Se as previsões são, na grande maioria das vezes, erradas, por que motivo continuamos a utilizá-las? Porque necessitam os governantes e os empresários de terem números sobre o futuro que estão errados? Porque se tomam então decisões sobre políticas públicas e investimentos, com base em estimativas que assumem que o passado se repete?
POR SOFIA SANTOS

“Prever é difícil… principalmente no que diz respeito o futuro”, Neils Borth

Nos últimos anos, em particular em Portugal, temos vindo a constatar que as previsões de quase todos os valores acabam por não se verificar na realidade. As estimativas da OCDE, do Banco de Portugal, do FMI, do Governo entre outros, vão sofrendo constantes ajustes ao longo do tempo, e o valor efectivo raramente está perto do primeiro valor estimado. A título de exemplo e olhando para o gráfico abaixo – que indica as estimativas dos economistas da Société Générale, para o PIB americano – verificamos que nunca existiram previsões negativas e que estas são muito mais suaves do que a realidade.

© DR

Assim, e se as previsões são, na grande maioria das vezes, erradas, por que motivo continuamos a utilizá-las? Porque necessitam os governantes e os empresários de terem números sobre o futuro que estão errados? Porque se tomam então decisões sobre políticas públicas e investimentos, com base em estimativas que assumem que o passado se repete?

Na realidade, as previsões que têm por base métodos estatísticos, os quais, por sua vez, lidam com dados do passado, assumem que este se vai repetir e, como tal, que é possível prever o futuro. No entanto, e tal como a crise em Portugal acabou por comprovar, a única certeza que temos é que estamos em tempos incertos e que o futuro é difícil de prever. Se vivemos num mundo de “incertezas certas”, então a probabilidade de algo se repetir é mínima, não fazendo sentido – tendo como base as estimativas – planear a 10 ou 20 anos ou, até mesmo, a cinco anos.

É interessante também pensar se os decisores políticos e os empresários decidem sempre com base em informação estatística, ou se também seguem as suas “intuições”. É que nem sempre as “intuições” são assim tão irracionais. O autor de “Blink: The Power of Thinking Without Thinking”, Malcolm Gladwell, explica neste livro que, por vezes, a intuição é resultado da experiência de vida e de um processamento muito rápido que o nosso inconsciente faz de um conjunto de informação que nos chega ao cérebro, o qual é de tal forma rápido que não temos capacidade de explicar. O que explica a frase tantas vezes proferida de que “é a minha intuição”. Ou seja, se os decisores parassem para pensar na forma como tomam as suas decisões, seria interessante ganharem consciência se a maioria destas é tomada com base em dados numéricos e factuais, ou em intuições.

Este discurso serve para tentar chegar à ideia de que numa realidade em que as incertezas sobre o futuro são imensas, não sendo possível a (quase) nenhuma organização e governo controlar as variáveis de contexto global e nacional em que se encontra, então não é possível prever o futuro. Mas se assim é, como é possível elaborar estratégias a médio e longo prazo se sabemos que não conseguimos controlar o futuro?

Será possível então fazer estratégia? Sim, é possível. Mas é necessário ter presente que, num mundo de incertezas,“ (…) a melhor estratégia é aquela que dá à organização o maior grau de flexibilidade “ (Woody Wade), para permitir uma adaptação mais rápida da organização às mudanças que, entretanto, ocorreram e que têm impacto sobre o negócio. É por isso possível elaborarem-se estratégias sabendo, e afirmando desde logo, que não é possível prever o futuro e que o passado não se repete. Dever-se-ia até ter bem presente que uma estratégia bem-sucedida é aquela que vai permitir à organização ter uma reacção mais adequada quando algo de muito inesperado acontece e que, por isso, a utilização de previsões e conjecturas não são adequadas. Uma organização só consegue reagir de forma adequada a factores inesperados se conseguir já ter pensado neles, ou em situações próximas. Só consegue reagir adequadamente se identificar a tempo os factores de mudança, ou seja, se tiver na sua organização pessoas responsáveis por identificar os “early signals”, que podem originar um determinado futuro.

Assim sendo, faz todo o sentido que as organizações comecem a imaginar vários futuros possíveis, e de que forma se podem ajustar e agir no interior desses futuros. Para cada um deles, é possível identificar os “early signals” os quais devem soar como campainhas de emergência no Conselho de Administração, não porque algo está a arder, mas porque se identificou que algo poderá arder, e que é necessário evitar o incêndio.

Este pensamento é necessário em Portugal. Quer nas empresas, nas organizações de desenvolvimento regional, quer no Estado. E não é um pensamento esotérico, mas sim uma aplicação realizada em algumas organizações pioneiras e em Estados com visão.

A Universidade de Oxford lecciona, há 10 anos e bianualmente, um curso intensivo em Scenario Planning de uma semana. Em Abril último, o curso contava com 42 alunos provenientes de várias partes do mundo: Nigéria, Dubai, Hong Kong, Índia, EUA, Reino Unido, Brasil, Alemanha, Holanda, Portugal, Suíça, França, Bélgica, entre outros. Na sua maioria, os alunos eram empresários, assessores de conselhos de administração ou responsáveis pela estratégia e planeamento de negócios em várias organizações. Duas pessoas faziam parte do gabinete do Primeiro-ministro de Hong Kong, o qual possui um departamento de 20 pessoas apenas a trabalhar no desenvolvimento de cenários futuros como apoio à decisão da realização de políticas públicas. Posto isto, será que são os outros que são “estranhos” em elaborarem estratégias com base em cenários sobre o futuro e não com base em previsões estatísticas numéricas? Ou deveríamos nós seguir este método?

CEO da Systemic