A inteligência artificial não nos substitui — mas obriga-nos a evoluir. O que significa, afinal, ser-se um bom profissional num mundo que está continuamente a ser redesenhado? Bernard Marr, futurista e autor do livro Future Skills, responde com uma lista clara e prática de 20 competências essenciais e que vão muito além do domínio técnico. Do pensamento crítico à empatia, da literacia digital à aprendizagem contínua, Marr propõe uma reinvenção profunda do conceito de “profissionalismo”, centrado em qualidades humanas
POR HELENA OLIVEIRA

Num mundo em que a inteligência artificial está a transformar radicalmente o trabalho, o que significa, afinal, ser um profissional de excelência? Bernard Marr acredita que as competências verdadeiramente determinantes para o futuro do trabalho (e, em muitos casos, já para o presente) não serão técnicas, mas sobretudo humanas. No seu livro Future Skills: The 20 Skills and Competencies Everyone Needs to Succeed in a Digital World, Marr apresenta uma visão clara e prática do que será necessário aprender, desenvolver e cultivar para continuarmos relevantes no mundo profissional.

O autor, consultor, futurista, colunista regular na Forbes e considerado um dos 5 maiores influenciadores do mundo nas áreas dos negócios e da tecnologia, sublinha o papel decisivo da empatia, do pensamento crítico, da criatividade e da curiosidade, entre outras competências (v. Caixa), para conseguirmos vingar no ambiente laboral da actualidade e do futuro próximo. E alerta para um erro comum: achar que o futuro do trabalho será dominado apenas por programadores ou especialistas em IA.

“As competências mais importantes serão as que nos tornam mais humanos”, afirma. “A tecnologia está a evoluir rapidamente, mas continua a precisar de pessoas com empatia, ética, imaginação e capacidade de decisão em contextos complexos”.

Soft skills como activo estratégico

No resumo do livro publicado pela Blinkist, Marr sublinha que embora as competências técnicas continuem a ser relevantes, são as competências humanas que fazem a diferença num mundo automatizado. A título de exemplo, o autor afirma que profissionais com inteligência emocional elevada podem atingir o dobro do desempenho em vendas em áreas como os seguros, demonstrando o valor mensurável de qualidades como empatia, a escuta activa e a capacidade de criar relações.

Marr é claro: das 20 competências essenciais que identifica no livro, 16 são comportamentais ou interpessoais. Entre elas estão a empatia, a colaboração, a escuta activa, o pensamento crítico, a resolução de problemas complexos e a curiosidade intelectual.

“A IA pode analisar dados, mas não tem empatia nem criatividade real. As organizações precisam de pessoas que saibam interpretar, dialogar, imaginar e decidir. Isso não é automatizável”, defende.

Esta visão é reforçada por dados do Fórum Económico Mundial, que identifica competências como o pensamento analítico, a criatividade e a aprendizagem activa entre as mais procuradas até 2027.

Exemplo: Numa equipa de saúde digital, a IA pode ajudar a diagnosticar uma determinada doença, mas são os profissionais com competências humanas que acolhem, escutam e comunicam o tratamento ao paciente.

Literacia digital e de dados: mais do que saber usar tecnologia

Marr observa que a verdadeira literacia digital não se limita ao uso técnico de ferramentas, integrando igualmente a capacidade de compreender os dados e as tecnologias que os suportam. De acordo com o autor, a maior parte das pessoas hoje sofre de excesso de dados e falta de discernimento: o problema não é a escassez de informação, mas a incapacidade de a filtrar e aplicar com propósito. “Saber que dados ignorar é tão importante como saber interpretá-los”, resume Marr.

O livro distingue entre literacia digital (saber usar ferramentas e plataformas digitais) e literacia tecnológica (compreender o impacto da IA, do blockchain ou do metaverso nos modelos de negócio). Marr insiste que estas competências devem ser acessíveis a todos e não apenas a especialistas.

“Saber como funciona uma IA, onde pode falhar, que dados utiliza — tudo isso será tão fundamental como saber ler e escrever”, alerta.

O autor reforça ainda que a literacia de dados é essencial para interpretar informações, evitar vieses e tomar decisões informadas. “Os dados são o combustível da IA, mas temos de saber usá-los com ética e discernimento”, diz.

Exemplo: Um profissional de RH que compreende os dados pode identificar tendências de retenção e prever necessidades de requalificação, em vez de reagir tarde demais.

Aprender sempre: a única competência permanente

Para Marr, a aprendizagem contínua é talvez a mais crítica de todas. O autor cita estudos que indicam que metade das competências actuais poderá ficar obsoleta dentro de dois a três anos.

“A capacidade de reaprender, desaprender e adaptar-se rapidamente será o novo diferencial”, defende.

Essa aprendizagem não é apenas formal: passa por curiosidade, espírito de exploração, abertura ao erro e vontade de experimentar. É isso que permitirá às pessoas acompanhar a velocidade da transformação digital, afiança também.

Em entrevista ao JournalgetAbstract, Marr aprofunda esta ideia ao afirmar que a aprendizagem contínua deve ser incorporada no nosso estilo de vida, tal como alimentarmo-nos ou praticarmos exercício. Segundo ele, “o erro está em pensar que aprendemos quando somos jovens e depois aplicamos esse mesmo conhecimento para o resto da vida”.

“Temos de aprender sempre, todos os dias. O mundo muda depressa demais para que fiquemos parados”, aconselha veementemente.

Essa aprendizagem constante implica também que as empresas assumam a responsabilidade de criar condições para tal — com rotinas de actualização, acesso fácil a conteúdos e um ambiente que valorize a aprendizagem como prática diária. Marr defende modelos que combinem micro-formações, aprendizagem on the job e mobilidade interna para desenvolver competências em tempo real.

Exemplo: Um gestor de marketing pode ter aprendido a trabalhar com SEO e redes sociais há dez anos. Mas hoje precisa de dominar ferramentas de automação, análise preditiva e IA generativa — e amanhã terá de se adaptar a novas plataformas ainda desconhecidas.

“A aprendizagem contínua não pode ser episódica nem reactiva. Tem de ser integrada nas nossas rotinas como um hábito essencial de sobrevivência e crescimento profissional.”

O autor cita uma pesquisa realizada pela Dell e pelo Institute for the Future (IFTF) a qual estima que 85% das profissões que existirão em 2030 ainda não foram criadas, o que torna a adaptabilidade e a abertura à aprendizagem competências de base para qualquer carreira futura.

Marr lembra ainda que as competências mais procuradas nem sempre são as mais técnicas. Em ambientes de trabalho com IA, a capacidade de aprender com agilidade, adaptar-se a novas ferramentas e colaborar com outras pessoas (e com máquinas) será uma mais-valia inestimável.

“O profissional do futuro não será substituído pela IA, mas amplificado por ela — desde que saiba fazer as perguntas certas, cultivar as competências certas e preservar o que o torna humano.”

Pensamento crítico: o escudo contra a desinformação

Num mundo em que os conteúdos gerados por IA se multiplicam e em que as redes sociais criam bolhas informativas, o pensamento crítico tornou-se mais vital do que nunca.

“É preciso questionar fontes, interpretar contextos, identificar manipulações e tomar decisões ponderadas. Não podemos terceirizar o nosso julgamento à tecnologia”, alerta Marr.

O autor relaciona esta competência com a responsabilidade social e ética no uso de dados, na criação de algoritmos e na relação com sistemas automatizados.

Exemplo: Um gestor financeiro que confia cegamente num algoritmo de scoring pode prejudicar decisões de crédito, se não tiver pensamento crítico para interpretar contextos específicos ou avaliar impactos sociais.

Liderança, colaboração e redes humanas

O livro termina com um apelo à construção de competências relacionais sólidas: colaboração, inteligência cultural, gestão de equipas híbridas, comunicação e rede pessoal.

Segundo Marr, o talento do futuro não será apenas aquele que está dentro da empresa, mas também o que se activa em rede: parceiros, freelancers, plataformas, ecossistemas externos.

“As organizações inteligentes vão adoptar uma lógica de build, buy, bot, borrow, ou seja, formar talento interno, contratar, automatizar e colaborar externamente. É assim que se inova com escala e velocidade.”

Exemplo: Uma empresa de contabilidade pode recorrer a parceiros tecnológicos para integrar especialistas em IA nos seus fluxos de trabalho, reduzindo tempo e aumentando a eficiência.

Marr defende também que a liderança precisa de ser mais empática, inclusiva e adaptativa. Os líderes do futuro serão aqueles que conseguirem integrar competências técnicas com visão humana, e que sabem gerir redes e não apenas hierarquias.

Pessoas à frente da tecnologia

Para Bernard Marr, a grande transformação do mundo profissional não é tecnológica — é humana. Na entrevista ao getAbstract, defende que, ao invés de vermos a IA como substituta das pessoas, devemos encará-la como uma ferramenta de amplificação humana. A chave, diz, está em cultivar as competências certas para colaborar com a tecnologia.

“O objectivo não é sermos tão eficientes quanto as máquinas, mas sim tornarmo-nos mais humanos no que fazemos melhor.”

Ao contrário de quem dramatiza o futuro como um duelo entre humanos e máquinas, Bernard Marr propõe uma visão mais construtiva: a tecnologia precisa das pessoas certas para fazer sentido.


As 20 competências para o futuro do trabalho (organizadas por blocos temáticos)

No seu livro Future Skills, Bernard Marr identifica 20 competências essenciais para prosperar num mundo moldado pela tecnologia digital e pela inteligência artificial. A lista inclui tanto competências técnicas como comportamentais, reflectindo a necessidade de uma abordagem híbrida no que respeita à aprendizagem e ao desenvolvimento profissional.

As 20 competências podem ser agrupadas em quatro blocos principais:

Competências digitais e técnicas

  1. Literacia digital
  2. Literacia de dados
  3. Competências técnicas específicas
  4. Consciência de ameaças digitais

Competências cognitivas e de decisão

5. Pensamento crítico
6. Julgamento e tomada de decisão complexa
7. Criatividade
8. Curiosidade e aprendizagem contínua
9. Aceitação e celebração da mudança

Competências interpessoais e emocionais

10. Inteligência emocional e empatia
11. Colaboração e trabalho em equipa
12. Comunicação interpessoal
13. Inteligência cultural e consciência da diversidade
14. Consciência ética
15. Competências de liderança

Competências de gestão pessoal e carreira

16. Trabalho em regime de gig economy
17. Adaptabilidade e flexibilidade
18. Marca pessoal e networking
19. Gestão do tempo
20. Cuidado pessoal

“Estas competências não são um luxo — são uma necessidade estratégica para qualquer pessoa que queira manter-se relevante”, escreve Marr.

O autor sublinha que estas competências devem ser entendidas de forma integrada. Não basta dominar ferramentas digitais sem pensamento crítico; não adianta ter criatividade sem saber colaborar ou comunicar. O profissional do futuro será aquele que combinará conhecimento técnico com profundidade humana, visão com adaptabilidade.

“Se investirmos nas competências certas, a IA pode libertar-nos do trabalho repetitivo e abrir espaço para a criatividade, a empatia e o propósito.”

O desafio, diz, é preparar-nos hoje — não só com mais tecnologia, mas com mais humanidade. E essa preparação começa agora: com vontade de aprender, pensar, colaborar e reinventar o que significa ser profissional num mundo em constante reinvenção.

Imagem:© Kvalifik /Unsplash

Editora Executiva

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