É certo. Há décadas que o ambiente empresarial passa por volatilidades, incertezas, complexidades e ambiguidades (quem não se lembra do acrónimo VUCA, por exemplo?) que não deixam os líderes deitarem a cabeça na almofada e dormirem sossegadamente. De uma forma ou de outra, e como é habitual, há quem se adapte e ganhe vantagem competitiva, a par de muitos outros que ficam pelo caminho. Todavia, e nos dias que estamos a viver, a hecatombe parece mais grave e são muitos os CEOs que se sentem verdadeiramente confusos no que respeita ao caminho oscilante que têm pela frente. O IESE Business School publicou recentemente um estudo onde enumera as principais ansiedades e “obrigatoriedades” para que as empresas não se deixem afogar nesta que faz jus ao conceito “maré de azar”
POR HELENA OLIVEIRA

Seja qual for o estudo, relatório, paper ou artigo sobre a realidade que nos rodeia, parece existir consenso entre os seus autores no que respeita ao “resumo” que é feito sobre a mudança sem precedentes que, e sem contarmos, entrou de rompante nas nossas vidas. E sim, ciclos de mudança são comuns, mas este último é deveras perturbador, não só para a humanidade no geral, mas também para os gestores em particular.

Das alterações tecnológicas que já se faziam sentir, passando pela pandemia que obrigatoriamente as acelerou, a par da inconcebível guerra na Ucrânia, estamos igualmente a braços com novas ameaças geopolíticas que são pouco promissoras para o futuro, pelo menos a médio prazo. E estes eventos estão, e como todos nós já estamos a sentir, a ter um enorme impacto na inflação, no funcionamento das cadeias de abastecimento globais e no comportamento dos consumidores.

E são estes desassossegos que são apresentadas no estudo “Inquietudes ante el nuevo panorama comercial”, publicado recentemente pela IESE Business School e que identifica, por via da reflexão de vários professores em conjunto com CEOs, os principais motivos de ansiedade que estão a tirar o sono a líderes de todo o mundo.

O VER apresenta um resumo de algumas destas inquietudes expressas pelos CEOs entrevistados e por conselheiros de empresas espanholas, tendo em conta que todas elas afectam igualmente o nosso país.

Ora vejamos.

  • As alterações na rede de vendas

Sem novidade, todos sabemos que nos últimos anos, a venda de bens e serviços tem vindo a ser crescentemente digitalizada. Também é do conhecimento geral que a pandemia acelerou brutalmente esta tendência há muito visível, o que obrigou, e quase da noite para o dia, a que as empresas alterassem os seus modelos de negócio. Todavia e com todos estes fenómenos transformacionais e, em muitos casos, radicais, são muitos os líderes organizacionais que se sentem naturalmente confusos sobre o que mudar e como fazê-lo.

E um dos modelos que tem mesmo de ser adoptado em termos de vendas é o híbrido, que visa “entrelaçar” o mundo físico e digital. Se tal não acontecer, tudo aponta para que muitos destes líderes ficarão pelo caminho, ou por não saberem como se faz essa adaptação ou porque não a querem mesmo implementar. Por outro lado, também já perceberam que existe uma nova geração que já o está a fazer – e bem – e que se sabem mexer com agilidade neste ambiente omni-canal, ganhando uma enorme vantagem competitiva. Uma parte desta mudança foi igualmente propiciada pela digitalização da “customer journey” e também em ambientes B2B, principalmente porque são já muitos os clientes que preferem relações digitais sem contacto pessoal, optando por um simples ecrã de um qualquer dispositivo móvel. Assim e principalmente para os mais reticentes, está mais do que na hora para os líderes empresariais entrarem neste novo mundo e de capacitarem a sua força de trabalho para uma realidade à qual é impossível fugir.

Algo que não pode, de todo, ser esquecido, é que o problema não se resume apenas à adopção tecnológica, mas sim às mudanças sem retorno do comportamento dos consumidores, dos relacionamentos com os mesmos e da adaptação eficaz das mensagens das empresas face ao conjunto crescente de informação disponível a que os clientes não são, de todo, alheios.

  • A nova gestão de preços

A pandemia e a guerra na Ucrânia acordaram o fantasma da inflação, com este facto a ter implicações devastadoras em particular nos consumidores, pois cria (ainda) mais pobreza. Mas também tem efeitos perniciosos em muitas empresas, especialmente naquelas que não são capazes de transferir os seus aumentos de custos para os clientes, o que está a resultar na descapitalização de muitas delas e em problemas gravosos em termos de liquidez. Além disso, os atrasos no abastecimento de alguns materiais, componentes e bens começam a ser uma dificuldade cada vez mais visível, em particular em algumas indústrias, o que leva a um aumento de produtos semi-acabados, bem como a atrasos que podem ser fatais tanto na recolha como na venda, na medida em que deixa de existir a capacidade de servir os clientes.

De acordo com o estudo, os CEOs devem aprender a gerir a inflação – cuja trajectória é impossível de prever, mas que não deixa de parte a probabilidade de se chegar à estagflação – apesar de não terem a mínima ideia se esta será ou não temporária, devendo implementar para isso políticas de compra e estratégias de preços que minimizem o impacto negativo na sua rentabilidade.

  • A gestão empresarial quando o ambiente é mais ambíguo do que as habituais incertezas

Uma das peculiaridades do estado actual do mundo está relacionada com a necessidade de se tomarem decisões relativamente a acontecimentos inteiramente novos e que, e por isso mesmo, não têm qualquer historial. Se o cenário macro já dava grandes sinais de mudança em 2019 com novos paradigmas económicos, políticos, demográficos, de valores, de estilos de vida, legais, ambientais e tecnológicos, o ano de 2020 veio inaugurar uma era de complexidade extrema para a qual não existe guião ou mapa a ser seguido. Assim, como é possível gerir eficazmente em tempos de contínua incerteza, volatilidade e novidade? De acordo com os CEOs que participaram nesta reflexão, a regra número 1 é estar, e mais do que nunca, o mais próximo possível dos clientes. Há que compreender e analisar os seus novos hábitos e comportamentos, o que exige não só o acesso a dados transaccionais, mas que deve incluir igualmente uma investigação mais tradicional. A panóplia de informação pode ajudar as empresas a terem uma oferta eficazmente personalizada, com o objectivo de satisfazer diferentes segmentos ou acrescentar agilidade na adaptação dessa mesma oferta aos novos ambiente vigentes. E enquanto alguns líderes defendem a necessidade imperativa de se concentrarem no curto prazo, dada a celeridade da mudança, outros e pelo contrário, sublinham que a visão a longo prazo poderá ser muito mais benéfica. De uma forma ou outra, ambas as alterações poderão transformar-se numa oportunidade para se identificar novos modelos de negócio. São também muitos os líderes de diferentes mercados que já perceberam que a ameaça dos novos players que estão a reinventar a forma como criam e capturam valor poderá ser fatal para os seus próprios negócios. Muitas destas ameaças têm origem em alterações regulamentares que “comoditizam” o lado da oferta de sectores que, até agora, exibiam uma relativa estabilidade. E é exactamente nestes sectores que a prioridade deverá ser a reinvenção das suas propostas de valor.

  • Com gerir as perturbações na cadeia de abastecimento

Mesmo não sendo directamente encarada como uma questão organizacional “pura”, a cadeia de abastecimento tem um impacto expressivo no desenvolvimento empresarial, motivo pelo qual está inserida no top das preocupações dos líderes da actualidade. E as atribulações por que tem passado nos últimos dois anos abalaram os alicerces de muitas empresas. Em primeiro lugar porque devido à reduzida disponibilidade de vários produtos e matérias-primas, os atrasos nas entregas são cada vez mais normais, o que torna extremamente difícil fazer corresponder eficazmente a oferta à procura. E são já vários os CEOs que confessam estar a informar os seus clientes de que os prazos de entrega podem levar, por exemplo um ano, quando e até aqui, os mesmos não eram superiores a algumas semanas.

Assim, parecem não existir dúvidas de que existe uma necessidade premente de repensar o sistema das cadeias de abastecimento e mudar a produção para zonas mais próximas e mais protegidas de eventos inesperadamente perturbadores e de conflitos geopolíticos (o que, e na verdade, não é tarefa fácil). Todavia e mesmo que esta possibilidade seja viável, torna-se óbvio que os custos serão muito mais elevados, o que e por sua vez, torna muito mais difícil a venda de produtos num contexto de inflação elevada. Os mais optimistas acreditam que este desajuste é temporário e que mais cedo ou mais tarde voltar-se-á ao “normal” e à primazia dos custos. Por outro lado ainda, é preciso não esquecer que em vários sectores é impossível que a produção de certas matérias-primas seja geograficamente mais próxima, o que implicará sempre a dependência da oferta e do preço das mesmas.

O estudo do IESE aponta ainda que noutros sectores (por exemplo, na agricultura) certos produtos poderão ser produzidos noutros países, embora não sem perda de eficiência. Também é possível, em alguns sectores, voltar à produção “antecipada”, no sentido de existir uma “almofada” que pelo menos diminua o embate de possíveis perturbações futuras. Todavia, parece claro que estas perturbações provocarão a perda de competitividade de muitas empresas exportadoras. Os autores questionam ainda se e por exemplo, em sectores sensíveis como os cuidados de saúde ou a defesa, será igualmente provável que o governo dos EUA compre produtos críticos a uma empresa europeia? A boa notícia é que poderão surgir novas oportunidades para a produção local de alguns bens assente na segurança e rapidez de abastecimento.

  • Os desafios do omnicanal

A emergência do digital trouxe consigo novos canais de relacionamento com clientes e potenciais clientes. Tradicionalmente, a relação estabelecida com os mesmos era desenvolvida através de canais físicos, mas e como sabemos, com a chegada do digital, surgiram os canais online, acessíveis através de múltiplos dispositivos.

Esta revolução digital, que não é propriamente nova, implica importantes desafios relacionados com os canais de distribuição. Em primeiro lugar, a necessidade de compreender a oportunidade de ter canais directos através dos quais é possível existir uma relação muito mais próxima, fácil e eficaz com os clientes. Em segundo lugar, a incorporação de novas plataformas digitais que se tornam importantes canais de venda (indirecta) para os bens e serviços. Em terceiro, a necessidade de combinar os canais acima referidos (plataformas directas e de terceiros) com os canais tradicionais.

Finalmente, e talvez mais importante do que tudo o resto, como incorporar novos perfis mais digitais, com as competências necessárias e, por outro lado, como modificar o modelo de funcionamento da empresa para o adaptar aos multicanais assumem-se como questões que têm de ser rapidamente respondidas. Nas conversas que os autores tiveram com os CEOs, a maioria mencionou a necessidade e a dificuldade em recrutar talentos para gerir estes novos canais digitais (directos e indirectos).

É igualmente sublinhada, por vários dos entrevistados, a necessidade de uma racionalização dos canais tradicionais a favor dos canais online. No entanto, a falta de competências digitais e a falta de conhecimento do impacto na canibalização dos canais tradicionais tendem a ser as questões que mais se destacam. Por fim, a dirupção das plataformas de terceiros e as necessidades tecnológicas essenciais, tanto em termos de infra-estruturas dos sistemas como dos dados, são questões que também constam das preocupações dos CEOs.

Nota: Adaptado de Inquietudes ante el nuevo panorama comercial”, IESE Business School [Universidade de Navarra]

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