Portugal tem um nível de persistência de pobreza entre as gerações que, não sendo dos piores da Europa, não nos pode deixar descansados. Os cuidados na qualidade da educação das camadas mais desfavorecidas, muitas delas migrantes, recomendam-se especialmente neste campo. No entanto, não são de esperar melhorias próximas
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES

O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), realizado pelo INE é um dos instrumentos mais poderosos para avaliar a nossa situação social. O Boletim Económico de Junho do Banco de Portugal usou aqueles dados para avaliar “A transmissão intergeracional da pobreza e da privação material e social em Portugal”, num estudo assinado por Nuno Alves e Cristina Manteu.

A análise compara a situação de pessoas com 39 a 49 anos com aquela que dizem ter tido aos 14 anos. Assim se considera a posição na adolescência relativamente à verificada quando “a participação no mercado de trabalho atinge alguma maturidade”. O número mais marcante é que “a persistência intergeracional da pobreza ascende a 6,7 pp” (pontos percentuais). Que significa isto? “Um indivíduo com uma boa situação financeira aos 14 anos apresenta uma probabilidade de 12,5% de viver atualmente [dos 39 a 49 anos] em risco de pobreza. No caso de a situação financeira ter sido má [aos 14 anos], essa probabilidade é de 19,2%” A diferença entre estes dois valores dá os tais 6,7 pp, o indicador de persistência.

Tal significa algo doloroso, mas não surpreendente: a pobreza é pegajosa e tende a persistir desde a juventude até o melhor período da vida em rendimento, o meio da carreira profissional. Existem, naturalmente, vários detalhes técnicos envolvidos, mas aquilo que interessa é avaliar se este nível é alto ou baixo? Preocupante ou animador? A única forma de responder a estas questões é fazer comparações. Um número isolado nada significa.

O texto não descreve a evolução temporal do indicador, pelo que a única possibilidade de avaliar a gravidade da situação é através de um quadro geográfico. Para isso, o estudo inclui os valores paralelos em outros países europeus. Considerando apenas os membros ocidentais da União, com quem nos gostamos de comparar, vemos que o nível português é mais baixo que os registados na Alemanha, Bélgica, Grécia e Itália, a qual tem mais do triplo do valor nacional. Por outro lado, o nosso nível é superior aos da Dinamarca (que tem um valor nulo), Áustria, França, Suécia, Finlândia, Holanda, Irlanda e igual à Espanha. Isso coloca-nos na margem mais favorável do terço inferior da tabela. Não somos os piores, mas estamos entre os piores.

Significativamente, essa também é a posição do nosso país se considerarmos o nível do indicador, e não a sua persistência. A percentagem de pessoas que vivem em risco de pobreza em Portugal foi de 16,6% em 2024, abaixo dos valores de Luxemburgo (18.1%), Itália (18.9%), Grécia (19.6%) e Espanha (19.7%), mas acima dos outros nove países. O valor mais baixo, na Bélgica, é 11,5%. Mais uma vez estamos colados ao terço mais desfavorável da UE.

Entre as várias causas possíveis desta situação, o estudo privilegia o ensino, afirmando que “O investimento em educação é uma das formas mais eficazes de melhorar as perspetivas económicas e sociais de uma criança”. Só que esse fator é, assumidamente, também um dos mais persistentes, pois “as qualificações dos pais condicionam a obtenção de qualificações dos seus descendentes, sendo esta transmissão intergeracional da educação reforçada pela interação com a situação financeira das famílias.”

Assim, não admira que esteja aí um dos principais problemas na viscosidade da nossa pobreza. Por outro lado, os enormes condicionalismos do setor educativo nacional, envolvido com poderosas corporações, não têm permitido que ele ultrapasse as dificuldades naturais dos alunos mais necessitados.

Portugal tem um nível de persistência de pobreza entre as gerações que, não sendo dos piores da Europa, não nos pode deixar descansados. Os cuidados na qualidade da educação das camadas mais desfavorecidas, muitas delas migrantes, recomendam-se especialmente neste campo. No entanto, não são de esperar melhorias próximas.

Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas

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