A liderança, na Luís Simões, é “uma experiência que cresceu” e uma complementaridade que, “a dada altura, fez uma química diferenciadora”, capaz de criar valor interno e para os clientes, postos de trabalho e prosperidade. Numa visita guiada ao centro de inovação em logística e transportes que é hoje a empresa, o VER conheceu a força de trabalho que é José Luís Simões A história da Luís Simões (LS) remonta aos anos de 1930 quando, ainda jovens, Fernando Luís Simões e Delfina Rosa Soares, transportavam de carroça hortaliças e frutas para os mercados abastecedores de Lisboa e Malveira. O pai de José Luís Simões aventura-se então no transporte destes produtos, comprando o seu primeiro camião em 1948, e alargando na década de 50 o negócio ao transporte de materiais de construção.
Desde então, a empresa traça um percurso visionário, focando-se no cliente e desenvolvendo uma gestão estratégica de segmentação com vista à liderança e de aposta na competitividade via iberização. Ultrapassa vários períodos conturbados, tanto a nível interno, (por exemplo, com a falência do principal cliente, depois da Revolução de Abril), como da vida nacional, caso da crise económica de 83, que afectou gravemente o sector dos transportes. Destes desafios, os três irmãos sócios da LS retiram, então, duas lições: não depender apenas de um cliente; e não permitir que nenhum sector de actividade represente mais de 20% do volume de negócios. Hoje, a Luís Simões é uma referência na Península Ibérica, nos sectores da logística e dos transportes. Tem um património de 1750 colaboradores, dezenas de centros de operações logísticas de transporte, milhares de rotas de distribuição/dia, e uma frota de 2 mil veículos. Nos últimos cinco anos, de crise,cresceu mais de 30% nas vendas, sem perder dinheiro ou postos de trabalho. Em entrevista, o presidente do Conselho de Administração da Luís Simões explica que a flexibilização e a potencialização daquilo que os clientes querem são factores diferenciadores. O caminho “de muito trabalho e de uma devoção absolutamente estruturada na procura das necessidades dos clientes” traçado na LS assenta numa ideia clara para José Luís Simões: “os compromissos que se assumem são para se cumprir”. Quando, em 1973, com apenas 23 anos, assume a gestão da Luís Simões com os seus irmãos, que valores transmitidos pelos seus pais estão na base do posicionamento que assumem então: “o importante não é possuir camiões, mas servir clientes”? Na Luís Simões, desfrutar do que fazemos a trabalhar é talvez dos valores mais relevantes que passaram ao longo dos anos. A veneração pelo trabalho vai acompanhar-nos sempre. Outro valor que seguimos é o da persistência: não deixámos até hoje a agricultura. Ainda hoje há actividade agrícola na LS, embora de pequeníssima dimensão, porque aquilo que foi herdado ficou enraizado. Trata-se também de um conceito de complementaridade, que nasceu quando os nossos pais perceberam, logo nessas décadas, que havia que investir noutras actividades adaptadas à época. Estava-se a construir Portugal, a industrialização chegou, os contextos de desenvolvimento faziam-se com a guerra do Ultramar. Portanto, trabalho, persistência e complementaridade são os valores fundamentais que eu creio que estão na base do nosso crescimento. E para terem sustentação, foi preciso alimenta-los encontrando as necessidades dos clientes na actividade que tínhamos em mãos, e satisfazendo essas necessidades. Se para isso era necessário ter camiões, tínhamos camiões, tal como mais tarde investimos noutras coisas. O nosso caminho foi sempre de muito trabalho e de uma devoção absolutamente estruturada na procura das necessidades dos clientes. E todo ele assenta numa ideia que hoje em dia eventualmente não é tão relevante: é que os compromissos assumidos são para se cumprir. Essa ideia foi muito incutida em todos nós. A LS ultrapassou vários períodos conturbados, retirando desses desafios duas lições: não depender apenas de um cliente ou de um sector de actividade. Estas linhas estratégicas mantêm-se actuais no actual contexto socioeconómico? Há outro factor que me parece relevante neste contexto: nós somos três irmãos com uma diferença de idades considerável, e quando assumimos esta responsabilidade fizemo-lo os três, em conjunto. E muito mais tarde, deram-me um cargo com uma tarefa para desempenhar. Ou seja, não instituímos uma liderança no conceito tradicional, desenvolvemos uma experiência que cresceu e uma complementaridade que fomos construindo, e que a dada altura percebemos que fazia uma química que era diferenciadora, criava valor aos clientes e valor interno, criava postos de trabalho e permitia, no conjunto, gerar prosperidade. E essa cultura de gestão assente na ideia de flexibilização e adaptação contínua num mercado em constante desenvolvimento continua a ser essencial? Temos de ter noção de que há multinacionais que têm um PIB da dimensão do de Portugal. Portanto, a realidade não pode ser vista da mesma forma, tem de ser adaptada à actual conjuntura. Na Luís Simões, face a esse conceito de adaptação contínua, continuamos fiéis ao princípio de que a necessidade de trabalhar em sectores muito diversificados nos permite obter complementaridade de serviços, flexibilidade e, acima de tudo, competências para desenvolver coisas que os clientes necessitam e que, muitas vezes, não sabem que necessitam. O que torna a nossa diferenciação competitiva. A par de uma gestão estratégica de segmentação com vista à liderança e da aposta na competitividade via internacionalização, em que medida depende a missão da LS do factor inovação, desde sempre entendido como condição de sobrevivência?
Este contexto da iberização é relevante para nós. Às vezes as empresas não ponderam bem quanto à sua expansão: não conseguem vender na ilha da Madeira mas querem ir vender à China. É algo que eu não percebo. Quanto à questão da inovação, hoje em dia já se assume que inovar em processos também é inovar, mas há uns anos o termo só se aplicava a experiências em laboratório, com fórmulas químicas ou físicas. A tecnologia fez com que se começasse a inovar em aspectos técnicos e depois, com o software de suporte, em organização e processos. Mas não se entendeu que nada disso servia para as empresas, se não se adaptassem os processos e as organizações das empresas a essas tecnologias. E daí vem a minha análise sobre a evolução da palavra logística, que todos aceitamos hoje e aplicamos a cada tarefa. O mesmo se passa com a inovação. A dada altura estamos sempre a inovar, toda a gente inova sobre tudo. E isso pode ser um problema, porque desta forma cai-se facilmente na anarquia. A nossa noção a esse nível é ter a preocupação de fazer algo absolutamente novo. Hoje temos na LS um centro de inovação talvez dos mais modernos da Europa, e eu acho que aquilo não tem nada de novo. O conjunto das funcionalidades que o centro tem e a forma como trabalha para servir os clientes é que são novos. A flexibilização e a potencialização daquilo que os clientes querem é que podem ser um factor diferenciador. De resto, existem coisas que fazemos da mesma forma há vinte ou trinta anos. Acredito que se estamos a criar valor, não temos de mudar, e que quando fazemos bem, teremos sempre algo mais a fazer. E acredita que o pioneirismo da LS se deve também à visão que a empresa construiu a partir de políticas de qualidade, qualificação dos colaboradores, saúde e segurança no trabalho e sustentabilidade? Ou seja, nada disso resultou de grandes estratégias ou discernimentos, até porque na década de 70, com o país muito fechado em termos de desenvolvimento da economia, chegaram as multinacionais, com métodos de trabalho sobre os quais não sabíamos nada. Percebi que o problema é que os portugueses não tinham escala de valores, sequer, para entender esses métodos, para se focarem naquela dinâmica de eficácia, de fazer bem à primeira. A este respeito, há uma história que podemos associar à Luís Simões: vivemos uma época em que a ideia era executar, chegar à meta. Depois vivemos outra em que o conceito era chegar bem, e com a mercadoria inteira entregue no destino. E uma terceira em que tínhamos de fazer bem, de forma a garantir a sustentabilidade futura do negócio. E foi com esta descoberta que introduzimos formação para as pessoas, processos de organização, certificações de qualidade, tudo isso. Paralelamente, dedicam um grande esforço à área de Responsabilidade Social, envolvendo todos os stakeholders. Qual é a maior riqueza, para a organização e para o negócio, de uma conduta transparente? E sinto-me muitíssimo bem acompanhado por uma equipa de gestão que acredita que é numa atitude transparente, na relação com os stakeholders (fundamentalmente com os clientes), que a criação de prosperidade se sustenta de forma perene, capaz de aguentar décadas, evoluindo. Com mais transparência, conseguimos perceber melhor onde actuar e por vezes fazer coisas que podem contribuir para a diferenciação competitiva da empresa. Mas também motivar os demais a fazê-lo. Seja em relação à nossa concorrência directa ou não, a atitude é a de querermos copiar os melhores e nunca os piores. Que perfil deve ter um líder empresarial? Face à sua experiência, quais são os valores e competências essenciais para formar a nova geração de jovens líderes? Tão importante quanto trabalhar, é estudar. Devemos aprender sempre que possamos, em qualquer idade e em qualquer estado. Para de seguida irmos ao terreno testar o conhecimento teórico, porque a realidade é aquilo que cada um de nós constrói. Se há algo que me incomoda muito, hoje, é sentir que existem imensos jovens muitíssimo bem preparados no conceito do desfrute da distribuição de riqueza e tão pouco preparados para construírem essa riqueza. Acredito profundamente que é preciso permitir que os jovens trabalhem, e não que tenham um emprego. Temos de trabalhar, não só para criarmos riqueza como para termos como distribui-la. Infelizmente, nas últimas décadas limitámo-nos a distribuir uma coisa que foram outros que cá colocaram e que querem levar. Vamos ter de pagar os milhares de milhões correspondentes, aos seus donos. Os nossos netos terão de os pagar. Isto faz-se sem trabalho? Não me parece. Eu acredito que somos capazes de o fazer, que o País tem condições e gente capaz de o fazer. Enquanto empresário e cidadão, o que acha que pode a comunidade empresarial portuguesa fazer para combater o desemprego galopante que resulta da actual conjuntura socioeconómica?
Vivemos uma conjuntura de ajustamento. E numa livre economia de mercado, não há outra forma: depois de uma crise, há um desenvolvimento, e outra crise para ajustar essa livre economia de mercado. Portanto, este ajuste faz parte do nosso tempo e da nossa realidade. A capacidade de criar prosperidade e de encontrar soluções criativas de desenvolvimento existe. O problema é que quem quiser ter uma iniciativa e arrancar com uma actividade depara-se com uma série de complicações, nomeadamente com a Administração Pública. Avaliando o património que a LS construiu, sob a sua liderança, que perspectivas de crescimento futuro tem para o Grupo, nomeadamente ao nível da criação de postos de trabalho? A realidade mostra que fomos capazes, nestes cinco anos de crise, de crescer mais de 30% nas vendas, sem perder dinheiro e mantendo os postos de trabalho. Embora nalgumas regiões da Península ibérica o emprego na LS tenha reduzido, não destruímos posto de trabalho. As actividades mantiveram-se e subcontratámos mais em regiões diferentes, para aumentar a flexibilidade e a adaptação às exigências que os clientes estavam a colocar progressivamente (já que havia clientes que baixaram a sua actividade na ordem dos 30 a 50%). Foi preciso trabalhar com outras soluções, noutros formatos, e em mais elos da cadeia para manter os postos de trabalho, em alternativa a essas situações. A realidade actual é de alguma solidez, eu diria, acima de tudo na equipa de gestão, e no domínio dos processos de organização, da actividade, das infra-estruturas e também financeiramente. E estamos em condições de trabalhar em projectos novos. Aceitamos poder ter algum crescimento, mas essa não é a nossa preocupação. Não temos qualquer fobia por sermos muito grandes. Agora, gostávamos de ser os melhores.
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Jornalista