POR NUNO GASPAR OLIVEIRA
Qualquer mente brilhante a quem dermos ouvidos por mais do que 10 minutos vai-nos explicar claramente, por a-mais-b, de forma organizada, racional, metódica, científica e inteligente de que essa coisa de prever o futuro é um absurdo, um disparate, ou quanto muito um truque de feira para impressionar os mais crédulos.
É de facto uma cena traiçoeira, essa coisa de arriscar previsões. Os avisos chegam de todas as páginas da história, desde Lao Tzu, que afirmava que aqueles que têm conhecimento não fazem previsões e que aqueles que fazem previsões não têm conhecimento, até Albert Einstein (talvez o maior autor de citações não verificadas em toda a socialmediasfera, mas aqui o autor foi verificar esta antes de a escrever, até porque é muito controversa) nos avisava acerca da complexidade dos sistemas e da inerente dificuldade em prever desfechos futuros, se até algo tão prosaico como o tempo só pode ser previsto a pouco mais de uma mão cheia de dias.
Mas é uma condição da fragilidade humana e muitos de nós já tentámos prever o futuro, ou pelo menos pensar um pouco sobre o assunto, desde filósofos, cientistas, analistas políticos, donas de casa entediadas, trolhas a contemplar a tinta a secar nas paredes, miúdos a vegetar em ATLs de Verão e derivados a aguardar (im)pacientemente que os pais entrem finalmente de férias para os levar à praia ou ao zoo, músicos de metro, especialistas em fogos florestais, cabeleireiros dos subúrbios, autores de livros de paleo dietas, ex-jornalistas em programas detlevisão por cabo nas noites de segunda-feira, graffiters sem dinheiro para sprays enquanto contemplam mais um muro de hospital, adoradores de Buda de férias nas Caraíbas, viúvas a regressar do cemitério para a sua casa vazia, operadoras de telemarketing com a rede telefónica em baixo, designated drivers aborrecidos pela sobriedade de um sábado de madrugada a entregar amigos em quasi-coma alcoólico à porta de suas casas, viajantes de comboio de longo curso que se esqueceram de trazer os óculos de leitura, prostitutas em idade de pré-reforma admiradas como ainda têm que andar na ‘vida’, adolescentes angustiados a quem se acabou a bateria do iPhone, guarda-redes substitutos que passam toda uma época no banco de suplentes, pilotos de rebocador de barra deprimidos, idiotas-da-aldeia entediados de morte por mais um domingo sem fim, professores a aguardar colocação, chicos-espertos a afirmar que o Trump tem razão em muita coisa do que diz… bem, estes talvez não, até porque claramente pensar não será o seu forte, estão demasiado ocupados em alimentar o seu egocentrismo e oportunismo mesquinho temperado a medo de tudo o que seja estranho, esquisito, assustador ou que represente qualquer ameaça ao seu status quo de direitos assumidamente adquiridos.
Então, por que não me aventurar a fazer algumas previsões? Seja como for, não deve haver assim tanta gente a levar-me a sério e, na volta, sempre me divirto daqui a um par de meses a fazer uma espécie de cross-check a ver em quantas acertei. Então cá vá, Nostradamus mode is now on:
Previsão #1: Após uma das ‘épocas de incêndio’ mais mortíferas de sempre, não vamos aprender coisa nenhuma, vamos esquecer tudo com as primeiras chuvas e ignorar olimpicamente quaisquer estratégias de gestão territorial que contemple, a sério, uma visão de ecossistema e serviços dos quais todos beneficiamos ou o quadro grave de alterações climáticas que vivemos, assim como a nossa incapacidade em gerar modelos de desenvolvimento rural que atraiam pessoas a estar presentes e a investir em pequenos negócios no interior do país, a entregar a floresta (o que quer que isso seja para a maioria dos Portugueses, eu já desisti de perceber) à sua sorte e aos interesses peculiares de quem deste cenário de desorganização territorial tanto beneficia e, a bem dizer, com os miúdos de regresso à escola não tarda é Natal e tudo se há-de arranjar.
Previsão #2: Não há terra mai’linda do que a minha, será o slogan exponencialmente mais propalado, nas suas milhentas variações, à medida que nos aproximamos desse evento popular mais marcante do que a feira de enchidos na capital de concelho que são as eleições autárquicas. Numa previsão arriscada, digna de um ‘Mendesliano’, atiro para a mesa que iremos assistir à consagração da série que está a dar cartas no nosso tugaflix de que ‘pink is the new orange’, com alguns episódios rocambolescos onde personagens de seasons anteriores vão tentar dar um ar de sua graça, com direito a momentos de humor prisional e tudo, mesmo à americana. No fim, Lisboa vai continuar a ser a capital do país e, simultaneamente, o local onde mais se irá falar de regionalização nos meses subsequentes às eleições.
Previsão #3: o nome Donald vai deixar de ser primariamente associado a um pato com defeitos na fala, boné de marinheiro e completamente nu da cintura para baixo, graças ao maior número de variedades alguma vez montado por uma força de direita sinistra, neocon, desumana e inacreditavelmente gananciosa alguma vez existente nos USA ou em qualquer outro cantinho deste planeta (sorry Theresa, apesar do bom esforço, ainda ficam umas milhas aquém destes especialistas). Todos iremos assistir, com maior ou menor comoção, ao esforço quotidiano do homem cor de laranja (definitivamente, uma cor nas ruas da amargura nos dias que correm) em descobrir um novo ponto baixo no que às mais básicas características positivas do ser humano diz respeito. Com um bocadinho de sorte, de tanto esburacar, pode ser que fragilize a crosta terrestre e cause um terremoto tão violento que o engula vivo (e a quem alimenta esta monstruosidade).
Falta a meia previsão. Esta é a mais fácil de todas. A seguir ao Verão temos o outono e respectivas depressões sazonais e arrependimentos, a rotina aguçará os dentes e a agenda será sobrecarregada com listas infindáveis de tarefas e deadlines. Para alguns de nós, lá se foram mais umas férias, para tantos outros lá se foi mais um Verão em que não houve férias. Estaremos de volta ao dia-a-dia e, num acto de boa-fé temperado com aquele farrapinho de esperança que teima em manter-se em bom estado, aguardamos pelo vinho novo para fazer um brinde ao futuro.
Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence