No planeamento e implementação do regresso a um novo trabalho presencial deve-se ter em conta as barreiras e oportunidades que a pandemia e o teletrabalho trouxeram, aproveitar os benefícios e ultrapassar ou minimizar os impactos negativos
POR TÂNIA GASPAR
A Pandemia COVID-19 teve um impacto sem precedentes ao nível mundial na saúde das populações e nos sistemas de saúde, assim como impacto ao nível social, económico, educacional e laboral.
O lockdown provocou diversas alterações e consequentes desafios laborais e familiares que devem ser analisados de forma aprofundada. As pessoas que trabalharam a partir de casa ficaram expostas a riscos psicossociais específicos, como o isolamento, fronteiras confusas entre o trabalho e a família, gestão de horário e tarefas, entre outros. O medo de perder o emprego, cortes e reduções salariais, despedimentos e redução dos benefícios provocaram insegurança laboral em muitos trabalhadores. A insegurança, a perda económica e o desemprego podem ter um grave impacto na saúde mental (International Labour Organization, 2020).
Estes e outros riscos psicossociais podem surgir ou aumentar como resultado da COVID-19 e se não forem devidamente avaliados e geridos, podem aumentar o stress, diminuir a produtividade e conduzir a problemas de saúde física, comportamental e mental.
As respostas psicológicas incluem baixa motivação, ansiedade, irritabilidade, burnout e depressão e pode também ocorrer uma série de reações físicas, tais como problemas digestivos, alterações do apetite e do peso, fadiga e doenças cardiovasculares. As mudanças de comportamento refletem-se ao nível do comportamento sedentário, hábitos de sono, aumento da utilização de tabaco, álcool e drogas, dependência de tecnologias, etc. Além disso, um mau ambiente de trabalho psicossocial pode ter um impacto considerável sobre a produtividade no trabalho, através do aumento do absentismo, diminuição do compromisso laboral e redução do desempenho profissional (tanto no que diz respeito à qualidade como quantidade de trabalho). A acumulação de stress e fadiga podem reduzir a precisão do trabalho e aumentar a possibilidade de erro humano, aumentando o risco de lesões e acidentes no trabalho.
As organizações podem prevenir e mitigar os riscos psicossociais e os problemas de saúde mental durante a pandemia da COVID-19 através de ações nas seguintes áreas: 1. Ambiente e equipamento; 2. Carga de trabalho, espaço de trabalho e calendário de trabalho; 3. Violência e assédio; 4. Equilíbrio trabalho-vida; 5. Segurança do emprego; 6. Liderança de gestão; 7. Comunicação, informação e formação; 8. Promoção da saúde e prevenção de comportamentos negativos de coping; 9. Apoio social; 10. Apoio psicológico (International Labour Organization, 2020).
Muitas pessoas consideram a experiência de teletrabalho durante a pandemia Covid-19 muito positiva ou pelo menos melhor do que esperavam e gostariam de continuar com algum teletrabalho no futuro. Por um lado, foram identificados benefícios, tais como, menos deslocações, tempo com a família, autonomia e maior flexibilidade. Por outro lado, os desafios identificados incluem a dificuldade com a tecnologia, a manutenção da coesão e comunicação da equipa enquanto se trabalha à distância e o estabelecimento de limites entre horas de trabalho e não trabalho.
As organizações e lideranças, no processo de regresso ao trabalho presencial devem ter em conta que:
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deve ser um processo progressivo – reconhecer que os trabalhadores podem precisar de tempo para se adaptar a novas formas de trabalho pós-pandémico;
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devem liderar com empatia e demonstrar um entendimento de que, embora todos os seus trabalhadores tenham vivido esta crise, nem todos a viveram da mesma forma;
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dar voz aos trabalhadores, compreender as suas preocupações, desafios, necessidades e sugestões pode ajudar as lideranças a identificar potenciais riscos no seu planeamento e estratégia de regresso ao local de trabalho;
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em situações mistas ou trabalho em espelho, as lideranças devem adotar uma estratégia de comunicação que possa ajudar os trabalhadores que estão a regressar ao local de trabalho, bem como aqueles que continuam a trabalhar remotamente e promover uma visão partilhada. Uma vez que alguns trabalhadores preferem o teletrabalho, outros preferem o trabalho presencial e outros uma situação mista, tentar ir ao encontro dos profissionais sempre que possível;
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deve ser feita a avaliação e a monitorização das medidas implementadas permitindo uma maior qualidade e melhoria contínua;
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o foco deve ser o bem-estar dos trabalhadores, promover redução dos riscos psicossociais do trabalho, redução de stress físico, emocional e mental e promover programas de promoção do bem-estar e qualidade de vida no trabalho.
O objetivo não deve ser voltar ao tempo pré-covid-19. No planeamento e implementação do regresso a um novo trabalho presencial deve-se ter em conta as barreiras e oportunidades que a pandemia e o teletrabalho trouxeram e aproveitar os benefícios e ultrapassar ou minimizar os impactos negativos. Aproveitar a oportunidade para desenvolver novas formas de trabalhar, adotar novas estratégias, instrumentos e um novo papel do digital e das tecnologias. Uma comunicação efetiva e bidirecional pode reforçar a cultura organizacional, aumentar o envolvimento e bem-estar dos profissionais, melhorar o desempenho e aumentar a produtividade a médio/longo prazo numa possível nova era laboral pós-covid-19.
Referências:
International Labour Organization. (2020), “ILO monitor: COVID-19 and the world of work, fifth edition”, Geneva.
International Labour Organization. (2020). Managing work-related psychosocial risks during the COVID-19 pandemic. Geneva.
Agregada e Doutorada em Psicologia, Doutorada em Gestão, Mestre em Saúde Pública e Licenciada em Psicologia Clínica.
Professora Associada com Agregação e Diretora do Serviço de Psicologia, Inovação e Conhecimento(SPIC)/ Universidade Lusófona
Coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis https://laboratoriopats.wixsite.com/labpats/