Vivemos rodeados por sistemas que rotulamos de “tóxicos” — ambientes de trabalho, lideranças, culturas. Mas será que vemos o sistema como ele é? Ou apenas como o interpretamos, a partir das nossas feridas e juízos? Neste texto, um convite: e se, em vez de apontar o dedo ao que nos intoxica, olhássemos com simplicidade e presença para o que isso diz de nós?
POR PEDRO LOUPA

Alguma vez observou um sistema sem o tentar compreender, rotular ou controlar? Sem deixar que o ego se intrometa? Difícil, não é?

É que, quando observamos um sistema, na verdade, não o vemos como é. Vemos a nossa interpretação dele — e essa interpretação está longe de ser neutra. Está moldada pelos nossos modelos mentais, pelas nossas dores, pelas nossas aprendizagens e pelas nossas feridas.

O sistema deixa então de ser o que é e transforma-se naquilo que acreditamos que é. E é aí que começa a confusão.

Esta semana, alguém perguntou-me:
— “Pedro, porque é que você não fala mais sobre líderes tóxicos, sobre empresas tóxicas?”
A minha resposta foi tão simples quanto honesta:
— “Não me interessam os líderes tóxicos. Interesso-me pelas possibilidades. Mas vistas de um ângulo completamente diferente.”

Porque, se pensar bem, aquilo a que chamamos “tóxico” é, muitas vezes, apenas um juízo sobre algo que não se alinha com a nossa visão do mundo. E quando ficamos presos nesse juízo, a nossa capacidade de criar algo novo reduz-se quase a zero. Ficamos dentro do sistema, hipnotizados pelo drama. E o ego… adora o drama.

O juízo de “toxicidade” torna-se, então, numa prisão subtil, onde tanto o observado como o observador se encontram presos numa dança partilhada.
Como dois inimigos íntimos que, no fundo, se amam.

Eu sei. Talvez esteja em desacordo. Ou confuso. Ou talvez algo dentro de si diga: “Sim, isto faz sentido.”
Seja qual for o seu lugar neste momento, não o quero convencer. Quero apenas abrir espaço para reflexão e diálogo — sobre a simplicidade.

E se agarro no título — a simplicidade num sistema tóxico — então não venho com argumentos, mas com presença.
Porque o simples não grita.
O simples não manipula.
O simples não julga.
O simples é.

A simplicidade permite-me ver a floresta para além da árvore, mas também a árvore na sua singularidade:
Os seus ramos verdes e exuberantes.
Outros secos, partidos.
O seu tronco, marcado por cicatrizes.
Algumas humanas, como aquelas que dizem: “João ama a Marta”, gravadas na casca como se o amor precisasse de feridas para se lembrar de si mesmo.

Olho para tudo isso com presença. E nessa presença, vejo que o sistema que chamamos de tóxico é, muitas vezes, uma expressão de dor não escutada.
O grito da empresa, do chefe, do ambiente… é muitas vezes o eco do grito do meu pai, quando em criança me dizia “não” ao que eu mais queria.
É o trauma disfarçado de estrutura. A ferida vestida de liderança.

Gosto de me ancorar em frases como estas:

“Não permitirei que ninguém caminhe na minha mente com os pés sujos.” — Gandhi
“Se alguém está à procura de um caixote do lixo, certifique-se de que não é a sua mente.” — Dalai Lama
“Não há pessoas tóxicas, mas sim pessoas que nos intoxicam de cortisol.” — Marian Rojas Estapé

São âncoras. Portas. Espelhos.
Convidam-nos a dar um passo atrás… e outro para dentro.

Porque quando visto o fato da super-simplicidade, começo a ver para além do juízo.
Vejo a beleza do sistema — mesmo com o seu caos.
E começo a perceber que aquilo a que chamo de tóxico… muitas vezes só precisa de um abraço.

Sim, eu sei. Há líderes que gritam, manipulam, controlam, magoam.
Há culturas organizacionais que esmagam almas e recompensam o medo.
Mas quando tudo se reduz ao essencial — propósito, valores, papéis claros — desaparecem os esconderijos do ego.
E nessa clareza, até o tóxico perde força.

Porque o tóxico, às vezes, só precisa que alguém o olhe com compaixão.
Que diga:
— “Estou aqui.”
— “Não está sozinho.”
— “Já não precisa de gritar.”
— “Aqui não há perigo.”
— “Aqui tem um porto seguro.”

E isso… isso é liderança.
Isso é Amor.
Isso é simplicidade.

Leonardo da Vinci dizia que “a simplicidade é a máxima sofisticação.”

E a partir dessa quietude lúcida, podemos reconhecer o essencial:

Ser quem verdadeiramente somos.

E agora, deixo-lhe uma pergunta que talvez não esperasse:
Quão tóxico se sente… no momento em que descobre “o tóxico” em alguém?
E uma segunda:
O que vai fazer para assumir a responsabilidade pela sua própria toxicidade?

Porque, no final, como disse o Dalai Lama:

“Se alguém está à procura de um caixote do lixo, certifique-se de que não é a sua mente.”

E eu acrescentaria:
Quando sentir que esse lixo vem na sua direcção, pare. Respire. Olhe com simplicidade.
O que sente dentro de si?
Não responda rápido. Entre.
Sinta.
E abra-se a ver.

Porque o líder não nasce do juízo.
Nem do controlo.
Nem do ego espiritual.

O verdadeiro líder nasce da simplicidade do Amor.

Foto: © Pedro Costa / Mia Guerra © Visionary Lens Studio  www.instagram.com/studiovisionarylens

Catalisador de Liderança Humana e Consciente. Autor do livro “12 Passos para Ser um Líder Consciente”. Fundador da HumanityE, mentor e conferencista internacional, guia líderes e organizações na criação de ecossistemas humanos onde a tecnologia serve a alma, a liderança é um ato sagrado e o trabalho se torna arte coletiva.

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