POR JOÃO PEDRO TAVARES
Nos últimos cinco meses fomos desafiados, enquanto ACEGE, para sermos co-organizadores deste congresso. De uma folha em branco, fomos construindo, a partir do título “Business as a Noble Vocation” o que pretendíamos que fosse: mais do que um evento, uma experiência transformadora, com um antes e um depois.
Junto dos associados da ACEGE, em particular nos grupos de reflexão “Cristo na Empresa”, fomos meditando nesta vocação (do latim vocatio, chamamento), a viver em Missão, em unidade de vida, na nossa realidade de trabalho, na profissão, nas nossas empresas ou nas múltiplas formas como servimos os que nos rodeiam. E sempre sob a batuta do nosso excepcional presidente, Rolando Medeiros, empresário chileno, homem disponível, discípulo empenhado, líder empresarial e pessoal, marcante no serviço e que, com a sua generosidade, consegue chegar aos quatro cantos do mundo e tem o dom de estar próximo dos outros, irradiando energia, querer e vontade. Assim, todos em conjunto, apoiados por uma grande equipa local, empenhada e dedicada, organizando toda a iniciativa, nunca caminhando desamparados, mas com determinação para um objectivo partilhado por todos.
O papel do líder no trabalho é determinante pois é ele quem marca a pauta, contribuindo para um ambiente laboral que seja virtuoso. Mas a partir de uma liderança que não seja vivida como um exercício de poder, de influências, de mérito próprio, mas antes como o exercício de um serviço, de um poder delegado e, por isso mesmo, de missão, com um propósito que perpassa para lá do “Eu”, centrado no outro, nos outros. Por tudo isto, é uma vocação, uma nobre vocação.
E a verdade é que assistimos a testemunhos de líderes que se deixaram transformar, que deixaram de se preocupar com o seu ego, optando antes por confiar na ideia de que valia a pena buscar um Bem Maior como propósito de vida. Esta transformação não é uma melhoria do que existe mas antes uma profunda renovação, um começar de novo, no olhar, nos gestos, na atenção aos outros. No raciocínio, na forma como se decide, como se actua. Na autenticidade e na busca de novas formas de viver a unidade de vida, a busca da felicidade.
E a partir destes líderes, deste caminho feito, existem múltiplos exemplos de empresas cujo propósito vai para lá da sua finalidade de actuação. Poderão actuar, por exemplo, no ramo da indústria ou da construção mas o propósito, a missão, é contribuir para a integração de ex-presidiários no mundo do trabalho, formando-os, capacitando-os e oferecendo-lhes trabalho desde o primeiro dia. Empresas cujo centro são as pessoas e a defesa da sua dignidade. Já não apenas das pessoas mas das suas famílias, alargando o perímetro de responsabilidade das organizações e de quem as lidera. Essa dignidade é fomentada pela oferta de condições de vida que sejam condignas e justas. Mas também a partir de uma auto-avaliação das famílias, para uma tomada de consciência da sua real situação, das suas necessidades, materiais, de formação, de educação, de saúde, hábitos instalados, entre outros. O propósito de se viver num mundo de empresas sem pobreza (www.povertystoplight.org) como a iniciativa que se desenvolveu a partir do Paraguai e que entretanto se espalhou pelo mundo.
Estes líderes e estas empresas não têm como finalidade primária o lucro, o resultado financeiro em sentido estrito, mas ir mais além no propósito, na marca que deixam, na missão, mais nobre e grandiosa do que a sua actividade. A actividade em si mesma acaba por ser um meio para essa finalidade maior.
Adicionalmente, são vários os modelos, socialmente inovadores, que podem conduzir a resultados absolutamente extraordinários, como é o caso da Walgreens com a incorporação de deficientes na sua cadeia logística e que resultou da decisão de um líder, pai de um deficiente e que procurou, deste modo, criar condições de trabalho para pessoas com deficiência. Randy Lewis mostrou que a Bondade pode ser um critério de gestão que se sobrepõe à Grandiosidade.
O negócio, vivido desta forma, no respeito pelo outro, promovendo a inclusão, a igualdade de condições, pode levar a resultados que superam economicamente os obtidos por pessoas “ditas normais”. E talvez nunca tenhamos pensado que o número de problemas de pessoas com deficiência se afigura como “menor”, pois são mais humildes, mais disponíveis à aprendizagem, mais empenhadas, procurando nos detalhes dar o melhor de si mesmas; quando erram, usam-no como oportunidade de crescimento e não de se penalizarem ou punirem; são mais generosas na atenção aos outros e criam melhor espirito de equipa; competem na estima mútua e na entreajuda e não na obsessão de serem “o primeiro”; o talento não é individual mas colectivo e complementam-se nas necessidades; são mais fiéis e a sua rotatividade é menor; são mais resilientes aos problemas e sorriem perante as dificuldades. Compreensão, ajuda, bem comum e felicidade passam a fazer parte da cultura vigente. Dançam e convidam a dançar. Não se queixam.
Estes novos modelos, onde a verdade e o amor podem ter lugar central, não são mais fáceis de executar, mas são mais plenos. Não são mais relaxados e sim mais tensos, pois são mais exigentes. Não excluem, mas passam a incluir novas variáveis, que à partida, “complicam” mas, por isso mesmo, são mais inclusivos. Não são menos rigorosos, mas apontam a metas mais elevadas, pois obrigam a uma cultura de resultados mais amplos e duradouros. E permitem desencaixotar novos valores, novas formas de ver, de actuar, de pensar, de julgar e de agir.
Este é, seguramente, o mais virtuoso dos modelos de gestão. O que promove o Bem Comum, para lá do bem individual. Comum, porque é colectivo, é mais extenso, não se esgota dentro das paredes da minha empresa ou, pior, do meu-eu. Porque é bem comum, está associado à subsidiariedade, à disponibilidade de ter menos para que outros possam ter mais e para que numa visão de conjunto, mais plena, todos estejam melhores. Com isso, é solidário, obriga a mudar as lentes do coração e da inteligência, para conseguir ir mais-além do óbvio e do imediato. É, assim, o mais digno, pois promove a pessoa no centro de tudo. Este é o mais inclusivo de todos os modelos. O que agrega o outro, mas também o todo que é a pessoa, desde logo, eu mesmo, que deixo de “excluir”, sejam visões, entendimentos ou valores.
Esta é a vocação do líder empresarial e a nobre vocação do negócio. Assente nesta ética poderemos olhar o futuro com maior esperança ainda. Deste modo, os desenvolvimentos da tecnologia e da ciência irão seguramente proporcionar um mundo significativamente melhor, sabendo que a ética irá estar sempre na pessoa e não na tecnologia. Assim como o Amor e a Verdade, a relação, o compromisso.
Presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores