Sei que muitos de vós também conhecem Pikinitus, sejam vossos ou ‘emprestados’. Não deixem passar este Verão sem lhes dar a maior atenção possível, vão ver que também eles nos vão fazer andar por jardins, museus, praias e até memoriais de guerra e locais de contemplação sem nos obrigar a fazer figura de alucinados por gambozinos, insensíveis ao significado e contexto do que nos rodeia
POR NUNO GASPAR DE OLIVEIRA

Eu até nem era uma criança particularmente hiperactiva ou inquieta, gostava de brincar sossegado, de ler e ver bonecos MAS, quando ia para casa da minha avó e me juntava com os meus primos, ui, a coisa transfigurava-se e era criada uma espécie de sinergia entre nós que elevava o termo ‘agitação’ a uma figura de estilo. Nós desfazíamos os sofás para construir fortes, invadíamos os quintais para fazer ‘projectos’ de teatro e outras brincadeiras, resgatávamos velhos frigoríficos abandonados para construir ‘condomínios’ para periquitos e rolas e convencíamos a nossa avó a dar-nos ‘lanchinhos saudáveis’ como gelatina hiper-espessa, croquetes de bife-do-bom, torradas semi-carbonizadas a pingar de manteiga, sandes de açúcar e canela e refresco de café. Sim, muito ‘ralinho’ como ela dizia, mas além do gelo, água, açúcar e limão tinha lá uns farrapinhos daquele café de chaleira que ela fervia para o seu lanche.

Se a miudagem já andava agitada, adivinhem a seguir aos lanchinhos! Por vezes conseguíamos atingir um nível de insuportabilidade que roçava a de uma ‘aldeia dos macacos’. Ai, a minha pobre e sempre inacreditavelmente bem-disposta avó, que me ensinou poderosas metáforas como “juízo e vergonha só se servem em doses moderadas”, levava as mãos à cabeça e sugeria que fossemos ‘apanhar gambozinos’ para acalmar. Nós ficávamos parados durante uns (míseros) segundos a olhar uns para os outros e a pensar ‘que raio são gambozinos, onde se escondem e como os apanhamos?’. Mas rapidamente surgia uma estratégia colectiva e espalhávamo-nos pela casa e pelo quintal (e pelos telhados, ai se a minha mãe soubesse…) à procura dos benditos seres imaginários.

[pull_quote_left]Aqui estamos nós, embalados por uma espécie de ‘Macarena digital’, dançamos alegremente pelas ruas em busca de coisas que são suficientemente giras, divertidas, apelativas e motivadoras para nos fazer sair do conforto do sofá em busca de gratificação e excitamento[/pull_quote_left]

A caça ao gambozino tornava-se assim uma espécie de desporto radical que nos fazia andar por todo o lado, meio aluados com a possibilidade de ver qualquer coisa estranha em qualquer sítio inesperado e que frequentemente nos colocava em situações bastante parvas ou embaraçosas (nem queiram saber) que acabavam em joelho esfolado, cabeça amachucada (às vezes era preciso ver debaixo das camas e armários se havia lá gambozinos e nem sempre a retirada da cabeça era planeada de acordo com os limites físicos do local onde a tínhamos enfiado…) ou choramingos dos mais novos, culminados com os clássicos ralhetes dos mais velhos por andarmos feitos tontos a fazer não-sei-o-quê. Ah, mas era tão giro.

Entretanto veio a idade adulta e as responsabilidades e essas cenas sérias que fizeram de nós adultos equilibrados e… bem, quem é que eu estou a enganar. Ao que parece, dada a recente febre global pelo jogo Pokémon Go, a caça ao gambozino tornou-se um dos desportos mais populares e radicais do planeta, com caçadores de Pokémons a agirem como exploradores intrépidos de jardins e quintais alheios (ups…), hospitais psiquiátricos, aquartelamentos de bombeiros e esquadras de polícia, bairros dominados por gangues, estradas movimentadas e até sítios bem catitas como museus de história natural ou monumentos à galhofa como cemitérios, memoriais de guerra e os antigos campos de Awschitz-Birkenau … “gotta catch ‘em all” right?

Preocupadas com a necessidade de entretenimento saudável, as autoridades avisam-nos de algumas regras fáceis de esquecer como “crianças, não vão para sítios desconhecidos nem sigam estranhos que vos andem a indicar presença de Pokémons raros”, “não conduza enquanto caça Pokémons” ou “não procurem Pokémons junto a precipícios e zonas acidentadas”. Em Portugal até já temos uma seguradora que criou uma apólice especial para caçadores de gamboz… perdão, Pokémons. A minha avó ia ficar orgulhosa.

Ao que parece esta bicheza é mega-biodiversificada e muito divertida, com características distintivas entre si, ligadas aos elementos naturais da paisagem em que foram criados e que até podem evoluir para super-bichezas com poderes incríveis como … ermmm, deixa ver….

[pull_quote_left]Como biólogo, sempre adorei a componente da evolução ecológica e da selecção natural dos melhor adaptados, por isso resolvi partilhar um segredo convosco – sei onde andam ai uns Pokémons fantásticos, geniais, e que precisam desesperadamente de ser apanhados[/pull_quote_left]

Enfim, tem o poder de poder lutar e isso é sempre bom, certo? Lutam uns contra os outros, até há ginásios para as pokékriaturas que, por sua vez, são apanhadas com uma ou mais pokébolas, depende de pokéssão…. É complicado, devia ter pedido à minha avó que me explicasse mais sobre história natural e ontologia dos gambozinos, agora dava-me um jeitão para escrever esta estória.

Mas pronto, aqui estamos nós, embalados por uma espécie de ‘Macarena digital’, dançamos alegremente pelas ruas em busca de coisas que são suficientemente giras, divertidas, apelativas e motivadoras para nos fazer sair do conforto do sofá em busca de gratificação e excitamento. Como biólogo, sempre adorei a componente da evolução ecológica e da selecção natural dos melhor adaptados, por isso resolvi partilhar um segredo convosco – sei onde andam ai uns Pokémons fantásticos, geniais, e que precisam desesperadamente de ser apanhados. Aqui vai a lista com meia dúzia:

  • Sirione, um Pokémon cada vez mais frequente e que tem tido sérias dificuldades em evoluir. Este não fui eu que descobri, já há mais gente a chamar atenção para a sua presença, trata-se de um ser que aparece muito frequentemente nos elementos ‘campo de refugiados’, embora haja cada vez mais exemplares espalhados por bairros periféricos de uma Europa crescentemente autista;
  • Petroliolis, dizem que anda ali pelas costas algarvias e alentejanas, escondido entre cardumes de carapaus e bancos de areia. Muitos dizem que é um mito, que se ele não apareceu quando a coisa estava favorável para a sua valorização, não é agora que vai aparecer, mas também há quem defenda que é uma espécie de Pokésalvador, não dizem é de quem;
  • Controlaluzz, encontra-se em todo o lado, é um dos melhores, híper forte em batalhas desiguais, controla o preço da energia e com isso uma miríade de outros Pokéfactores de produção, o seu maior inimigo é o Painesolar, muito mais ‘anémico’ em termos de capacidade de luta, mas capaz de mudar as regras do jogo através de uma evolução descentralizada, mesmo a curto e médio prazo de uma maneira que o Controlaluzz nem quer sequer imaginar;
  • Parquenaturalion, num país com virtualmente ¼ de áreas com alto valor natural e ecológico, só tem de descobrir uma dessas áreas perto de si e ir até lá, fazer umas caminhadas, olhar e contemplar, respirar e apreciar, vai ver que o Parquenaturalion vai entrar na sua colecção sem ter que atirar uma única pokébola, mas tire as fotos que quiser. Evoluem naturalmente e tornam-nos naturalmente evoluídos;
  • Urnavotium, tem vários formatos, desde uma miríade de exemplares com fortes raízes locais a um formato pesado e cheio de cabeças que se auto digladiam, tipo hidra com esquizofrenia, cada formato tende a aparecer só de quatro em quatro anos, tem um padrão de evolução errático e é fundamental irmos até ao habitat ‘urna de voto’ atirar uma Pokébola em forma de boletim com uma cruzinha para dentro de uma caixa, na esperança que o Urnadevotium assuma um aspecto decente e útil;
  • Pikinitus, também pode ter vários formatos e são os meus favoritos. No outro dia, os meus dois Pikinitus apanharam-me a mim, estava a fazer ronha na cama, afinal era domingo e entraram no quarto e desataram aos abracinhos e beijos. São uns Pokémons extraordinários, por vezes muito difíceis de apanhar (horas de estudo, do banho, refeições…) mas nunca param de me surpreender com a sua enorme capacidade de evoluir e evoluir a cada batalha das suas vidas. Lancei-lhes a minha pokébola em forma de coração mal soube que iam fazer parte do ambiente cá de casa, mas fui eu que fiquei completamente apanhadinho.

Sei que muitos de vós também conhecem Pikinitus, sejam vossos ou ‘emprestados’. Não deixem passar este Verão sem lhes dar a maior atenção possível, vão ver que também eles nos vão fazer andar por jardins, museus, praias e até memoriais de guerra e locais de contemplação sem nos obrigar a fazer figura de alucinados por gambozinos, insensíveis ao significado e contexto do que nos rodeia

Boa caça!

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence