Ao olhar para o futuro próximo, num cenário de instabilidade continuada, não há dúvida de que a dinâmica de mudança veio para ficar. E é por isso um bom momento para refletir sobre o que resultou até agora, o que aprendemos e as respostas que damos hoje a algumas questões críticas
POR MARIA DE FÁTIMA CARIOCA

Esta expressão que dá nome a um dos mais recentes livros de Rosabeth Moss Kanter, Professora de Liderança em Harvard, sugere que, dada a complexidade dos problemas e a aparente insolubilidade dos mesmos, não chega pensarmos “fora da caixa” ou, dito de outra forma, mudarmos o paradigma de pensamento. É necessário sair para “fora de portas”. Sair mesmo, literalmente, da nossa casa, da nossa empresa. Sair para a rua, respirar o ar fresco, sentir o sol, o vento e a chuva, conviver com outras pessoas para se deixar inspirar por novas ideias e soluções. Parece simples, e até mesmo agradável, mas só até certo ponto. Naturalmente gostamos de desfrutar da natureza, mas, como seres tribais que essencialmente somos, é sempre um exercício exigente imergir noutras realidades humanas para entender o mundo a partir delas.

Sair, também e sobretudo, mentalmente, abandonando os “silos mentais” onde encaixamos os temas. Num mundo interligado, os grandes temas e desafios não se encerram nas instituições e sistemas que os representam, são eles próprios um mundo, um ecossistema. A saúde não se circunscreve aos hospitais ou mesmo ao sistema de saúde, mas pode ser também função de programas alimentares, planos desportivos, ambientes não poluídos, vivência equilibrada do stress no trabalho profissional. De forma semelhante, a educação não é apenas fruto da escola ou do sistema educativo, mas também, e em primeiro lugar, dos pais e da família e, ainda, de todos os grupos, atividades e formações que realizamos durante o chamado período escolar e ao longo de toda a vida. E com os negócios, é fácil constatar que a vida empresarial não se encerra na empresa, mas abrange a comunidade, a relação dinâmica e continuada com clientes, parceiros de negócio, locais e internacionais, e outros stakeholders.

Em tempos de confinamento, todo este panorama se torna mais evidente: a empresa já não é apenas aquele lugar onde nos reuníamos, saiu para fora e está agora, também, em casa de cada um dos colaboradores, e o mesmo com as escolas, com os centros de saúde, com o retalho e muitos outros serviços. E se hoje estas instituições estão nas nossas casas, no pós-pandemia, poderão mesmo acompanhar-nos até onde nós quisermos estar, sem fronteiras.

Vem tudo isto a propósito da importância de pensar “fora de portas” no novo ciclo que se iniciou com a reabertura após o primeiro período de confinamento. Se bem que muitas organizações e empresas nunca pararam, uma grande maioria reduziu a sua atividade ou, mesmo, hibernou. Mas desde junho que, em todos os setores económicos e em muitos países, assistimos à reativação de muitas instituições e empresas. Esta reabertura mostrou, contudo, umas organizações diferentes, com práticas diferentes. Todas estão a operar de forma diferente. Muitos processos se complicaram e alguns, talvez menos, se simplificaram. A mudança atinge toda a organização: são os cuidados de higienização e desinfeção, a reorganização das equipas, a digitalização, o redesenho da cadeia de valor, a reinvenção do próprio negócio, a reorientação a novos mercados, os investimentos necessários, etc., etc. As mudanças têm sido muitas, dramáticas (pela sua profundidade e velocidade) e massivas (pela sua abrangência).

Ao olhar para o futuro próximo, num cenário de instabilidade continuada, não há dúvida de que a dinâmica de mudança veio para ficar. E é por isso um bom momento para refletir sobre o que resultou até agora, o que aprendemos e as respostas que damos hoje a algumas questões críticas.

Algumas dessas questões críticas que as empresas e instituições em geral se podem colocar são, por exemplo: como vamos manter a capacidade para consistentemente responder às necessárias mudanças? Existem muitos caminhos diferentes para o futuro, qual é o nosso? Como vamos melhorar o nosso negócio, seja ele um restaurante, um hotel, uma escola, uma empresa, um centro de dia, a partir da situação atual? Tudo irá necessitar muito de investimento, onde o iremos encontrar e em que condições?

Para encontrar respostas, é bom resistir à tentação de nos voltarmos a entrincheirar e, uma vez que as portas se abriram, realmente pensar “fora de portas”, pensar no meio da rua, a partir da realidade quotidiana das pessoas, no meio do mundo. E por três razões. Em primeiro lugar, porque encontraremos pessoas e ideias novas, criativas e inovadoras que nunca conheceríamos dentro de casa e que podem muito bem ser oportunas soluções. Depois também, porque assim não perderemos nunca a adesão à realidade e a sua vida própria, permitindo que a nossa razão de ser enquanto empresa evolua e continue a responder às necessidades atuais e futuras. Em terceiro lugar, porque entenderemos melhor a nossa responsabilidade ante a comunidade de pessoas que diretamente impactamos, o mundo e a sociedade em geral.

Em relação a este último ponto, a fragilidade da sustentabilidade atual e o aumento das desigualdades sociais que a pandemia agravou ainda mais, requer a consciência responsável de todos os atores sociais, ou seja, de todos nós. As consequências das nossas ações e decisões afetam-nos e afetam muitos outros à nossa volta, seja no presente seja no futuro.

Assim, e porque de uma crise nunca se sai igual – sai-se pior ou melhor -, o que é mesmo imprescindível é aproveitarmos este momento de transição para fomentar e estimular uma nova cultura de trabalho, de consumo e de convivência social. E que as respostas que encontremos às questões que colocarmos sejam para iniciar processos, marcar caminhos, ampliar horizontes mais além do simples crescimento económico, onde tenha lugar cada pessoa, cada organização e a humanidade inteira.

Nota: Artigo originalmente publicado em Negócios, 25 de Novembro de 2020. Republicado com permissão.

Professora de Factor Humano na Organização e Dean da AESE Business School