Do que realmente precisamos, não é de uma vida cómoda, mas de viver apaixonados; necessitamos de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida; o importante, na verdade, não é o que podemos recolher, mas o que podemos dar.
Qual é o propósito da minha vida? A quem sirvo? Para que sirvo? A quem me dou?
POR JOSÉ FONSECA PIRES

No seu relato autobiográfico intitulado “Man’s search for meaning”, o psiquiatra judeu Victor Frankl (1915-1997), fundador da Logoterapia e expoente máximo da terceira Escola de Viena, descreve o ambiente angustiante e depressivo que ia tomando conta dos prisioneiros que partilhavam com ele a reclusão em Auschwitz. Ele, como judeu que era, tinha sido deportado para este campo de concentração, e a sua mulher e filha, para um outro, próximo dali.

O presente era angustiante e violento; o futuro era sombrio e, na melhor das hipóteses, incerto. E ouvia-se dizer, em desabafos espontâneos ou muito assertivamente, “estamos perdidos”, e “eu já não espero disto nada de bom…”.

Os pensamentos de Frankl, porém, eram outros… a sua mente inquieta de investigador e médico levavam-no a interrogar-se: quem estará melhor preparado para sobreviver a este ambiente violento, arbitrário, incerto, diabólico? Serão os mais fortes? Deu-se conta de que não… A natureza é sábia, e não necessariamente os mais fortes do ponto de vista físico são os mais resistentes diante deste tipo de violência; serão os mais equilibrados? Também não, pois as pessoas equilibradas necessitam de uma referência e num clima totalmente arbitrário falta-lhes o chão e, como os outros, vacilam…

E, no meio das suas elucubrações, teve uma intuição surpreendente que garante a presença do seu nome, escrito em letras de ouro, no livro da história da humanidade: quem está melhor preparado, para resistir até às mais cruéis provações, são aqueles que têm um amor (alguém), ou um propósito (algo) que o projecta para fora da lógica do eu egoísta e lhe permite transcender-se. Ele sabia que a sua mulher e a sua filha baqueariam se viessem a saber que ele tinha desistido…

Do que realmente precisamos, não é de uma vida cómoda, mas de viver apaixonados; necessitamos de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida; o importante, na verdade, não é o que podemos recolher, mas o que podemos dar.

Qual é o propósito da minha vida? A quem sirvo? Para que sirvo? A quem me dou?

A minha meta não deverá ser a auto-estima e a auto-realização como tais (Maslow); a satisfação e a realização pessoais são o efeito reflexo e secundário do trabalho e do amor; a vida tem sentido, não como um desfrutar egocêntrico, mas como tarefa, como serviço, como dom. “A porta da felicidade abre-se para fora” (Kierkgaard).

Ou, parafraseando o Papa Francisco: sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência. A humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos (Evangelii gaudium, 87 [2014]).

Como sustenta Frankl: “Um homem que ganha consciência da responsabilidade que tem em relação a uma pessoa que espera por ele com afeição, ou ante um trabalho inacabado, nunca será capaz de deitar fora a sua vida. Ele conhece o «porquê» da sua existência e será capaz de suportar quase todas as «provações».

Responsável Académico da Área de Factor Humano na Organização e Membro da Direcção da AESE