A nota positiva é dada por Alexandre Pinho, Partner da KPMG que, em entrevista o VER, oferece a sua visão sobre os resultados alcançados no Rio+20, nomeadamente ao nível da formalização de compromissos por parte das empresas no sentido de se “ajustar o actual modelo de desenvolvimento para um futuro comum, equilibrado e sustentável”. E, a verdade é que nesta reunião de líderes globais, foram as empresas as que maior empenho demonstraram em navegar rumo “ao futuro que queremos”
POR HELENA OLIVEIRA

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A Cimeira Rio+20 teve, desde logo, uma morte anunciada. Não só porque os líderes mundiais continuam a não encarar as questões da sustentabilidade como uma prioridade, mas também porque não existem exigências legais que obriguem os países a cumprir objectivos e calendários em particular nesta reunião. Assim, e a seu ver, para que serviu esta tão anunciada cimeira, mas também já considerada como uma desilusão?
Esta Cimeira apresentou um objectivo claro: reforçar e garantir a renovação dos compromissos fundamentais pelos governos, sector privado e sociedade civil para com o Desenvolvimento Sustentável. Nessa perspectiva a conferência permitiu a reflexão sobre os principais desafios que serão presença obrigatória nas agendas políticas e corporativas.

A aprovação do documento final de compromissos “O Futuro que queremos”, subscrito  por mais de 190 países que marcaram presença nesta cimeira, reforça a intenção de se implementar uma cultura de mudança, alinhada com os objectivos do desenvolvimento sustentável, e cujos resultados são medidos pela participação da sociedade civil, governos e sector privado, e pelos impactos a médio-longo prazo.

Este documento realça compromissos como o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a criação de um Fórum Político de Alto Nível Internacional e o desenvolvimento sustentável com erradicação da pobreza, entre outros.

Embora no plano mais relevante das acções, medidas, incentivos e regulamentos concretos, esta cimeira tenha ficado de facto aquém do que seria expectável, no plano do princípios e das intenções penso que se fizeram alguns avanços importantes e que nos permitem continuar a investir numa mudança que, mais tarde ou mais cedo, será inevitável, com ou sem compromissos vinculativos por parte dos Estados.

De acordo com a análise da KPMG e no que respeita às empresas, a questão que se coloca em cima da mesa já não é a de que o mundo deve ou não estar a caminho de uma economia verde, mas sim qual a estrada mais adequada para lá se chegar. Que caminhos foram já desbravados para esta jornada?
Tanto a nível nacional como internacional, existe hoje um consenso sobre a necessidade de se tomarem medidas muito concretas que permitem que as empresas e os Estados contribuam para o desenvolvimento sustentável.

Embora no que se refere a um alinhamento total das estratégias corporativas com os princípios de sustentabilidade exista ainda, em muitos casos, um percurso relevante a percorrer, podemos hoje encontrar, com crescente representatividade, um conjunto de empresas com programas de sustentabilidade integrados nas suas estratégias de negócio e com resultados visíveis ao nível dos produtos que disponibilizam (ex: produtos com baixa intensidade em carbono) e dos níveis de eficiência nos recursos que consomem (ex: redução dos consumos energéticos, água, materiais, etc).

Estes resultados, pela nossa experiência e trabalho com os nossos clientes, foram alcançados fruto de quatro factores essenciais:

  • Genuíno compromisso e envolvimento da gestão de topo na agenda de sustentabilidade, promovendo uma estratégia clara e transparente para toda a Organização;
  • Envolvimento e preocupação com os diversos stakeholders;
  • Motivação dos colaboradores;
  • Investimento na alteração dos modelos de negócio, facilitando o aparecimento de pequenas e grandes inovações ao nível dos processos, sistemas e produtos por toda a organização.

E quais os próximos e prioritários passos?
Na preparação para o Rio +20, a KPMG promoveu um conjunto de recomendações, em cooperação com os nossos clientes na conferência global “Business Perspective on Sustainable Growth, Preparing for Rio+20” sobre os próximos passos, rumo a um desenvolvimento sustentável.

As principais recomendações são dirigidas aos líderes empresariais e às entidades governamentais, que detêm a maior responsabilidade em promover a mudança para um futuro sustentável, tais como:

Os líderes empresariais devem:

  • Reduzir o focus no curto prazo a favor de um crescimento sustentável no longo prazo;
  • Usar o seu poder para agir rapida e decisivamente, para conduzir a mudança onde existe inércia por parte dos líderes empresariais;
  • Adoptar modelos de negócios inovadores e sustentáveis, com capacidade de competir no longo prazo;
  • Envolver os clientes, consumidores e fornecedores para que, em conjunto, se forme um movimento de mudança;
  • Envolver, proactivamente com governos, para a definição de soluções que permitam um crescimento sustentável;
  • Adoptar objectivos ambiciosos que permitam atingir reduções significativas do impacto ambiental negativo, como o consumo de água ou utilização de recursos.

As entidades governamentais devem:

  • Disponibilizar regulações e incentivos, transparentes e estáveis, que permitam potenciar o investimento no desenvolvimento sustentável;
  • Disponibilizar novas plataformas para a colaboração entre sector privado e público, a nível nacional e internacional.

As empresas e os governos em colaboração deverão:

  • Adoptar objectivos globais ambiciosos, mensuráveis para a erradicação da pobreza, segurança alimentar, gestão da água e acesso universal a energia;
  • Estabelecer standards para o reporte da performance em sustentabilidade;
  • Desenvolver uma framework global, que requer a todas as empresas cotadas a nível mundial o reporte da performance em sustentabilidade.

Penso que o nosso papel se deve centrar uma vez mais na influência e apoio construtivo a estes intervenientes para que entendam melhor o problema, percebam os riscos inerentes e os impactos que podem ter, nos interesses e valores que defendem e promovam o tema como uma prioridade proactiva, e antes que o tema surja por si no plano da gestão de crise reactiva.

Reconhecer o papel do sector privado para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e encorajar as empresas e as indústrias a tomarem as rédeas do mesmo é um dos objectivos da Cimeira. Para tal, foi proposta a criação de uma toolkit internacional de políticas para a economia verde. Em que se reveste essa “caixa de ferramentas” e que políticas serão mais facilmente aplicáveis?
As empresas do sector privado assumem claramente um papel fundamental na mudança para uma economia mais verde, através de uma preocupação pela menor intensidade carbónica, pela utilização mais eficiente dos recursos e pela inclusão social.

O benefício da criação de uma toolkit internacional permitirá a determinação e formalização das políticas de economia verde a adoptar no contexto do desenvolvimento sustentável. Esta “caixa de ferramentas” deverá servir para definir um conjunto de orientações que possuam capacidade de retorno e geração de valor crescentes, e que sejam consistentes com o direito internacional, mas que simultaneamente respeitem a soberania nacional de cada país sobre seus recursos naturais, tendo em conta as suas especificidades, objectivos e responsabilidades e a abertura a políticas que abranjam as três dimensões do desenvolvimento sustentável.

Estas políticas devem impulsionar o crescimento económico e inclusivo, promover a inovação, potenciar oportunidades e benefícios, bem como o respeito pelos direitos humanos.

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Alexandre Pinho
Partner de Management & Risk
Consulting
da KPMG em Portugal
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Que sectores considera serem os mais bem preparados para liderar o caminho para a green economy?
No documento publicado pela KPMG em Fevereiro deste ano “Expect the Unexpected: Building business value in a changing world”, é feita uma análise sectorial aos riscos que cada sector enfrenta, decorrente das tendências ambientais, sociais e económicas, que maior impacto terão no desenvolvimento sustentável das economias a nível global, e de que forma é que esses sectores estão preparados para enfrentarem estes riscos.

Esta análise, que convidamos todos os responsáveis empresariais e políticos a consultar, permite concluir que o sector automóvel e o das telecomunicações são os dois sectores percepcionados com menor risco de exposição, e simultaneamente, os mais bem preparados para enfrentar estes riscos.

Este facto sugere uma elevada consciencialização da parte da indústria automóvel no cumprimento com as metas obrigatórias e voluntárias para a redução das emissões de carbono alcançadas através de novos veículos disponibilizados nos últimos anos, fruto de um esforço da indústria em matéria de inovação.

Relativamente ao sector das telecomunicações, é importante destacar que apesar das emissões do sector estarem a evoluir positivamente, a percepção actual do seu baixo risco resulta do facto da sua actividade de negócio permitir à maioria dos negócios, cidadãos e governos, serem eles próprios a minimizarem os principais riscos ambientais, sociais e económicos que afectarão a economia global.

No entanto, apesar desta análise, é importante destacar que existe a necessidade das empresas adoptarem os seus modelos de negócio a soluções inovadoras que permitam endereçar de forma eficaz os principais riscos e oportunidades, reduzindo custos, diferenciando os seus produtos e serviços e ganhando reputação no mercado através de um eficaz envolvimento com as suas principais partes interessadas. Esta diferenciação é hoje destacada através de analistas especializados que avaliam as empresas através de critérios ambientais, sociais e de governance (ESG – environmental, social and governance) contratados por investidores interessados em investir de forma responsável.

O reporting em sustentabilidade é outra temática em discussão no Rio+20. Dado que é uma área na qual a KPMG tem vindo a dar um forte contributo, que orientações defende a vossa consultora para esta questão?
O reporte em sustentabilidade continua a ser uma ferramenta disponível a todas as empresas para transparecer o seu desempenho na gestão dos aspectos ambientais, sociais e económicos que influenciam os seus negócios e as suas principais partes interessadas.

Para as empresas que já têm o seu programa de sustentabilidade integrado na estratégia de negócio, deixou de fazer sentido reportar o seu desempenho em sustentabilidade de forma dissociada dos seus resultados financeiros anuais.

É natural que, nos próximos anos, as empresas portuguesas adoptem o Reporte Integrado como ferramenta de reporte do seu desempenho financeiro e não financeiro. Este ajustamento obriga as empresas a reequacionarem a relevância do seu programa de sustentabilidade, as acções a implementar e os objectivos a atingir no âmbito da sua estratégia no negócio. Adicionalmente, é importante que as empresas garantam a todas as partes interessadas a máxima fiabilidade aos leitores sobre a informação reportada, recorrendo a entidades independentes para a verificação da informação não financeira, com um nível de fiabilidade semelhante ao que existe hoje nas auditorias financeiras.

É possível elencar algumas medidas positivas que tenham sido acordadas no Business Action for Sustainable Development (BASD 2012)?
Nos últimos 20 anos, após a primeira cimeira do Rio + 20, o sector privado tem vindo a promover, através de Organizações como o WBCSD ou o UN Global Compact a agenda do desenvolvimento sustentável junto de entidades governamentais e não governamentais com o objectivo de formalizar os compromissos comuns rumo ao desenvolvimento sustentável. O Business Action for Sustainable Development, foi uma das vozes do sector empresarial na cimeira.

Esta iniciativa teve como principal objectivo ajudar a garantir que a Conferência Rio +20 é uma acção de dinamização global do sector empresarial em prol da sustentabilidade, economia verde e inclusão social.

As medidas apresentadas pelo BASD 2012 no Rio+20, assentam num conjunto de compromissos, a saber:

  • As empresas devem ser incluídas no desenvolvimento de políticas que resultem da conferência rio+20, com o objectivo de identificarem soluções inovadoras e sustentáveis.
  • O sector privado tem um papel significativo na promoção e desenvolvimento de uma “economia verde”.
  • A cooperação entre empresas e Governos é a forma mais rápida e eficiente para se alcançar uma economia verde.

Estes compromissos foram formalizados por organizações que representam milhares de empresas em todos os continentes. Temos de ficar satisfeitos, quando o sector empresarial se junta para formalizar compromissos cujo cumprimento será decisivo para conseguirmos ajustar o nosso modelo de desenvolvimento, para um futuro comum equilibrado e sustentável.

A sustentabilidade que tem de ser assumida com convicção

A KPMG tem vindo a apostar fortemente na área da sustentabilidade como uma das grandes mais-valias do seu portefólio de serviços. Com mais de 300 profissionais nesta área, espalhados por cerca de 40 países, a consultora tem vindo a percepcionar o amadurecimento do mercado relativamente à temática em causa, afirmando que “as empresas têm cada vez mais consciência da sua responsabilidade ao longo de toda a cadeia de valor, assente em práticas de gestão transparentes e responsáveis”, como explica o Partner de Management & Risk Consulting, Alexandre Pinho

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Qual a oferta específica da KPMG nesta área?
Os serviços Climate Change & Sustainability da KPMG actuam no domínio da Sustentabilidade e Alterações Climáticas apoiando as organizações a melhorar o seu entendimento e as suas práticas de gestão responsável neste âmbito, e a relatar o seu desempenho nas componentes ambiental, social e ética.

A KPMG conta com mais de 300 profissionais nesta área, distribuídos por cerca de 40 países, em todo o mundo.

Trabalhamos em cooperação com os centros globais de excelência da KPMG, específicos para cada sector e oferta de serviços e nos quais detemos um vasto conhecimento e experiência em várias indústrias. Integramos equipas multidisciplinares com experiência em aconselhamento estratégico, melhoria de desempenho operacional, gestão do risco ambiental e social, compliance, fiscalidade ambiental e assurance.

A KPMG através do centro de excelência de CC&S desenvolve um conjunto de estudos e de artigos de referência global em matéria de sustentabilidade.

Na generalidade, quais os desafios mais comuns que identificam quando iniciam o vosso trabalho?
Os nossos principais desafios prendem-se, por um lado, com o nível de maturidade e sensibilidade das organizações para o assumir de uma agenda estratégica de sustentabilidade que incorpore, por convicção, princípios de gestão responsável como parte da sua cultura e estratégia de sucesso e não apenas por obrigação regulamentar.

Por outro lado conseguir o melhor equilíbrio possível entre a importância dada ao tema no plano dos princípios e a verdadeira disponibilidade para investimento nas transformações necessárias a uma adequada adopção dos princípios de equilíbrio social, económico, ético e ambiental subjacentes.

Dada a vossa experiência, que melhorias significativas podem já ser elencadas, ao nível das empresas, no que respeita a inscrever a sustentabilidade na estratégia empresarial, e não apenas como uma “rubrica” secundária?
As organizações líderes têm procurado criar valor através da comunicação do seu desempenho na área económica, social, ambiental e da ética, para além da tradicional comunicação do desempenho financeiro, através de um maior envolvimento com os seus stakeholders e da integração das suas expectativas nas estratégias de negócio, permitindo encontrar novas formas de inovação e adaptação como política de diferenciação e retorno reputacional.

O aumento do número de empresas expostas a diversas pressões de mercado, como as condições de trabalho, práticas de comércio anticoncorrenciais, escassez de recursos, volatilidade dos preços dos combustíveis, impacto do aquecimento global e pelo escrutínio crescente dos principais stakeholders, leva a que as empresas tenham cada vez mais consciência da sua responsabilidade ao longo de toda a cadeia de valor, assentes em práticas de gestão transparentes e responsáveis.

Editora Executiva