A propósito do balanço dos últimos dois anos da Portugal Inovação Social, apresentado este mês na 1ª edição da Aldeia da Inovação Social, Filipe Almeida traça o estado-da-arte do sector, num “momento da história do País muito interessante e desafiador, em que estão a surgir novos agentes de inovação e novas formas de pensar e organizar políticas e práticas”. Em entrevista, o presidente da EMPIS sublinha que “temos hoje, em Portugal, alguns dos melhores empreendedores sociais do mundo, com ideias e uma capacidade mobilizadora fora do comum”
POR GABRIELA COSTA

A Portugal Inovação Social (EMPIS) fez o balanço de dois anos de concursos destinados ao financiamento de planos de capacitação para o investimento social e ao desenvolvimento de projectos no âmbito dos programas Parcerias para o Impacto e Títulos de Impacto Social. Realizada a 4 e 5 de Julho em plena Serra da Lousã, a 1ª edição da Aldeia da Inovação Social foi palco para a apresentação de resultados e projectos, mas também para a dinamização de uma programação cultural e interactiva que reuniu empreendedores sociais e representantes de entidades públicas, privadas e da economia social de todo o País.

Sublinhando a “vitalidade crescente que este sector emergente vem manifestando”, Filipe Almeida, presidente da EMPIS, explica, em entrevista ao VER, como diariamente emergem em Portugal empreendedores sociais que “colocam a sua criatividade, a sua empatia e o seu trabalho ao serviço da solidariedade, de uma vida colectiva mais justa” e “da melhoria das perspectivas de futuro dos mais vulneráveis”. Garantindo que “estamos a viver uma época de mudança”, sendo que “nenhuma outra permitiu um envolvimento tão alargado e consciente da humanidade num processo transformador”.

Que balanço faz dos últimos dois anos de actividade da Portugal Inovação Social, ao nível do tipo de concursos de financiamento de iniciativas de inovação e empreendedorismo, do expressivo montante atribuído, da qualidade das 137 candidaturas aprovadas e das regiões do País mais beneficiadas?

A Portugal Inovação Social é uma iniciativa pública, pioneira na Europa, que tem como missão promover a inovação social e o empreendedorismo social em Portugal, apoiando projectos inovadores com recurso a fundos da União Europeia. Os instrumentos de financiamento que gerimos são também eles inovadores e visam não apenas financiar projectos, mas também aproximar os investidores públicos e privados das organizações e empreendedores que os implementam. Tem sido, portanto, um caminho de descoberta também na preparação e disponibilização destes canais de financiamento.

[quote_center]Tem sido um caminho de descoberta na preparação e disponibilização de canais de financiamento[/quote_center]

E chegados aqui, faço um balanço muito positivo dos resultados alcançados. Já foram abertos oito concursos, disponibilizando uma dotação de cerca de 37 milhões de euros, no âmbito dos quais foram recebidas 366 candidaturas. E foram aprovados os primeiros 137 projectos, correspondendo a 12 milhões de euros de financiamento, em três dos quatro instrumentos geridos pela Portugal Inovação Social: 99 no âmbito da Capacitação para o Investimento Social; 35 no âmbito das Parcerias para o Impacto; e três no âmbito dos Títulos de Impacto Social. Por enquanto apenas a região de Lisboa ainda não é elegível para financiamento e abrimos o primeiro concurso para o Algarve há poucos dias. Dos projectos aprovados, cerca de metade estão localizados na Região Norte, 40% no Centro e 10% no Alentejo.

Temos hoje, em Portugal, alguns dos melhores empreendedores sociais do mundo, com ideias e uma capacidade mobilizadora fora do comum, que diariamente colocam a sua criatividade, a sua empatia e o seu trabalho ao serviço da solidariedade, de uma vida colectiva mais justa, da melhoria das perspectivas de futuro dos mais vulneráveis. E temos também investidores sociais cada vez mais conscientes da importância de investir em projectos inovadores com impacto social positivo. Há igualmente uma crescente abertura do sector público para incorporar uma cultura de inovação nos seus processos e na forma como valorizam as propostas da sociedade civil organizada. Estamos a viver uma época de mudança, como aliás têm sido quase todas no último século. Mas nenhuma outra época até agora permitiu um envolvimento tão alargado e consciente da humanidade nesse processo transformador. Desse ponto de vista, estamos, mais uma vez, em Portugal, activamente integrados no pelotão dessa mudança.

No âmbito dessas candidaturas o que destaca em termos dos planos de capacitação para o investimento social e do desenvolvimento de projectos para os programas Parcerias para o Impacto e Títulos de Impacto Social?

No âmbito da Capacitação para o Investimento Social, os planos candidatos e aprovados registam necessidades de desenvolvimento de competências das equipas em todas as áreas de gestão elegíveis, confirmando a percepção de que existe uma carência generalizada deste tipo de competências nas organizações da Economia Social, especialmente nas de pequena dimensão com projectos sociais inovadores. Destaca-se, no entanto, uma prevalência de necessidades na área de marketing, comunicação e angariação de fundos, e também nas áreas da estratégia e da avaliação de impacto.

[quote_center]Existe uma carência generalizada de competências das equipas em todas as áreas de gestão nas organizações da Economia Social, especialmente nas de pequena dimensão[/quote_center]

No caso das Parcerias para o Impacto e dos Títulos de Impacto Social, instrumentos de financiamento destinados especificamente a financiar projectos de inovação social, os 38 projectos aprovados incluem soluções muito criativas e com elevado potencial de impacto social. Abrangendo áreas sociais diversas, e incorporando propostas de intervenção diferenciadas, os projectos são muito distintos entre si. Eis alguns exemplos que ilustram respostas sociais inovadoras que estão a ser implementadas com o apoio da Portugal Inovação Social:

“Pavilhão Mozart”– é um projecto de reintegração social e de desenvolvimento humano para jovens reclusos que, durante um ano, preparam e ensaiam uma ópera de Mozart para se apresentarem em público, envolvendo reclusos, familiares, equipas técnicas e de segurança, artistas profissionais e toda a comunidade. Apresentaram-se nos dias 12 e 13 de Julho de 2018 na Fundação Calouste Gulbenkian, acompanhados pela orquestra Gulbenkian.

“Apps For Good”– é um projecto de base tecnológica que envolve milhares de alunos, centenas de escolas e professores em todo o país num concurso anual de ideias para criação de aplicações de telemóvel que visem dar resposta a problemas sociais, promovendo o desenvolvimento simultâneo das competências digitais e da consciência social e ambiental entre os alunos envolvidos.

“Just a change”– um projecto que visa reabilitar casas em estado avançado de degradação onde morem pessoas em situação de grande vulnerabilidade, restaurando a dignidade e o conforto da habitação, mobilizando para o efeito estudantes universitários que, com supervisão profissional, ajudam a recuperar os espaços.

“Palcos para a Inclusão”– uma escola de artes para pessoas com deficiência e dificuldades cognitivas, que promove a integração social e o bem-estar através do ensino artístico e da articulação das atividades culturais com as necessidades específicas deste público e das suas famílias.

“Autism Rocks!”– propõe uma nova forma de entender e de lidar com o autismo, provocando transformações radicais em centenas de famílias e milhares de cidadãos.

“EKUI Cards”– são um conjunto de 26 cartas que reúnem quatro linguagens – grafia comum, braille, língua gestual e alfabeto fonético –, favorecendo a alfabetização inclusiva e a reabilitação de pessoas com (e sem) deficiência.

“ColorADD”– é o primeiro código gráfico universal de cores que, através de uma solução simples com formas geométricas, permite resolver as dificuldades diárias das pessoas que sofrem de daltonismo.

“Academia de Código”– desenvolveu uma metodologia eficaz de formação intensiva em programação para jovens desempregados de todas as proveniências formativas, conseguindo alcançar taxas de empregabilidade muito significativas.

“Aldeias Pedagógicas”– são um projecto que revitaliza aldeias remotas através da transformação dos seus habitantes idosos em “mestres” dos seus ofícios e saberes para grupos de visitantes que assim aprendem directamente com os guardiães dessa sabedoria as artes e os modos sustentáveis de viver e produzir, num intercâmbio entre jovens que desenvolvem novas formas de ver o mundo e idosos que ganham uma nova utilidade para o seu conhecimento e uma nova função para a rotina das suas actividades diárias.

Como comenta o facto de o Concurso Parcerias para o Impacto – com 91 candidaturas e financiamento de 18,7 milhões de euros ter alcançado o melhor resultado desde o seu lançamento?

De facto, o mais recente concurso das Parcerias para o Impacto, com dotação de sete milhões de euros, recebeu 91 candidaturas com financiamento solicitado de 18,8 milhões de euros, mais de 2,5 vezes o valor da dotação disponível. É um excelente sinal da vitalidade crescente que este sector emergente vem manifestando. E no caso deste instrumento, baseado num modelo de co-financiamento, é importante referir que este valor corresponde apenas a 70% das necessidades de financiamento, sendo o restante assegurado por investidores sociais, públicos ou privados. Acresce assim aos 18,8 milhões de euros mais cerca de oito milhões de euros de compromisso de investidores sociais, o que representa uma mobilização assinalável e investimento por parte dos empreendedores sociais.

[quote_center]Os projectos aprovados incluem soluções muito criativas e com elevado potencial de impacto social[/quote_center]

Este resultado é fruto de um trabalho intenso da Portugal Inovação Social, mas não só. Temos actualmente em Portugal um conjunto muito relevante de investidores, consultores e instituições públicas e privadas envolvidas activamente na promoção da inovação e do empreendedorismo social. É um momento da história do país muito interessante e desafiador, em que estão a surgir novos agentes de inovação e novas formas de pensar e organizar políticas e práticas orientadas para melhorar o modo como vivemos.

Como decorreu a 1ª edição da Aldeia Inovação Social, no que respeita a toda a programação prevista, para além da apresentação dos resultados do EMPIS?

Para fazer o balanço dos primeiros dois anos desde a abertura do primeiro concurso, organizámos um evento a que chamámos “Aldeia da Inovação Social”, tendo ocupado durante dois dias uma aldeia do xisto, na serra da Lousã, onde reunimos dezenas de projectos, com actividades interativas, workshops, debates e múltiplas intervenções. Ali, foi possível conhecer os resultados já alcançados pelos projectos, como também criar condições para que os diferentes agentes promotores de inovação social reforçassem as suas ligações, numa experiência incomum de encontro num local belíssimo, integrado com a natureza, mas relativamente remoto, a convidar ao diálogo, à informalidade e ao convívio sereno.

[quote_center]A Aldeia da Inovação Social despertou a curiosidade, estimulou a criatividade, promoveu parcerias, criou redes e ajudou a construir pontes[/quote_center]

Reunimos empreendedores sociais, representantes de entidades públicas, privadas e da economia social, projectos sociais locais, população autóctone e outros interessados em inovação social que, de Norte a Sul do país, se deslocaram à Cerdeira para assistir às várias actividades propostas. Todos os debates foram muito participados e os workshopse apresentações de projectos que decorreram paralelamente também suscitaram bastante interesse tanto da parte de grupos organizados como de outros empreendedores ou, simplesmente, curiosos. Estimamos que a afluência tenha ascendido às 300 pessoas em cada um dos dias, o que para uma aldeia daquela dimensão é muito significativo. Os participantes reconheceram a importância deste tipo de iniciativa e nós percebemos que era uma necessidade latente. Foi portanto um êxito que superou as nossas expectativas.

Escolheram a aldeia da Cerdeira para a realização do evento considerando a prioridade nacional dada à dinamização dos territórios de baixa densidade. Que ideias inovadoras reuniu o concurso da Portugal Inovação Social dedicado a projectos para a prevenção dos incêndios e revitalização das zonas afectadas? O que está previsto para o bootcampde desenvolvimento destas ideias e apresentação a potenciais investidores?

Além da prioridade atribuída à dinamização dos territórios de baixa intensidade, outro dos motivos que levou à escolha da aldeia da Cerdeira para a realização da primeira Aldeia da Inovação Social foi, precisamente, o facto de a serra da Lousã ter sido muito fustigada pelos grandes incêndios de 2017. Nesse sentido, resolvemos promover o concurso de ideias inovadoras para a prevenção de incêndios e revitalização socioeconómica das zonas afectadas. Recebemos quase 60 candidaturas, sendo que as cinco melhores foram seleccionadas para receber acompanhamento, mentoria e formação do IES – Social Business School, que desde a primeira hora aceitou organizar e conduzir este concurso.

[quote_center]O concurso de ideias inovadoras para a prevenção de incêndios e revitalização socioeconómica das zonas afectadas recebeu quase 60 candidaturas[/quote_center]

As equipas finalistas participaram num bootcamp que aconteceu ao longo dos dois dias em que decorreu a Aldeia da Inovação Social e que lhes permitiu trabalhar as ideias com a ajuda dos mentores, transformando-as em projectos concretos ou pensando em soluções que os tornem viáveis ou sustentáveis. Estas ideias passam por soluções que vão desde a criação de cooperativas de gestão agro-florestal ou a reconstrução de anexos agrícolas à criação de linhas de produtos artesanais e ecológicos, cujo lucro reverte a favor da recuperação dos locais afectados. A proposta vencedora foi, porém, a de um grupo de jovens empreendedores do ensino secundário que inventou uma cápsula que inclui um sensor de temperatura e um transmissor de rádio que é enterrada e responde ao aumento anormal da temperatura com o envio de um sinal sonoro para os bombeiros. A apresentação pública dos projectos finalistas foi feita na Aldeia da Inovação Social perante uma plateia que incluíu representantes de autarquias, de fundações e do sector privado, todos potenciais investidores em projectos como estes.

A Aldeia da Inovação Social despertou a curiosidade, estimulou a criatividade, promoveu parcerias, criou redes e ajudou a construir pontes. Tudo elementos fundamentais da inovação e do empreendedorismo social. Tudo alicerces necessários para a construção de uma sociedade mais inclusiva, mais justa e sustentável. Acredito que o melhor do nosso futuro comum passará certamente pelas mãos e pelas ideias daqueles que percorrerão os caminhos improváveis e inesperados destas aldeias, sejam elas reais ou imaginárias.

Jornalista