A ética está relacionada com normas ou, mais precisamente, com padrões de conduta. Desta forma, está relacionada com a “obrigação moral de…”. Sendo uma ciência normativa, os seus fundamentos apelam à forma como gerimos determinada acção e aos resultados que esperamos obter como consequência dessa acção. Os domínios da ética não são estanques e interagem com variadas esferas da acção e reflexão humana

 

A ética partilha a sua natureza “orientadora” com outras áreas da esfera humana tais como a religião e a lei.

Ao contrário da religião, a ética apela a razões e não a uma autoridade para justificar os seus princípios. Uma pessoa religiosa pode acreditar que é errado roubar porque “Não roubarás” é um dos Mandamentos da Bíblia Cristã. Mas ao utilizarmos a ética como a nossa base, a justificação para não o fazer assenta no facto de estarmos conscientes de que não devemos roubar porque é moralmente errado prejudicarmos outra pessoa. Quando privamos os outros do que é legitimamente seu, estamos a lesá-los.

Por outro lado, e apesar de muitas normas legais estarem baseadas em princípios éticos, os dois domínios são distintos. Todos sabemos que as leis podem ser absolutamente não éticas. Basta pensarmos, por exemplo, no sistema legal sul-africano que, até 1994, impunha um apartheid racial naquele país.

De forma inversa, existem coisas que devemos fazer (eticamente falando), como por exemplo, praticar actos de caridade, mesmo que estes não sejam uma exigência legal.

É a ética uma mera questão de nos guiarmos pelos princípios certos?

Quando as pessoas respondem intuitivamente à questão “O que é a ética?”, existe uma tendência para a identificar com princípios que distinguem o certo do errado. O que é correcto – numa certa medida. A verdade é que a especificidade das situações que exigem uma acção ética motivadas por princípios fortemente éticos exige igualmente um tipo de pensamento específico, o qual denominamos de reflexão ética.

O que significa a reflexão ética?

Em primeiro lugar, a reflexão ética exige percepção e julgamento. Poderemos ser capazes de identificar factos relevantes num determinado caso e percebermos se os nossos princípios orientadores se aplicam a esta ou a outra situação. O que pode ser extremamente difícil.

A capacidade para efectuar distinções e julgamentos desenvolve-se com o tempo. Todos nós adquirimos os nossos princípios éticos de base a par de estruturas mentais valorativas na mais tenra infância. O que é um facto evidente para a maioria das culturas que ensinam às suas crianças a denominada “regra de ouro”, traduzida pela pergunta feita pelos educadores aos seus filhos “como te sentirias se alguém te tivesse feito isso a ti?”.

Contudo, a nossa formação ética não termina na infância – é um processo que envolve o questionar contínuo e o pensamento crítico ao longo da vida. E esta é a verdadeira matéria da reflexão ética: aperfeiçoar a nossa percepção ética e capacidade de julgamento através da experiência da vida real, de um pensamento clarificado e de discussões argumentativas.

Não só os nossos princípios éticos e estruturas mentais são aprendidos, como podem igualmente ser aperfeiçoados. E devemos acreditar que toda a gente beneficia de uma reflexão ética adequada sobre os assuntos emergentes da vida contemporânea, nomeadamente no que diz respeito às obrigações éticas da sociedade em torno das questões da pobreza e da impotência face a um sem número de situações de injustiça.

Todos nós possuímos crenças, ideias e sentimentos no que respeita à ética. E é dever da sociedade promover a reflexão crítica e estimular o debate sobre esta questão.

Será a ética uma questão assente apenas em formas de sentir? 

Muitas pessoas acreditam que a ética não está, na verdade, enraizada em questões racionais mas sim na forma como cada indivíduo se sente relativamente a determinado assunto. Uma razão para esta visão está subjacente ao facto de todos nós possuirmos sentimentos fortes no que respeita às questões éticas e, muitas vezes, discordarmos com os outros em relação às mesmas. O que pode levar as pessoas a pensar que não existe uma resposta certa ou errada para qualquer questão ética e que tudo se resume a uma determinada convicção pessoal.

O que não é assim tão linear. Porque todos parecemos naturalmente talhados para convencer os outros do nosso ponto de vista ético através dos nossos argumentos, parece estranho afirmar que a ética está apenas relacionada com formas de sentir e não com estruturas racionais. Afinal de contas, os argumentos constituem formas de apresentarmos razões para os pontos de vista que defendemos e acontece que as pessoas acabam por mudar as suas convicções ao longo dessas discussões argumentativas porque acabam por considerar as razões oferecidas pelos outros como convincentes. Desta forma, a ética não pode ser vista apenas como uma mera forma de como nos sentimos relativamente a uma questão em específico.

O que não quer dizer que as emoções não representem um papel importante no nosso pensamento ético. Se não confiarmos nas nossas emoções até certo ponto – se não nos importarmos com os outros, por exemplo – será difícil explicar por que motivo tomamos a sério quaisquer questões éticas. Assim, as emoções podem, certamente, contribuir para os nossos julgamentos éticos e motivar-nos a agir com preocupação relativamente aos outros, mas não podem traduzir tudo o que está inerente a um julgamento ético.

O ponto principal nesta discussão é que os bons julgamentos éticos são considerados juízos, ao invés de ideias pré-concebidas ou intuições emocionais. É importante possuirmos sentimentos fortes relativamente às nossas convicções éticas, mas os sentimentos não são suficientes – temos, sim, que pensar cuidadosamente sobre os nossos julgamentos éticos de forma a assegurar que eles são justificados e consistentes.

O relativismo ético

É comum ouvirmos dizer que as pessoas pertencentes a determinado grupo não podem fazer julgamentos morais sobre as tradições, práticas ou formas de vida de um outro grupo. Por exemplo, existem muitas pessoas que consideram que o tratamento discriminatório das mulheres em determinadas sociedades não pode ser considerado como “errado”, porque essas práticas constituem parte da “sua” cultura e “nós” não temos, por isso, o direito de os criticar. Este ponto de vista é denominado de “relativismo ético” porque, de acordo com a sua definição, aquilo que é certo e errado pode ser apenas avaliado relativamente ao comportamento do grupo ou cultura em questão.

Mas o relativismo ético não faz sentido. Se a ética só é relativa a um determinado grupo cultural, então ninguém poderá criticar os valores de outrem a não ser que pertença a esse mesmo contexto.  Mas se assim for, não existe nenhum grupo que possa reclamar que os seus julgamentos morais são “correctos”, mesmo que sejam apenas “correctos para nós”. O que é claramente falso. Algumas coisas são simplesmente erradas, independentemente das raízes culturais de cada um.

De que forma a reflexão ética nos pode ajudar a encontrar um sentido para as nossas vidas?

É comum encontrarmos, ao longo da vida, certo tipo de obrigações que nos fazem entrar em conflito connosco próprios. Todos nós possuímos reacções instintivas relativamente às questões éticas que vão cruzando os nossos caminhos. Contudo, se respondermos instintivamente a essas questões, cedo perceberemos que não possuímos um sistema que seja capaz de ordenar as nossas prioridades éticas. Ou seja, não encontraremos forma de dar sentido ao nosso sistema de valores éticos. E é neste ponto que a reflexão ética possui um papel crucial. A reflexão ética não é um exercício pontual ou isolado: quanto melhor estivermos preparados para pensar de forma imaginativa, crítica e ética, melhor preparados estaremos para enfrentar os dilemas da vida real sobre aquilo que devemos fazer. De forma ética.

Adaptado de Shumir Foundation of Ethics in Leadership

Valores, Ética e Responsabilidade