POR MÁRIA POMBO
“A ética é reconhecida como uma importante qualidade de liderança, inclusive pelos líderes que reflectem sobre os seus melhores líderes”. Esta é uma das principais conclusões do ensaio “Porque nos marcam positivamente os líderes?”, da autoria dos professores Arménio Rego e Helena Gonçalves (da Católica Porto Business School) e Miguel Pina e Cunha (da Nova School of Business and Economics).
Publicado originalmente na edição de Verão da revista Nova Cidadania, o documento procura compreender em que pensam as pessoas, nomeadamente dos patamares intermédios da gestão das empresas, quando reflectem acerca das características dos líderes que mais positivamente os marcaram, com base na sua própria experiência.
Contrariamente ao que poderia ser esperado, este não é um tema consensual. Pelo contrário, existem abordagens que revelam que o mesmo apresenta até “uma contradição complexa”: se algumas pessoas consideram que um bom líder deve concentrar-se nas questões técnicas e nos negócios, abstraindo-se de preocupações morais e éticas, outras assumem, ao invés, que este deve ser dotado de ética, responsabilidade e respeito pelos outros.
Para os autores do documento, não restam dúvidas de que “quando temos perante nós um líder que não se compagina com o nosso protótipo de boa liderança, é provável que respondamos com alguma desconfiança e que não nos empenhemos como poderíamos nas suas orientações e na prossecução dos objectivos que ele desenvolve”, e que se, pelo contrário, “o líder se compagina com o nosso protótipo de bom líder, é mais provável que nos empenhemos” e que os resultados sejam melhores.
[quote_center]Com 48,3%, as competências de liderança pessoal foram as mais frequentemente mencionadas por parte dos gestores intermédios da EDP[/quote_center]
De modo a facilitar a abordagem ao tema e a compreensão dos conceitos, os autores agruparam as competências, ou características, associadas à liderança em quatro categorias: competências técnicas, competências sociais/relacionais, competências conceptuais/estratégicas e, por fim, competências de liderança pessoal.
De acordo com o documento, as competências técnicas “referem-se à proficiência no domínio de actividade da unidade organizacional”, o que, por outras palavras, significa que “um chefe da secção de contabilidade deve ser competente na área”, tal como “um director de um centro de estudos de um banco deve ser tecnicamente competente na área bancária”, e etc. Por seu turno, as competências sociais/relacionais “dizem respeito à capacidade de desenvolver e manter relações frutuosas com outras pessoas e entidades”, o que significa que “um chefe de produção ou um chefe do serviço de finanças, ainda que tecnicamente brilhantes, dificilmente entusiasmarão as suas equipas se forem relacionalmente incompetentes e abrasivos”.
Já as competências conceptuais/estratégicas “reflectem a capacidade de raciocinar e compreender a complexidade da realidade envolvente”, permitindo que um líder tome decisões estratégicas apropriadas com base na análise que faz à ”realidade social, política e económica” que o rodeia. Finalmente, as competências de liderança pessoal “referem-se à capacidade de o líder se gerir a si próprio – com autodisciplina, evitando excessos, contrariando a tendência para os vícios humanos e as tentações do poder” e opondo-se a “condutas desonestas ou práticas reveladoras de pouca sensatez”.
Competências relacionais são mais apreciadas que competências técnicas
Foi para compreender melhor as diferentes perspectivas e opiniões que, entre Novembro de 2016 e Janeiro de 2017, os autores do ensaio questionaram 964 pessoas – sendo que 474 eram gestores intermédios (34,3% do sexo feminino) da EDP que participavam num curso de ética, e 490 eram executivos (46% do sexo feminino) que participaram em eventos de formação (como MBA Internacional, MBA Atlântico, Curso Geral de Gestão) na Católica Porto Business School – acerca das características que destacam nos chefes que mais marcaram positivamente a sua vida.
Com 48,3%, as competências de liderança pessoal foram as mais frequentemente mencionadas por parte dos gestores intermédios da EDP, tendo reunido 35,3% das preferências por parte dos alunos de formação executiva da CPBS. Por seu turno, as competências sociais/relacionais foram a escolha da maioria dos alunos da CPBS (52,7%), e foram apontadas por 42,6% dos gestores da EDP. As competências estratégicas foram citadas por apenas 2,9% dos líderes da EDP e por 8,9% dos executivos que participaram nos cursos da CPBS, e as competências técnicas foram apontadas por 6,3% dos líderes da EDP e por 3,1% dos estudantes da CPBS.
A conduta ética (que se refere a qualidades como a honestidade, a coragem e a integridade) foi a mais citada entre as competências de liderança pessoal, e o apoio social (que os autores do ensaio descrevem como “uma competência que envolve condutas como o diálogo, a escuta activa, a capacidade de reconhecer os méritos e os esforços dos liderados, a empatia e o espírito cooperativo”) foi a competência social/relacional que reuniu a maior percentagem de menções.
Interessante é o facto de, por exemplo, a ética ter sido mais citada pelos líderes da EDP do que pelos executivos da CPBS, o que poderá ser explicado pelo facto de esses inquiridos “serem participantes num curso de ética”. Por outro lado, conclui-se que “o estímulo e o desafio ao desenvolvimento dos liderados foram mais citados pelos executivos participantes em cursos da CPBS”, o que poderá ter explicação no facto de, como referem os professores e autores do documento, os executivos que procuram formação em contexto académico estarem “porventura mais desejosos de aprender e desenvolver-se, pelo que valorizam mais os líderes que lhes alimentam, ou alimentaram, esse desejo”.
[quote_center]As competências sociais/relacionais foram a escolha da maioria (52,7%) dos alunos da Católica Porto Business School[/quote_center]
Apesar das diferenças assinaladas, a generalidade dos inquiridos destacou as competências de liderança pessoal e as competências sociais/relacionais como aquelas que caracterizaram os líderes que mais positivamente os marcaram. O facto de as restantes competências terem sido muito pouco mencionadas poderá significar não uma desvalorização das mesmas, mas apenas que estas, embora essenciais, por si só não são suficientes para uma liderança que perdura na memória.
Ética é reconhecida como “uma importante qualidade de liderança”
Uma nota curiosa aponta para o facto de as qualidades mais valorizadas nesta análise serem semelhantes àquelas que, em 2013, a Google identificou como as principais competências dos seus melhores gestores. Serem bons coaches, apoiando o desenvolvimento dos liderados, darem poder à equipa e demonstrarem preocupação pelo sucesso da mesma e pelo bem-estar dos seus elementos são três das principais competências referidas por este gigante da tecnologia. Serem produtivos e orientados para os resultados, terem uma visão e uma estratégia claras para a equipa e possuírem competências técnicas para a aconselharem são outras qualidades referidas pela Google. Complementarmente, os seus melhores gestores são, ainda, pessoas que sabem ouvir e partilhar informação e que apoiam os colaboradores no desenvolvimento das suas carreiras.
Mais recentemente, já em 2016, a Harvard Business Review (HBR) publicou as “suas” dez principais competências de liderança, com base numa análise que contou com a participação de 195 líderes de 30 organizações, em 15 países. Com 67% e sem margem para dúvidas, as competências éticas e os padrões morais são os mais valorizados pelos líderes. A definição de metas, respeitando a autonomia, foi a segunda competência mais citada (com 59%), e o facto de comunicarem com clareza o que esperam das pessoas foi a terceira qualidade referida (com 56%).
[quote_center]“Um líder admirado por alguns liderados pode ser odiado por outros”[/quote_center]
Entre as restantes, encontra-se ainda a flexibilidade (52%), o empenho em proporcionar formação contínua aos liderados (43%), a comunicação aberta e frequente (42%) e a abertura a novas ideias e abordagens (39%). No fim deste “top 10”, mas ainda assim reunindo percentagens significativas (entre os 38% e os 37%), os líderes inquiridos pela HBR referiram que é importante criar o sentimento de que o sucesso e o fracasso são o fruto do trabalho conjunto, ajudar as pessoas a crescerem para virem a exercer funções de segurança, e criar sentimentos de segurança para que as pessoas progridam por tentativa e erro.
Com base nos resultados apurados, os autores concluem que “parece haver um núcleo de competências de valia transversal a diferentes áreas, funções e culturas”, sendo a ética reconhecida como “uma importante qualidade de liderança, inclusive pelos líderes que reflectem sobre os seus melhores líderes”. Complementarmente, os autores do ensaio afirmam também que “não estamos perante atributos inatos ou traços da personalidade dificilmente mutáveis, mas antes perante competências que podem ser melhoradas com esforço, dedicação e tenacidade”. E se um líder não possuir competências essenciais para desempenhar bem a função que ocupa, é seu dever “fazer esforços de desenvolvimento pessoal e profissional” e rodear-se de pessoas que possam “suprir as suas carências”.
Por fim, a última conclusão deste ensaio indica que não existem “respostas universais para a liderança” e que “um líder admirado por alguns liderados pode ser odiado por outros”. E se é verdade que, por vezes, “ficamos surpresos com o facto de pessoas sem escrúpulos ocuparem o vértice das organizações”, também não é mentira que “no processo de conquista do poder, numerosos seguidores os apoiaram ou, pelo menos, ficaram silenciosos”, de onde se conclui que “para termos boa liderança, precisamos de bons líderes e de bons liderados”.
Jornalista