfeição
É também nas férias que as fragilidades se tornam mais visíveis. A convivência constante, a ausência de rotinas e o afastamento das redes de apoio habituais podem trazer à tona impaciência, frustração ou conflitos. Não é sinal de fracasso: é sinal de humanidade.
A forma como os adultos lidam com o erro, com a irritação ou com o cansaço é observada, em tempo real, pelos filhos. E, de acordo com a psicologia do desenvolvimento, é por meio da co-regulação emocional — primeiro com os adultos, depois de forma progressivamente autónoma — que as crianças aprendem a gerir os próprios estados emocionais.
Pedir desculpa, admitir limites, escutar com empatia: tudo isso educa. A pediatra Laura Markham lembra que a inteligência emocional se constrói nas interacções quotidianas, especialmente quando estas incluem a reparação dos laços após uma tensão ou desentendimento.
Gestos simples, memórias duradouras
As memórias mais marcantes da infância raramente têm a ver com eventos grandiosos ou presentes dispendiosos. São feitas de presença plena: de uma história contada com entusiasmo, de um castelo construído na areia, de um passeio que termina num gelado.
A neuroeducadora Catherine L’Ecuyer defende que os pequenos gestos — um olhar atento, um elogio sincero, um momento de escuta — são profundamente formativos. Gravando-se na memória emocional da criança, tornam-se parte da sua identidade. E, como confirma a neurociência, não é preciso muito: basta disponibilidade. Um jogo de cartas antes de dormir, uma refeição sem ecrãs ou uma conversa sem interrupções comunicam à criança o mais essencial: tu importas.
Estudos de Mary Ainsworth sobre o apego demonstram que a consistência e previsibilidade dos gestos de cuidado influenciam profundamente a forma como nos relacionamos na idade adulta. São essas pequenas experiências que estruturam o sentimento de segurança e a capacidade de confiar.
Construir identidade, transmitir valores
As férias contam a história da nossa família: aquilo a que damos importância, os rituais que cultivamos, os valores que praticamos. Se valorizamos o descanso, a escuta, a empatia, isso será vivido — e, por isso, aprendido.
A psicologia narrativa lembra-nos que as histórias vividas moldam a percepção da identidade. O psicólogo Jerome Bruner argumentava que organizamos a experiência em forma de narrativas, que depois influenciam a forma como nos vemos a nós próprios e ao mundo. Quando uma criança vive férias em que se sente aceite e valorizada, está a escrever um capítulo feliz na sua biografia emocional.
Os filhos podem esquecer os destinos, mas não esquecem como se sentiram. A psicologia positiva confirma que experiências relacionais significativas têm impacto directo na auto-estima, na resiliência e na empatia. Martin Seligman, fundador desta corrente, defende que a infância segura e afectivamente rica está associada à capacidade de experimentar bem-estar e optimismo duradouro.
A infância é uma biblioteca emocional. E nas férias, podemos enchê-la com histórias de autenticidade, escuta e afecto. Estar com os filhos não exige perfeição — exige presença.
Educar com o tempo que temos
A parentalidade não tira férias, mas pode ser reinventada no Verão. Estar de forma mais descontraída não significa abdicar de orientação ou limites, mas integrá-los num contexto de maior disponibilidade e escuta. Falar sobre o que durante o ano se adia, perguntar o que pensam, o que sentem, como vêem o mundo — tudo isso educa.
Educar não é apenas corrigir comportamentos ou transmitir ideias. É mostrar, todos os dias, como se vive com verdade, com alegria, com afecto. E é nesse tempo mais livre que os filhos observam, absorvem e imitam o essencial: o modo como estamos com eles e com os outros.
As férias são, assim, um território privilegiado de educação emocional. Um tempo em que os pais também aprendem, se redescobrem e se reaproximam dos filhos. Porque educar é, em grande medida, ensinar a viver. Dar tempo inteiro, escuta sem pressa, atenção verdadeira é uma forma de amar que também ensina. Como escreveu Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos” — mas visível no modo como estamos com os outros..
Fontes consultadas:
- Albert Bandura (teoria da aprendizagem social)
- Susan Pinker (psicologia social e laços presenciais)
- Laura Markham (parentalidade consciente)
- Martin Seligman (psicologia positiva)
Imagem: ©Pixabay.com
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