Quem o afirma é o vice-presidente da Quercus, sublinhando que este se deveria discutir e avançar, mesmo em tempos de crise. Francisco Ferreira elege ainda a independência energética com base em energias renováveis como um dos desafios primordiais do país, a par de visão, ambição, precaução e seriedade na avaliação como factores cruciais para que Portugal trace o caminho para um desenvolvimento suficientemente sustentável
POR HELENA OLIVEIRA
© GRACE, 2012

Como classificaria ou descreveria a actual política ambiental em Portugal?
É difícil separar as circunstâncias de uma crise social e económica que o país vive da sua política de ambiente. Por um lado, há todo um conjunto de esforços básicos de diagnóstico permanente e de acompanhamento que estão a falhar por falta de verbas (da monitorização da água e do ar aos trabalhos indispensáveis de vigilância e acompanhamento do território, nomeadamente em áreas sensíveis em termos de conservação da natureza). Mais ainda, o protagonismo das questões ambientais não é possível quando dramas como o emprego ou a política fiscal se sobrepõem na agenda, fazendo também com que a desejável integração de políticas num quadro de desenvolvimento sustentável não consiga ter lugar. Por outro lado, houve uma verdadeira revolução na administração central responsável pelo ambiente, associada também a uma nova Lei de Bases, cujos efeitos ainda é cedo para avaliar. Nalgumas políticas parece haver um recuo significativo, por exemplo na salvaguarda e coerência da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional.

Qual foi a grande vitória da política ambiental portuguesa?
O ordenamento do território é talvez o reflexo mais visível, relevante e permanente da política ambiental de um país. Portugal, por iniciativa própria e estimulado por legislação Europeia, tendo mais de 20% da sua superfície terrestre como áreas protegidas e/ou classificadas, às quais se devem acrescentar áreas marinhas, constitui um caso exemplar de preservação da biodiversidade e da paisagem, com reflexos positivos e directos também em diversas actividades económicas, nomeadamente no turismo.

E a grande derrota?
Ao mesmo tempo, e nas últimas décadas, a especulação imobiliária levou à construção em zonas de risco e em áreas importantes do ponto de vista ecológico e agrícola, subvertendo todo um planeamento que permitiria agora uma qualidade de vida melhor, com infra-estruturas de transportes e outras mais próximas, adequadas e com menores custos, uma paisagem mais ordenada e também um maior sentido de comunidade.

Face à conjuntura económica actual, que desafios mais prementes tem o país de resolver para ir ao encontro de um desenvolvimento suficientemente sustentável?
O país tem de aproveitar a crise para reflectir sobre os aspectos essenciais que falharam no passado e mesmo com as dificuldades de investimento existentes, fazer as escolhas certas de longo e não de curto e médio prazo. Por exemplo, a preservação dos nossos melhores solos permitiria uma maior segurança alimentar com produtos de qualidade, assegurando também o abastecimento à escala local. Não é fácil encontrar soluções para o excesso de construção no litoral em áreas cada vez menos atraentes.

Os desafios passam por olhar para um futuro longínquo, como 2050, e imaginarmos o país em que gostaríamos que nós e as próximas gerações vivêssemos. No que respeita à energia, é fundamental a nossa independência energética com base em energias renováveis; em termos de território, apostarmos na preservação das áreas mais relevantes em termos naturais e paisagísticos, com actividades económicas aproveitando os nichos de qualidade de muitos dos produtos aí gerados; é termos centros urbanos dinâmicos, vivos, revitalizados; é não continuarmos a estragar e sabermos encontrar os locais e a dimensão certa para as actividades que poderão beneficiar o país.

O maior desafio é termos visão e ambição (mesmo em tempos de crise), precaução e seriedade na avaliação.

“Os desafios passam por olhar para um futuro longínquo, como 2050, e imaginarmos o país em que gostaríamos que nós e as próximas gerações vivêssemos”

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A transição para uma economia verde é já considerada como uma prioridade global. Mas, efectivamente, que passos foram já dados para que esta seja alcançável e não somente desejável?
A grande oportunidade para discussão sobre o que é uma economia verde e porque deve ou não ser uma prioridade global deveria ter ocorrido na Conferência Rio+20. Depois de vários documentos-chave dedicados ao tema publicados antecipadamente pelas Nações Unidas, pelos empresários (WBCSD), pelas organizações não governamentais (WWF), esperava-se uma discussão mais coordenada, profunda e com resultados na reunião mundial realizada no Rio de Janeiro. O documento final remete quase que, para cada país, a tarefa de promover essa economia verde que deverá assegurar mais emprego, equidade, à custa de actividades que não tenham impactes ambientais e sociais significativos e assegurem a perenidade dos recursos. A tecnologia é um pilar vital deste futuro, mas o financiamento aos países em desenvolvimento, a sua capacitação e a necessidade de partilha de conhecimento são elementos fundamentais e difíceis de operacionalizar. Em Portugal, reflexo talvez também da generalidade do texto aprovado na Rio+20, ainda não temos um roteiro para uma economia verde, que até em tempos de crise se justificaria ainda mais discutir e avançar.

E que áreas se apresentam mais promissoras para as empresas portuguesas poderem dar o seu contributo para a denominada “economia verde”?
Havendo já algum trabalho em curso, as áreas que têm maior potencial são sem dúvida as energias renováveis, da escala doméstica a projectos de maior dimensão, tendo em conta a selecção dos que têm menores impactes ambientais, a exploração cuidada e diversificada da floresta, a reabilitação urbana, as infra-estruturas turísticas com uma dimensão adequada ao espaço em que se insiram e promovendo o envolvimento dos utilizadores em actividades próprias e locais, a preservação e exploração dos enormes recursos marinhos que temos.

Como convencer as empresas que existe um verdadeiro “business case” nesta também denominada “nova revolução industrial”?
As empresas, mais cedo ou mais tarde, virão a perceber que o seu envolvimento numa estratégia de economia verde é inevitável, para lidarem com o seu próprio funcionamento num mundo com maiores custos de energia, com recursos limitados face a uma maior pressão populacional, com uma sociedade mais exigente no respeito pelo ambiente e maiores exigências sociais e éticas. As empresas que tiverem capacidade de se antecipar e forem coerentes numa política de desenvolvimento sustentável mais profunda que os meros relatórios ou índices (que não seja apenas um estímulo do marketing), virão a colher benefícios mais tarde e poderão ser pioneiras de um desafio que lhes dará competitividade e conhecimento determinantes.

Sabemos que para garantir a sustentabilidade do planeta, as indústrias e os consumidores têm de mudar os seus padrões de produção e consumo. O que funciona melhor: regulamentação, mercado ou educação/sensibilização?
Reflectir no preço os custos ambientais é sem dúvida a forma mais directa e eficaz para todos os agentes (consumidores e indústrias) fazerem as melhores escolhas. Estamos porém longe de um mercado onde tal aconteça. Assim, a regulação e a educação terão sempre um papel fundamental na correcção das externalidades não reflectidas pelo mercado, para além de, no caso da sensibilização, haver um conjunto de benefícios associados á promoção de uma escolha informada e consciente. Para além da aquisição de bens e serviços, é também relevante mencionar que a preservação de determinados ambientes, que denominamos por serviços dos ecossistemas, sejam devidamente renumerada pela mais-valia que representa.

“Os principais desafios ambientais a nível global prendem-se com a necessidade de lidar em termos de mitigação e adaptação com o maior problema ambiental deste século, as alterações climáticas, onde um grande esforço individual e colectivo é absolutamente necessário”

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Estão os investidores e altos quadros das empresas nacionais devidamente despertos e capacitados para a necessidade de incluir a sustentabilidade nas suas tomadas de decisão estratégicas ou o “ambiente” continua a ser encarado como uma questão secundária?
O ambiente não é visto como uma questão secundária mas não está ainda devidamente internalizado nas políticas de muitas empresas. É infelizmente fácil encontrar exemplos de empresas onde, a par de prémios e primeiros lugares de rankings nacionais ou internacionais relacionados com a sustentabilidade, em decisões cruciais, ou nalguns casos, no dia-a-dia da sua actividade, estão longe do que seria desejável em termos de esforço em prol da sustentabilidade. Também muitas vezes se confunde o facto de serem empresas certificadas na área ambiental, isso assegurar uma conduta exemplar. Noutros casos, ainda piores, é apenas a perspectiva de marketing que motiva os cuidados ambientais. Há sem dúvida bons exemplos, mas são mais escassos do que eventualmente se poderia deduzir da presença de argumentos verdes apresentados por muitas empresas.

Há ainda muito poucas parcerias de empresas com a sociedade civil, nomeadamente com organizações não governamentais de ambiente, cooperando naquilo que seja positivo para ambos, nomeadamente dando uma maior transparência à sua actividade, assegurando um maior acompanhamento e integrando sugestões ou minimizando e compensando os impactes ambientais associados, mas deixando espaço para a crítica mútua nos aspectos em que haja desacordo.

É possível elencar os princípios desafios ambientais, a nível global, a médio prazo (2020) e antecipar quais os principais riscos e oportunidades para as empresas?
Os principais desafios ambientais a nível global prendem-se com a necessidade de lidar em termos de mitigação e adaptação com o maior problema ambiental deste século, as alterações climáticas, onde um grande esforço individual e colectivo é absolutamente necessário. Este problema relaciona-se directamente com a escassez de alguns recursos e principalmente com o custo da energia que tenderá a subir e onde os combustíveis fósseis têm de marcar menor presença. A opção por fontes renováveis é determinante, e em tempo de crise, há que envolver as empresas num esforço de contribuir para uma sociedade de baixo carbono, aproveitando os ganhos de eficiência a que a contenção de custos tem obrigado, tornando-os permanentes, e investindo em áreas, como vários estudos demonstram, geradoras de inovação e emprego. Promover e/ou aprofundar o diálogo e a concertação entre empresas e sociedade continua também a ser sempre um desafio e uma oportunidade para todas as empresas.

Quem é Francisco Ferreira?
Licenciou-se em Engenharia do Ambiente na FCT/UNL em 1989, efectuou o Mestrado em Virginia Tech, EUA e concluiu o doutoramento na FCT/UNL em 1998. Tem coordenado projectos de investigação no domínio das alterações climáticas e avaliação da qualidade do ar, leccionando estas áreas para além de poluição acústica e monitorização de sistemas ambientais. Foi Presidente da Quercus de 1996 a 2001, sendo membro da Direcção Nacional desde Março de 2001, tendo assumido o cargo de Vice-Presidente em Março de 2007. Na Quercus coordena as áreas das alterações climáticas e energia. É membro do Conselho Nacional da Água.

Editora Executiva